Maria da Penha se tornou símbolo da luta e da lei contra a violência doméstica Crédito: Jarbas Oliveira, ONU

Maria da Penha se tornou símbolo da luta e da lei contra a violência doméstica Crédito: Jarbas Oliveira, ONU

As sobreviventes

Atlas da Violência publicado em 2024 mostrou que na última década, 48 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. Em Portugal, no primeiro semestre deste ano 1 mil mulheres e 1 mil crianças buscaram apoio, vítimas de violência doméstica

06/09/2024 às 15:23 | Edição Impressa

“É uma cicatriz que nunca vai embora. Eu não tenho mais como ser a Marcela[1] de antes, sem levar em consideração tudo o que eu passei, mas hoje eu me sinto pessoa, porque fui coisa por muito tempo”. De uma amizade escolar e um namoro que durou pouco mais de oito meses, em 2005, o casamento levou Marcela a aceitar as condições de ir morar longe da família, em uma pequena cidade de Minas Gerais. Sob insistência do marido, ela deixou sua profissão e entrou de cabeça em uma relação na qual seu único espaço era o de objeto. “Eu era um enfeite que ele deslocava daqui para lá, que ele mandava se deitar ou ser mais arrumada. Eu era uma decoração”. No romance “Tudo É Rio”, de Carla Madeira —um dos quatro títulos de ficção mais vendidos no Brasil em 2023, segundo a PublishNews— a prosa bem escrita, uma concatenação de eventos que descrevem o nascer e florescer do amor entre os protagonistas Dalva e Venâncio, nos reporta de algum modo às histórias que Jorge Amado contava nas décadas de 1950, 1960 e 1970, quando, apesar do protagonismo das personagens mulheres na história, o espaço destinado a elas não é muito distante da história que Marcela me contou sobre o início de seu casamento.

  Texto de Carla Madeira: “Vem ser minha. Dalva desligava o fogão. Tirava o ferro da tomada. Lavava o sabão das mãos. Largava a roupa sem estender. Deixava incompleto o esmalte nas unhas. Parava tudo. E ia”. Assim como o personagem Venâncio, o marido de Marcela precisava ser o centro da casa, era algo que, segundo ela, o definia como homem. Quando qualquer situação da vida deslocava esse equilíbrio, o marido de Marcela simplesmente não aceitava. No romance, Venâncio demonstrou seu incômodo jogando o próprio filho recém-nascido para longe e espancando a mulher. “Dalva oferecia o bico do peito para o menino. Os olhos de Venâncio pararam ali, sentiu uma dor de infidelidade, traição, a nuca esquentou num quase desmaio. O momento dela e do filho cegou Venâncio de uma absurda loucura. Ele arrancou o menino dos braços dela e jogou longe, bateu em Dalva, bateu, bateu. Espancou”.

Reprodução: BRASIL JÁ