Edson Simões

Pesquisador da CHC-USP, membro da União Brasileira dos Escritores e da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura.

Edson Simões

A 'maldição dourada' Pombal, os jesuítas e o atraso de Portugal - Parte1

Tese de que o atraso de Portugal é fruto do ouro vindo do Brasil foi defendida recentemente

21/08/2024 às 17:19 | 7 min de leitura
Edson Simões
Edson Simões
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Pesquisador da CHC-USP, membro da União Brasileira dos Escritores e da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura.

Foi sustentada recentemente a tese denominada “Maldição Dourada”, segundo a qual o atraso de Portugal é fruto do ouro vindo do Brasil. Afirma a teoria que a exploração do metal causou o abandono da indústria local e prejudicou o desenvolvimento do país. 

A consequência foi a decadência econômica e política portuguesa a partir do século 18. É defendido também que marquês de Pombal (Sebastião José Carvalho e Melo), após o terremoto de Lisboa (1755), centralizou o poder político e sua administração foi um completo desastre, sendo responsável pela destruição do sistema educacional por ter expulsado os Jesuítas. 

Os defensores da ideia acreditam que o país se tornou quintal da Inglaterra durante o século 19. Dentre os adeptos dessas ideias, cito o qualificado professor, pesquisador e escritor Nuno Palma, em sua obra “As causas do atraso português”. 

Respeito a teoria como opinião, mas lembro que a história é uma ciência que procura entender a realidade de uma época em diversos aspectos, sempre guiada pela lógica e pela dialética. Neste pequeno artigo, pretendo explicitar os equívocos dessa tese. 

Ouro e Diamantes: A procura do ouro foi infrutífera durante os primeiros dois séculos da colonização no Brasil. Em fins do século 17, efetivaram- se os primeiros achados e multiplicaram-se até meados do século 18, auge da mineração. 

Em 1760, ponto máximo da extração aurífera, a atividade mineradora alcançou 2,5 milhões de libras. A intendência das Minas, criada em 1702, era o órgão encarregado de administração especial para dirigir a mineração, fiscalizá-la e cobrar o quinto (tributo sobre o ouro). 

As casas de fundição (1719), transformavam o ouro em barras marcadas com o selo real. A administração só olhava o quinto e quando este abaixava, culpava os mineradores de fraude. “O meio circulante de Portugal, em 1760, era muito escasso. 

Alcançava o equivalente a 20 milhões de libras, enquanto o país devia só à Inglaterra 72 milhões. O déficit da balança comercial portuguesa era da ordem de 1 milhão de libras. O ouro brasileiro cobria o déficit.” (Clovis Melo em “Os Ciclos Econômicos”, p.90). 

Os diamantes foram descobertos no Arraial do Tejuco (hoje Diamantina) em 1729. Por volta de 1808, 25 mil quilates de diamantes foram produzidos por Diamantina para garantir as dívidas da Coroa. 

A fim de satisfazer os compromissos dos empréstimos negociados em Amsterdã, a firma Hope e Companhia recebeu entre 1802 e 1819, em consignação para serem adjudicados ao serviço da dívida externa, 348 928 quilates de diamantes lapidados, representando a importância líquida de 8 810 479 florins. (Clovis Melo, idem, p.103). A decadência da exploração aurífera foi prematura. 

Por volta de 1780 teve início o declínio da atividade de extração, caindo a produção para menos de 1 milhão de libras. A mineração ocupou durante boa parte do século 18 as atenções do país, com isso provocou a decadência de outras atividades como a agricultura no Nordeste brasileiro. 

Neste período, “a Inglaterra se tornava absoluta dona do ouro do Brasil, com o que consolidava seu reinado metálico. Adota o ouro como o padrão do seu comércio externo. A libra atinge o seu máximo esplendor e torna-se moeda de curso forçado internacional, primazia que mantém até 1939, quando o dólar lhe toma o lugar.” (Clóvis Melo, idem). 

Quanto à Portugal, o país estava sem marinha e, por isso, a produção agrícola, além de outros produtos, não podiam transitar. Mas a pergunta é: para onde se destinou o ouro brasileiro e por quê? O ouro vinha para Portugal e, segundo cálculos aproximados, atingiu oitocentas toneladas em um século de mineração. 

Passava por Lisboa, rumava para a Inglaterra e  de lá, se espalhava pela Europa. O ouro era dinheiro em estado natural (puro), pronto para a circulação interna e externa entre a colônia e a metrópole. Causou grande impacto econômico naquele período, desenvolvendo uma ampla corrida mineradora. 

A quantidade de ouro enviada para Lisboa apresenta discordâncias entre alguns autores. Para Virgílio Nóya Pinto, foram 529 toneladas entre 1697 e 1760; já Michel Morineau fala em 516 toneladas. 

Os Manifestos de 1% do Ouro na Casa da Moeda de Lisboa (documentos da Casa da Moeda de Portugal) registram 280 toneladas entre 1753 e 1801. No período, entre 1720 e 1807, particulares enviaram para o Lisboa 77,5% do ouro transformado em moeda (para negócios). 

O Estado português recebeu 22,5% em forma de barra. Por volta de 1730, as moedas de ouro do Brasil inundavam a Inglaterra, Irlanda e locais controlados pelo Império britânico. Os fluxos de ouro passavam pelo território português e se dirigiam para os cofres ingleses a fim de saldar os pagamentos comerciais. 

A Inglaterra abocanhava mais de 50% do ouro brasileiro. Os portugueses não conseguiram aproveitar as riquezas que vinham da colônia para estruturar a sua economia e se desenvolver, principalmente no governo de João 5º que sustentava uma nobreza parasitária, uma corte luxuosa, imitando os absolutistas franceses. 

Oitenta e um por cento do ouro brasileiro deixavam Portugal. Apenas 19% ficavam em solo português (a maioria com particulares). Durante o governo de José 1º, o primeiro-ministro Pombal tentou modificar os procedimentos deste modelo predatório dos cofres portugueses. 

Para Roberto Simonsen, em “História Econômica do Brasil, “de 1700 a 1770, a produção do Brasil foi praticamente igual a toda a produção do resto da América verificada entre 1493 e 1850, alcançando cerca de 50% do que o resto do mundo produziu nos séculos 16, 17 e 18. 

Todavia esta riqueza não alavancou a industrialização portuguesa”. Como então se pode criminalizar o ouro como a causa do atraso português? É lógico que a responsabilidade do atraso está na governança do reino e não nos metais preciosos. 

A resposta do atraso está nos tratados entre Portugal e Inglaterra. 

E são muitos desde a Idade Média: 1294 — Dinis com Eduardo 1º para o apoio dos cruzados na tomada de Lisboa; 1373 — entre Fernando e Eleanora com Eduardo 2º contra Aragão e Castela; 1386 — tratado de Paz e Aliança entre João 1º e Ricardo 2º, que continha cláusulas comerciais, cujo aniversário de 650 anos foi comemorado este ano com a presença do presidente Marcelo Rebelo de Sousa e é considerado o mais antigo do mundo em vigor; 1641/1642 — reafirmado o Tratado de Paz após a restauração portuguesa com o rei Carlos 1º; 1654 — João 4º realiza o Tratado de Paz com Cromwell em Westminster, após o bloqueio naval inglês do Rio Tejo. 

O tratado deu privilégios amplos à Inglaterra. Ele estipulava que somente a Inglaterra forneceria embarcações para os portugueses. Apresentava um artigo secreto que exigia que tecidos, mercadorias inglesas e manufaturas não pagariam direitos que excedessem 23% na alfândega. 

Era uma preferência absoluta para os interesses britânicos. Abria, também, para os ingleses o mercado brasileiro, africano e o da Índia. Era um tratado draconiano contra o desenvolvimento econômico português. Portugal ficou submetido aos britânicos. 

Um artigo secreto escondia o comércio dos panos para o consumo dos portugueses. Houve, ainda, o tratado de 1661, ratificando o Tratado de Paz e Amizade por Afonso 6º e Carlos 2º, devido ao casamento de Catarina de Bragança (filha de João 4º) com o rei inglês. O dote da infanta entregava para os britânicos Tânger, Bombaim, liberdade de comércio amplo favorável aos ingleses no Brasil, na Índia e mais 2 milhões de cruzados. 

As concessões de 1654 foram ratificadas. Nesse contexto, os ingleses já estavam organizados na cidade do Porto para a exportação de vinhos. O Porto era uma espécie de feitoria. A produção portuguesa era controlada pelos ingleses e os fretes cobrados eram caríssimos. Geravam déficits para o tesouro de Portugal. 

Antes, a Inglaterra consumia os vinhos franceses e espanhóis, mas, por causa dos conflitos entre esses países, a bebida foi substituída pela produção do Porto. 

Há, em 1703/1842, o Tratado de Metuhen, que definia, “de aqui em diante”, que os panos de lã e mais fábricas de lanifício da Inglaterra seriam consumidos no reino e que a “Real Majestade Britânica” era “obrigada para sempre” a admitir os vinhos produzidos em Portugal. Houve duras críticas em Portugal e até suspeitas de suborno para assessores do rei. Um dos acusados foi o confessor jesuíta do rei Pedro 2º, o padre Sebastião de Magalhães (“Memórias Históricas”, de Jacó Frederico T. Pereira). 

O representante inglês foi o ardiloso diplomata John Methuen. As prestações de contas de John para o parlamento inglês informavam que tinha sido gastas 44 mil moedas de ouro e joias para negociar o tratado. Houve distribuição de presentes Luís da Cunha, representante português em Londres, criticou duramente a entrada dos panos ingleses em Portugal, alertando que prejudicariam o desenvolvimento industrial nacional. 

Defendia o trabalho do conde Ericeira que tentou industrializar o país. Acreditava que os vinhos portugueses já eram adquiridos pelos ingleses por causa do estado de guerra com a França. 

Argumentava que os negociantes ingleses aplicavam capitais na produção e distribuição dos vinhos do Norte de Portugal (Douro) e que a concessão trazia prejuízo em duas vertentes para o Reino: arruinava a indústria nacional de panos e faria com que os lavradores transformassem as terras de pão em vinhos, obrigando a importar os alimentos além do vestuário (“Testamento Político”, de dom Luís da Cunha). 

O vinho francês era comprado a 53 libras pelos ingleses e os de Portugal por 24 libras. Com o acordo, os ingleses tinham a primazia do transporte das mercadorias e os capitais investidos na produção vinícola. Portugal passava a importar toneladas de produtos alimentícios (trigo, bacalhau etc.) para o consumo interno. Era o pão pelo vinho. 

Naquela época corria o seguinte refrão na Inglaterra: “com as nossas lãs vestimos os portugueses, e com o bacalhau da Terra Nova, em grande proporção, lhe damos de comer. E a troco disso desafogamos a Terra do seu vinho” (“Épocas de Portugal Econômico”, de João Lúcio de Azevedo). Era a total fuga das riquezas de Portugal para beneficiar o desenvolvimento da Revolução Industrial inglês e o seu progresso econômico. 

Pombal se revoltou com a situação. É importante frisar que a Inglaterra não tinha favorecido os vinhos do Porto que já tinham, anteriormente, tarifas preferenciais em suas alfandegas. João Lúcio de Azevedo resume: “O tratado não dera a Portugal nada que já não tivesse, mas conseguira para a Inglaterra o que ela não tinha, facilidades para a entrada de seus tecidos no país.” 

Após a Restauração, Portugal fica definitivamente submetido economicamente aos interesses britânicos em troca de uma possível cobertura militar. João 5º tentou de forma superficial superar o atraso por intermédio da “Pragmática” (leis reformistas), mas não conseguiu, porque, segundo João Lúcio, “o desigual está em que o contrato, obrigatório para uma das partes, é perpétuo para a outra, e facultativo e temporário só durando enquanto ela achar bom. 

A Inglaterra pode romper o contrato. Portugal fica jungido a ele, enquanto for a conveniência ou o gosto da Grã-Bretanha”. É preciso acrescentar, também, as considerações de Francisco Antônio Correia que afirmou: “(...) eram às imperfeições da nossa organização comercial muito primitiva para poder defrontar-se com aquela que os ingleses utilizavam em seu favor, como já, anteriormente, outros estrangeiros haviam feito. 

O ouro que ficou em Portugal foi gasto com grandes obras como ocorreu em Mafra. O ouro liberou o governo de submeter-se às Cortes e a administração desprezou a possibilidade de usá- -lo para desenvolver a indústria e a economia. A governança era absolutista, suntuosa e superficial.” O setor secundário não foi custeado nem a lavoura. Portugal se transformou num país agrícola. 

Foi o contexto da época que repercutiu no atraso português. O ouro não foi o culpado da “Maldição Dourada” e sim a péssima administração do reino que atrasou a evolução econômica do país. O entreguismo dos governantes prejudicou a nação. 

A infraestrutura foi relegada para segundo plano e predominou apenas o setor terciário (prestação de serviços e comércio). Já a Inglaterra estava estruturada no campo econômico e político. Estava inserida no desenvolvimento do sistema capitalista com a Revolução Industrial. 

É dentro deste cenário que emerge Pombal, oriundo da pequena nobreza. Está inserido na época do chamado despotismo esclarecido e do Iluminismo 

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