Bruno Andrade

Jornalista e comentarista

Bruno Andrade

Fora de jogo - Futebol em tempos de TikTok

Nada como sair da nossa bolha. Os jornalistas, no geral, estão acostumados a viver abraçados na própria arrogância, o que automaticamente não permite enxergarmos a atual realidade por outro prisma

25/07/2024 às 12:11 | 3 min de leitura

“Os jovens já não suportam mais assistir aos jogos de noventa minutos. Não há interesse. São pouco atraentes e, não menos importante, pouco competitivos”.
 A afirmação do histórico Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, em abril de 2021, quando, na altura, defendia com unhas e dentes a criação de uma Superliga Europeia. Um projeto ousado —e esnobe— de competição elitizada e distante da meritocracia. A prioridade passava por dar palco única e exclusivamente aos grandes clubes.

Injusto dizer que aquelas palavras entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Mas, honestamente, foi praticamente isso. Achei pouco impactante e até certo ponto sem muito nexo. Provavelmente, porque eu, no fundo, estava revoltado com a forte possibilidade de um novo torneio que pudesse vir a matar a essência do esporte que tanto amo.

O tempo passou. O projeto (ainda) não foi para frente. A polêmica declaração do poderoso dirigente espanhol, no entanto, começou a ganhar peso na minha consciência nos últimos meses. Sozinho, em casa, frequentemente colocava em dúvida especialmente o tempo de duração de uma partida de futebol.

Nada como sair da nossa bolha e tentar perceber para quem, de fato, aquela mensagem havia sido direcionada: a juventude. Os jornalistas, no geral, estão acostumados a viver abraçados na própria arrogância, o que automaticamente não permite enxergarmos a atual realidade por outro prisma. Obviamente, também serve para mim. Faço mea-culpa.

Não sou pai —mas quero e vou ser. Sou apenas tio. Ainda assim, tenho pouco contato com os meus sobrinhos, visto que temos um Oceano Atlântico de distância entre nós. Logo, acabo muitas vezes por encarar o mundo somente com o olhar (cada vez mais longe do conservadorismo) de um homem entre 30 e 40 anos. Erro crasso. Praticamente não há partilha de opiniões com a nova geração.

Semanas atrás fui jantar com um grande amigo que o jornalismo felizmente colocou no meu caminho. Paulo Pereira é dos principais nomes da área em Portugal. Acima de tudo, um pai de mão cheia. Levou consigo a filha Francisca, uma menina de 14 anos com a cabeça formatada de uma mulher da minha idade. Esbanjava inteligência e maturidade. Seguramente, muito acima da média.

Antes de todos nos deliciarmos com um apetitoso rodízio de carnes, Paulo precisou sair para atender um telefonema. Depois de alguns segundos de silêncio, Francisquinha e eu começamos a falar sobre cinema. Sim, cinema. Para o meu espanto, me revelou que não tem paciência para assistir à filmes de mais de uma hora de duração. Prefere cenas curtas encontradas aos montes na internet.

Aquilo prontamente mexeu comigo. Foi uma chapada de luva branca. Como assim? Um dos meus maiores prazeres é mergulhar em ficções e biografias alheias que me transportam para fora de mim. Não me dei por satisfeito. O assunto serviu como pontapé inicial para falarmos de bola. Momento ideal. Não tinha como perder tamanha oportunidade para trazer à toa a tal discussão que vinha me consumindo por dentro.

Não fiquei nada surpreso quando ela, apesar de apaixonada por futebol, me disse que também não tinha interesse em acompanhar um jogo de futebol de noventa minutos. Justo pontuar: não, não acredito que seja um caso isolado. Milhões e mais milhões de crianças e adolescentes espalhados por aí devem ter a mesma visão. Ali, então, acordei de vez. Foi o choque que tanto precisava.

Tudo começou a fazer sentido. Em pleno 2024, onde tudo é muito veloz e descartável, qual é a graça de ficarmos sentados para ver quase duas horas de pura monotonia em campo? Digo isso porque a maioria esmagadora dos jogos é mesmo sonolenta. Chata. Penosa. São raríssimos os duelos que colocam frente a frente dois gigantes com repertórios semelhantes.

Geralmente, há um time altamente superior em relação ao outro. Existe de um lado muito mais investimento, melhores jogadores, entre outros. A competitividade, convenhamos, é quase nula. Pior ainda quando duas equipes fracas se encontram. É a cereja estragada no topo de um bolo amargo e que não cresceu.

Uma das (várias) formas para atenuar tanto sofrimento é, talvez, reduzir o tempo das partidas, já que nivelar as estruturas dos clubes ainda é uma utopia. Poderíamos tornar, quem sabe, o futebol mais dinâmico e interessante, assim como acontece no fenômeno da Kings League, que desafia o modelo tradicional e sabe valorizar o entretenimento: dois tempos de vinte minutos, substituições ilimitadas, jogadores de peso e presença de famosos, além do uso de “cartas especiais”.

Não digo para seguirmos à risca o exemplo acima. Não precisamos ser tão radiciais. Ainda sou defensor daquele futebol nostálgico e que me fez ser jornalista esportivo. Mas precisamos abrir os olhos. Evoluir. Discutir. Compreender que, assim como disse lá atrás Florentino Pérez, "precisamos nos adaptar aos tempos em que vivemos”. Caso contrário, o conservadorismo e pragmatismo vão nos corroer de vez, ao ponto de aniquilar o maior esporte de todos.

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