Usava um desbotado chinelo verde no fatídico dia do (por enquanto) inédito rebaixamento do Corinthians para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Um inaceitável desvio para um jovem jornalista em formação que durante toda a infância e a adolescência teve uma bizarra aversão à principal cor do Palmeiras. Aquelas azaradas Havaianas tiveram um destino incerto. Foram arremessadas para longe assim que o árbitro Alício Peña decretou o fim da partida contra o Grêmio em Porto Alegre. Empate em 1 a 1. Com a força do meu ódio, elas atingiram o quintal de algum vizinho da minha saudosa Lorena, no interior de São Paulo. Ali entre 2007 e 2008, durante muitas semanas, talvez meses, me coloquei em pé de igualdade aos verdadeiros culpados pela vergonhosa queda, entre eles o ex-presidente Alberto Dualib e alguns jogadores que nem merecem ser recordados. Um sentimento estúpido, ainda que compreensível, para quem sempre respirou o futebol e o amor pelo clube do coração.
Há quem não acredite, mas toda a deliciosa e inexplicável paixão pelo Corinthians se deteriorou com o tempo. Ora por questões pessoais, ora por profissionais. Jogo após jogo. Entrevista após entrevista. Reportagem após reportagem. Opinião após opinião. Insulto após insulto. Perseguição após perseguição. Ou tão somente dia após dia. Os quase dez anos em Portugal foram determinantes para o afastamento. Passei a não lembrar, muito honestamente, qual havia sido a última partida que acompanhei com atenção. Obviamente, conhecia os nomes dos jogadores, mas não reconheceria na rua, por exemplo, boa parte dos jovens que acabavam por vestir um manto que outrora eu chamava de sagrado.
O quão corintiano era (ou ainda sou)? Nunca vou me esquecer que no dia anterior à morte da minha mãe, Norma —minha maior incentivadora—, o Corinthians venceu a Ponte Preta, por 3 a 1, no Morumbi, com gols de Coelho, Gustavo Nery e Carlos Alberto, dando então um passo decisivo para se sagrar tetracampeão brasileiro em 2005. Um título com o selo do ídolo argentino Carlitos Tevez. O jornalismo requer honestidade e, acima de tudo, independência. Felizmente, são valores que caminham de mãos dadas com a minha personalidade. Faz parte do meu caráter. Levei a sério tamanha exigência —e me deixei ser atingido facilmente por tanto ódio nas redes sociais— que acabei por perder outro ponto fundamental: a essência de torcedor. É legítimo torcer, independentemente da posição profissional. É obrigatório sentir, porque somente assim temos a certeza de que ainda estamos vivos e dispostos para encontrarmos sentido em seguir em frente, seja pulando feito maluco nas arquibancadas, sentado à mesa de um boteco com amigos ou mesmo dentro de uma caótica Redação de jornal, revista, rádio ou televisão.
Tenho imenso orgulho do jornalista e comentarista que me tornei, mas, por outro lado, comecei a ter extrema decepção pelo corintiano que deixou de existir em mim. Uma sensação que foi se tornando gritante com a inveja que passei a ter dos meus colegas de profissão que conseguiam perambular pelos dois mundos de forma sensata e natural. Demorei bastante tempo, percorri um longo trajeto de incertezas, mas, enfim, consegui me libertar destas horríveis amarras e ignorar os ataques alheios. Ainda que de forma tímida e até certo ponto preguiçosa, hoje não tenho receio de assumir o meu corintianismo, olhando para uma câmera, tendo do outro lado milhares de pessoas sedentas para um fervoroso contra-ataque.
Foi apenas com o desenrolar de 2024 que voltei a me organizar para assistir "com calma" aos jogos do Corinthians, apesar do futebol pouco atraente, dos diversos problemas políticos no Parque São Jorge e, não menos importante, da cada vez mais real possibilidade de um segundo rebaixamento nacional. Hora ruim, não? Faz parte. Voltei, sobretudo, a ter aquela vontade incontrolável de soltar um grito de gol debruçado na janela, ainda que os vizinhos sejam em maioria portugueses adeptos de Benfica e Sporting. De comemorar uma vitória com uma cerveja gelada na mão. Ou, como tem sido mais frequente, de ir dormir consternado com uma derrota ou um empate com sabor amargo.
Com o profissionalismo de sempre, felizmente passei a ser eu mesmo, novamente, sem precisar me preocupar com o que acham do Bruno Andrade: um jornalista, um verdadeiro torcedor, que, em Portugal, se tornou amigo de Jonas, ex-Benfica (autor do lamentável gol do rebaixamento do meu time em 2007), e dono de um carinho recíproco pelo português Abel Ferreira, o maior treinador da história do meu time arquirrival.