O ano de 2025 pode ser um marco histórico para o Supremo Tribunal Federal. Se espera que a corte constitucional do país tome, claro, decisões de repercussão.
O que não se espera, porém, é que o tribunal constitucional precise —embora seja sua atribuição também— julgar um ex-presidente da República pelo crime de tentativa de golpe de Estado.
Trata-se de um episódio bastante inédito no Brasil. Por óbvio, me refiro ao possível julgamento de Jair Bolsonaro por tentar se manter inconstitucionalmente na Presidência da República mesmo sendo derrotado nas eleições de 2022.
Preciso esclarecer a você, leitor, que, sim, estou fazendo uma previsão. A Polícia Federal concluiu as investigações no último novembro, mas a Procuradoria- Geral da República ainda não ofereceu denúncia ao STF. É, portanto, apenas uma questão de tempo para que Bolsonaro se torne réu.
Com isso, ele se tornará o primeiro ex-presidente da história do Brasil a ser alvo de um processo de responsabilização por tentativa de golpe contra a democracia. Não seria coisa comum, menos ainda num país dado a anistiar golpistas.
Historiadores como Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dizem que antes de 1930, sequer podíamos falar em processo democrático no Brasil.
Na primeira República, o ex-presidente Hermes da Fonseca chegou a ser preso por uma iniciativa golpista, mas, sem nenhum processo legal, foi solto em menos de 24 horas.
Depois disso, Getúlio Vargas instaurou a ditadura do Estado Novo e deixou o poder sem nunca responder pelos crimes do período autoritário. O mesmo ocorreu aos militares da ditadura instaurada em 1964. Jamais ninguém foi punido por golpes.
Bolsonaro iniciará um novo capítulo para o Brasil? É cedo para dizer, embora não exista dúvida do planejamento para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023. Para Bolsonaro, atacar a democracia brasileira sempre foi corriqueiro.
Ele já falou em matar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; bradou que a ditadura brasileira matou pouco; e, mais recentemente, em 2018, disse que tinha que “fuzilar a petralhada” [termo pejorativo usado contra filiados do PT]. Nunca foi punido.
Agora, segundo investigação da Polícia Federal, aliados, assessores, servidores públicos mais próximos do então presidente desenharam um plano chamado de Punhal Verde e Amarelo.
Diz o relatório da PF, em mais de oitocentas páginas, que havia um protocolo descrevendo como deveria ocorrer o assassinato do ministro do STF, Alexandre de Moraes, do então presidente eleito Lula e do vice eleito Geraldo Alckmin.
Segundo plano, seria usado armamento pesado do Exército, além de carros das Forças Armadas e envenenamento. Um dos principais nomes da condução do plano era o general do Exército Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência nos últimos meses do governo Bolsonaro.
Ele imprimiu o protocolo dentro do Palácio do Planalto [local de trabalho da Presidência da República do Brasil] durante expediente do então presidente.
Para quem duvida da gravidade, os chamados kids pretos, como são conhecidos integrantes das Forças Especiais do Exército, chegaram a colocar em prática parte da ação previamente planejada, abortando o restante depois.
Quanto Bolsonaro sabia e participou do planejamento e da execução do plano? Ainda está sob investigação. Um novo depoimento do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, pode esclarecer.
O que se sabe é que ele relatou pagamentos em dinheiro feitos aos kids pretos para a execução do protocolo. Quem pagou, segundo Cid? O general Walter Braga Netto, ex- -ministro e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro em 2022.
Braga Netto, preso em dezembro último no âmbito desta investigação, nega o envolvimento, mas, segundo a PF, recebeu em sua casa uma das reuniões para a discussão da ação.
Nos bastidores do Supremo, a avaliação é que se deve julgar Bolsonaro ainda em 2025 para não casar a análise do caso com o calendário eleitoral, em 2026, quando haverá novas eleições-gerais.
O cenário político no Brasil é de divisão, embora o ex-presidente esteja inelegível.
Ainda assim, a leitura dentro da corte é que a participação do ex-presidente no plano de golpe e no assassinato da chapa eleita precisa estar clara no ano que vem, porque a influência política de Bolsonaro pode aumentar o número de senadores apoiadores seus.
O Senado é o único Poder que, constitucionalmente, pode interferir no funcionamento do STF. Ou seja, Bolsonaro pode se sentar no banco dos réus, mas não está fora do jogo político.