Os chamados capacetes azuis, militares da ONU. Crédito: Ministério da Defesa Norte-americano

Os chamados capacetes azuis, militares da ONU. Crédito: Ministério da Defesa Norte-americano

Será que o mundo não tolera a paz? Parte 1

Nem o fim da Guerra Fria, com a extinção da União Soviética, aliviou as tensões, que continuaram até os dias de hoje

15/05/2024 às 07:58
Edson Simões
Edson Simões
redacao@brasilja.pt

Pesquisador da CHC-USP, membro da União Brasileira dos Escritores e da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura.

Passada a Segunda Guerra Mun dial (1945), parecia que a paz iria se consolidar no mundo. Não foi o que ocorreu, no entanto, com a Guerra Fria, envolvendo os EUA e a União Soviética e o grande esforço de ambos na corrida ar mamentista. O Leste Europeu foi ocupado pelos soviéticos, e Berlim, bloqueada em meados de 1948, dividida em Ocidental e Oriental. 

Nesse contexto, a Otan foi criada para enfrentar o avanço da União Soviética na Europa. Com o clima de tensão entre as potências, iniciou-se o esquecimento dos quarenta milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial. A economia europeia es tava esfacelada. Mas nada disso impediu que países europeus e mesmo em outros continentes se envolvessem em conflitos que causariam outras milhares de mortes. 

Nesse período, a ONU passou a atuar na tentativa de pacificar as áreas conflagra das, sem grande sucesso, na busca da paz mundial. Nem o fim da Guerra Fria, com a extinção da União Soviética, aliviou as tensões, que continuaram até os dias de hoje. Este artigo, que divido em duas par tes, tenta entender o que houve com cada uma delas. 

1. Coreia (1950-1955): Consequência imediata do choque entre EUA e União Soviética

Depois da Segunda Guerra Mundial, os Aliados ocuparam a Coreia. Em 1948, a Coreia do Norte, com o apoio soviético, proclamou-se uma República Popular Democrática, enquanto a Coreia do Sul se organizou como um Estado independente sob a proteção americana. 

Dois anos de pois, eclodiu um conflito armado entre os dois países. A Coreia do Norte pretendia reunificar a nação. A ONU interferiu em defesa da Coreia do Sul; a China passou a apoiar o país do Norte. Os americanos ocuparam a parte Sul, e a guerra arruinou a população dos dois países. Morreram aproximadamente quarenta mil soldados ocidentais (americanos e das tropas da ONU), 75 mil sul-coreanos e dois milhões de norte-coreanos. 

Os civis foram as principais vítimas. Um armistício só ocorreu em 1953, quando se oficializou a divisão da Coreia em dois Estados, tendo o paralelo 38 como divisa. Contudo, o conflito só amainou em 1955. Nunca houve o fim da guerra nem paz. 

2. Vietnã: A Indochina era uma colônia francesa formada por Cochinchina, Tonkim, Anam (que formavam o Vietnã), Laos e Camboja

Em 1945 foi proclamada a independência da República Democrática do Vietnã por Ho Chi Minh com o apoio dos comunistas (vietminh). A França, sem querer ceder o controle da colônia, reagiu violentamente. A guerra durou até 1954, quando suas tropas —16 mil soldados— foram derrotadas. 

Um acordo realizado em Genebra naquele mesmo ano dividiu o Vietnã em dois Estados a partir do paralelo 17: República Democrática do Vietnã, apoiada pela União Soviética e pela China, e República ao Sul, com o apoio dos americanos. Em 1965, os EUA interferiram dura mente na região para impedir a derrota do Vietnã do Sul, que vinha sofrendo ataques dos vietcongs do Norte, cujo objetivo era unir os dois Estados. 

A guerra durou oito anos, seiscentos mil soldados americanos ocuparam a região, usando armas dedestrui ção poderosas (super bombardeiros B-52, cavalaria aerotransportada, quinhentos helicópteros de última geração, porta-aviões, napalm etc.). 

Uma violência inaudita se instalou na região e a opinião pública americana reagiu contra o morticínio dos seus jovens militares, obrigando o governo a recuar. Em 1973 foram realizados os acordos em Paris prevendo o cessar-fogo no Vietnã e os americanos iniciaram a retirada das suas tropas. Em julho de 1976 ocorreu a reunificação dos dois países, com a proclamação da República Socialista do Vietnã. Morreram na guerra aproximadamente dois milhões de civis guerra e 1,5 milhão de militares norte-vietnamitas. 

3. Camboja-Laos: O fim da Guerra do Vietnã e a vitória do Khmer Vermelho (o partido comunista) no Camboja, do Pathet Laos (movimento comunista nacionalista) no Laos e do exército norte-vietnamita levou à crença de que haveria a unificação ideológica dos três países

Porém, o modelo socialista implementado no Camboja, o alinhamento com potências socialistas antagônicas —União Soviética e China—, e problemas com as minorias étnicas tive ram o efeito de separação e animosidade. As lutas iniciais entre os dois estados por definição das fronteiras ocorreram ainda em 1975. 

No fim de 1978, tropas vietnamitas e guerrilheiros cambojanos pró-Vietnã invadiram o Camboja e na sequência toma ram a capital, Phnom Penh. Em fevereiro de 1979 tropas chinesas também invadiram o norte do Vietnã e houve violenta resistência da população, levando a uma escalada no conflito regional. 

Os combates continuaram por toda a década de 1980. Em 1991 foi firmado um acordo entre os quatro grupos litigantes (monarquistas, liberais anticomunistas, Khmer Vermelho e grupo pró-Vietnã) com o objetivo de restabelecer um governo cambojano independente. O Khmer Vermelho acabou rompendo o acordo, boicotando as eleições gerais e voltando à guerrilha. 

4 . Ex-União Soviética: Após a dissolução da União Soviética, em 1991, vários conflitos com base étnica e no desejo de independência eclodiram nos antigos territórios soviéticos 

O país tinha mais de trezentas nacionalidades, com uma centena de grupos étnicos subdivididos em quinze repúblicas, oito regiões e dez distritos autônomos. A centralização político-administrativa procurava equilibrar as diferenças regionais pela participação efetiva no aparelho burocrático do Estado por todos os grupos.

Algumas repúblicas com estabilidade entre os diversos grupos, como a Ucrânia e os Países Bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia), tornaram-se independentes. Para a maioria, porém, houve lutas armadas entre seus grupos internos ou contra o governo central russo, que não permitiu a separação de várias regiões de seu território, tais como: 

- Moldávia, onde houve um plebiscito que levou à separação da Rússia em 1989. Como consequência, a Rússia o rejeitou, o que gerou choques armados —um acordo em 1992 levou paz, embora ainda haja tensão; 

- Ossétia do Sul, que se autoproclamou uma república soberana em 1990, dando início a conflitos na área. Uma força de paz minimizou a crise em 1992, mas o impasse entre a Geórgia e a nova república continuou; 

- Geórgia, que se tornou República da Geórgia em 1990. Como consequência, iniciou-se uma guerra civil entre facções internas com intervenção dos russos. Em 1994, passou a integrar a Comunidade de Estados Independentes, formada por ex-repúblicas soviéticas. A situação ainda não está to talmente normalizada; 

- Armênia, que se tornou independente em 1991, passando a ajudar o território Nagorno-Karabakh na tentativa de se unir a ele. Houve, então, um enfrentamento com o Azerbaijão. A Rússia interveio em 1994, impondo um cessar-fogo. Atualmente, a Armênia integra a CEI; 

- Nagorno-Karabakh, que desde a fundação da União Soviética incita discussão sobre o território de maioria armênia. Havia dúvidas se os armênios estavam ligados ao Azerbaijão. Em 1991, o território se declarou independente e o Azerbaijão interveio, ocorrendo enfrentamentos armados envolvendo também os armênios. Assinaram um armistício em 1994, mas a situação continua tensa na região; 

- Chechênia, que proclamou independência em 1991. A Rússia interferiu e bombardeou diversas cidades chechenas. O presidente do país foi morto durante os combates, que mataram cem mil pessoas. Em 1996 os russos se retiraram da região e consideraram o conflito acabado. Em 1999, após uma série de ataque terroristas em Moscou, os russos invadiram novamente a Chechênia para reprimir as bases rebeldes. A crise continua. 

5. Iugoslávia: Após a Segunda Guer ra Mundial, a Iugoslávia se tornou uma federação de seis repúblicas (Eslovênia, Croácia, Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Macedônia) e as províncias autônomas de Vojvodina e Kosovo, com o poder nas mãos da Liga dos Comunistas, partido único dirigido pelo croata Josip Broz Tito. 

A morte de Tito, em 1980, fez aflorar conflitos, inflação e choques étnicos, levando à dissolução do governo central e ao fim do partido único. Em 1990, nas primeiras eleições pluripartidárias, os nacionalistas venceram em várias repúblicas, exceto na Sérvia e em Montenegro. Em fins de 1990, a Croácia adotou uma constituição separatista ao mesmo tempo que a Eslovênia aprovava a separação. 

A guerra civil estourou em 1991, e o exército federal iugoslavo invadiu a Croácia. Os combates se tornaram ferozes. Em 1992, a comunidade europeia reconheceu a Croácia e a Eslovênia como países independentes, enquanto a Sérvia e Montenegro formaram a Nova Federação Iugoslávia, sob o comando de Slobodan Milosevic. Também a Bósnia foi reconhecida pela União Europeia, pe los EUA e pela ONU como independente. 

Por causa do maior aparelhamento dos sérvios-bósnios, em poucos meses eles já controlavam a maior parte do territó rio (60%), ficando os croatas com 30% e os mulçumanos com 10%. Estes, porém, controlavam a capital, Sarajevo. Foram montados campos de concentração pelos sérvios e uma campanha de limpeza étnica para expulsar ou eliminar os rivais. 

Estima-se que o número de mortos só em 1993 tenha sido de duzentos mil, dos quais 170 mil eram muçulmanos. Havia tortura, estupro de mulheres, destruição de povoados, principalmente pelos sérvios contra muçulmanos. A ONU enviou mais de 20 mil capacetes azuis para proteger as regiões controladas pelos muçulmanos. 

Em 1999, a Otan conseguiu um acordo em que a Bósnia foi dividida em dois pequenos Estados: República Sérvio-Bósnia e a Federação Croata Muçulmana. Este conflito europeu foi o mais dramático após a Segunda Guerra Mundial, porque teve genocídio e limpeza étnica. 

Milosevic foi preso e condenado por crimes de guerra em Haia em 2002. 

6. Afeganistão: A república foi proclamada em 1973. 

O governo introduziu a reforma agrária, a alfabetização obrigatória e a eliminação do dote. Os americanos suspenderam a ajuda ao país em 1979 por conta do assassinato do seu embaixador em Cabul. No mesmo período, as tropas soviéticas invadiram o Afeganistão. Essa nova fase da Guerra Fria uniu os muçulmanos fundamentalistas com guerrilheiros antigoverno e antissoviéticos, chamados mujahedin. 

As lutas prosseguiram por toda a década de 1980. Em 1987, começaram as negociações e um acordo garantiu a retirada das tropas soviéticas. A saída da União Soviética deixou o governo afegão sem apoio externo, e o presidente renunciou em 1992. 

Começaram, então, os enfrentamentos entre fundamentalistas islâmicos e étnicos pelo controle do Estado. As lutas paralisaram a economia do país e destruíram 60% de sua estrutura produtiva. Em 1995 um grupo armado chamado Talibã modificou o rumo da guerra e contou com o apoio do Paquistão. 

O Talibã teve o apoio de amplos setores da sociedade afegã, cansada de uma guerra interminável. Em 1996, os talibãs tomaram Cabul e, ao controlarem a maior parte do território, introduziram rígidas normas de conduta, excluindo as mulheres da esfera pública. 

Em 1999, os EUA impuseram sanções comerciais e financeiras ao país, alegando o apoio dado pelo Talibã ao milionário saudita Osama Bin Laden, líder do grupo Al-Qaeda, responsabilizado pelos ataques contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia. Em 11 de setembro de 2001, um ataque terrorista em território americano ao bombardeio do Afeganistão e o Talibã perdeu o poder.

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