Nonato Viegas

Diretor de Informação e editor-chefe da BRASIL JÁ

Nonato Viegas

Ir aonde ninguém mais vai

Em meio aos múltiplos interesses geopolíticos envolvendo Otan, Rússia, Ucrânia e neonazistas está a população de Donbass, que antes pedia autonomia e, hoje, prefere ser russa. A repórter Stefani Costa se deslocou até a região

13/05/2024 às 14:50
Nonato Viegas
Nonato Viegas

Diretor de Informação e editor-chefe da BRASIL JÁ

Quando assumiu a presidência da Ucrânia em 2019, o então comediante Volodymyr Zelensky encontrou um país em guerra civil fazia cinco anos e que, por causa do conflito, contabilizava 13 mil mortos. Ele prometeu, ao longo da campanha eleitoral, encerrar o morticínio de ucranianos, referindo-se às forças militares enviadas por Kiev para lutar a Leste, onde fica o Donbass, e aos separatistas da região. Zelensky tentou. Ele não renunciaria ao território, importante produtor agrícola e de carvão, e, para tentar encerrar a guerra, dobrou a força de seu exército contra seus conterrâneos —separatistas, mas ucranianos ainda. Na mesma época, também rejeitou cumprir os tratados de Minsk, aos quais a Europa ajudou a elaborar, e que previam, entre outras coisas, mais autonomia às regiões separatistas.

A Rússia não estava exatamente neutra. Mesmo sem se envolver diretamente na guerra ucraniana, dava suporte aos separatistas. Mais ou menos o que a Organização do Atlântico Norte (Otan) faz hoje com a Ucrânia. Sem força militar nem humana na ocasião, Zelensky decidiu integrar oficialmente à Guarda Nacional ucraniana organizações paramilitares e terroristas neonazistas para lutar contra as populações do Donbass, que inclui Donetsk e Luhansk, ou, como eles se autonominam, as Repúblicas de Donetsk e Lugansk. A opinião pública ocidental via com desconfiança —e aparentemente apenas isso— os movimentos de empoderamento de grupos nazistas, como Batalhão de Azov, íntima e publicamente ligado ao partido de extrema direita Pravy Sektor (Setor Direito, em português), cujo líder Andriy Biletsky (conhecido como Führer Branco) é reconhecido por defender a “pureza racial da Ucrânia”. Os membros da milícia usam símbolos nazistas em suas roupas, fardas e bandeiras, como o Wolfsangel, insígnia alemã inspirada em armadilhas medievais de caça a lobos que foi utilizada pelas SS nazistas.

Não dá para dizer que ninguém sabia que o grupo aliado é terrorista, porque mesmo antes de Zelensky vencer as eleições, ainda em 2014, o Batalhão de Azov executara um atentado contra o Partido Comunista em Odessa, ao sul do país, matando 42 pessoas (queimadas vivas) e ferindo quatrocentas. Isso não impediu o presidente ucraniano de integrar a milícia às suas forças militares menos ainda de os chamar de heróis. No ano passado, na ocasião da libertação pela Turquia dos comandantes neonazistas, Zelesnky disse que antes da guerra, “muitas pessoas não entendiam quem somos, quem vocês são, o que esperar de nós e quem são nossos heróis”, agora, afirmou ele, “todos entendem".

A Rússia usou a integração desses grupos ao governo de Zelensky como primeiro motivo para invadir o país em 2022. Apesar do discurso, a preocupação russa eram duas: 1. uma eventual vitória efetiva de Kiev sobre Donbass e 2. a proximidade cada vez maior da Otan ao seu território. Já o Ocidente, com certo cinismo, sempre que é confrontado com a realidade de armar e financiar neonazistas, diz que o presidente ucraniano é judeu.

Em meio aos múltiplos interesses geopolíticos envolvendo Otan, Rússia, Ucrânia e neonazistas está a população de Donbass, que antes pedia autonomia e, hoje, prefere ser russa. A repórter Stefani Costa se deslocou até a região e testemunhou como vivem há dez anos as pessoas neste ambiente de guerra. A morte, a mutilação, as bombas, a precariedade da infraestrutura e o fechar de olhos do Ocidente não lhes tiram a esperança de paz e, sobretudo, a resistência de tocar a vida. Convido a leitora e o leitor a verificar a reportagem a partir da página 48. Verá o relato de uma jornalista que cumpriu seu papel de ir aonde ninguém mais vai.

Também cito outras duas matérias. Uma da repórter Déborah Lima sobre o assédio sexual a mulheres brasileiras que escancarou a falta que faz a Portugal uma tipificação de crime para a importunação sexual. Faltam até dados, que, pedidos, a PSP não conseguiu atender a demanda. Repito: a BRASIL JÁ solicitou à PSP dados sobre assédio sexual a mulheres em Portugal. E o órgão policial responsável por políticas que impeçam a ocorrência do crime não os tinha a mão. A reportagem traz um recorte sobre a situação das brasileiras, porque há um componente colonial na maneira como homens portugueses enxergam mulheres oriundas ou identificadas como vindas de países que foram colônias de Portugal, mas o problema deve ser visto para proteger não apenas brasileiras, mas também as mulheres portuguesas e estrangeiras, independente da nacionalidade.

Outra matéria é uma injeção de ânimo, com boas histórias de empreendedorismo. O brasileiro, por ser a maior comunidade estrangeira, é também quem lidera todos os rankings econômicos quando se fala de não nacionais. Um deles é o de empreendedorismo. Contamos histórias de pessoas que deixaram o Brasil para recomeçar a vida em Portugal e, investindo aqui, tocam seus projetos das mais diversas áreas. As mulheres são maioria. São bons exemplos de como a integração de imigrantes é positiva para o país, porque gera riqueza às pessoas e ao Estado, que gere o bem-estar social.

Está nas bancas. No mais, desejo-lhe boa leitura.

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