Num cenário econômico global mais instável, bancos centrais em diferentes regiões têm adotado estratégias diferentes para lidar com inflação, crescimento e busca por estabilidade financeira.
A Europa aposta na redução de juros, os Estados Unidos mantêm uma política monetária restritiva diante de pressões inflacionárias e de um ambiente protecionista, enquanto o Brasil tem uma das maiores taxas de juros reais do mundo.
A China, por sua vez, desempenha um papel crucial nesse equilíbrio global, sendo um contraponto às políticas do presidente norte-americano, Donald Trump, e um fator de pressão adicional sobre a indústria europeia.
Riscos da estratégia europeia
O Banco Central Europeu tem reduzido sua taxa básica de juros de forma acelerada, atingindo 2,75% em janeiro de 2025. A medida visa estimular o crescimento econômico, mas é criticada por especialistas.
Para o economista Eduardo Velho, da Fundação Getúlio Vargas, a redução dos juros é uma "aposta arriscada". Segundo ele, "o Banco Central Europeu está ignorando o risco de desvalorização do euro, o que pode elevar os custos de importação e trazer pressão inflacionária no médio prazo".
João Duque, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, também se mostra cético em relação à política do Banco Central Europeu. Ele avalia que reduzir a taxa de juros aquece a economia, mas pondera que sem resposta estrutural os problemas seguem.
A redução da taxa de juros pode aquecer a economia no curto prazo, mas se não houver uma resposta estrutural, os problemas da indústria europeia continuarão, afirmou.
O docente também lembra que a concorrência da China e as tarifas impostas pelos Estados Unidos podem gerar uma crise industrial mais profunda na Europa. Para Duque, embora a inflação na Europa não esteja fora de controle, há fatores estruturais que pressionam a inflação.
Ele menciona, por exemplo, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e o aumento do custo da energia. Portanto, para ele, uma abordagem mais cautelosa seria mais adequada.
"A fricção comercial global eleva a incerteza sobre a inflação", declarou ela, acrescentando que a imposição de tarifas sobre produtos europeus pode encarecer os insumos e reduzir a competitividade das exportações do bloco.
Depois de anunciar em Frankfurt a descida das taxas de juro de referência, Lagarde disse em coletiva de imprensa que a maioria dos indicadores sobre inflação subjacente —que exclui os preços dos produtos alimentícios não transformados e os da energia— tem evoluído dentro do objetivo do banco.
A descida das taxas em si, disse a presidente, objetiva estimular o investimento e o consumo através de uma descida do custo do financiamento e de particulares. E completou dizendo que a inflação nos serviços está alta porque salários e preços de serviços estão se ajustando.
Ainda assim, admite a presidente do Banco Central Europeu, quer para a inflação, quer para o crescimento econômico, há riscos no caso de as tensões comerciais se agravarem.
Em relação à evolução da atividade econômica na zona do euro, onde a principal potência, a Alemanha, se encontra em recessão pelo segundo ano seguido, Lagarde afirmou que o conflito pode “pesar sobre o crescimento [econômico], reduzindo as exportações e enfraquecendo a economia mundial”.
Lagarde também disse que os riscos vêm das tais “tensões geopolíticas, que podem fazer subir os preços da energia e os custos do transporte de mercadorias a curto prazo e perturbar o comércio mundial”.
Nesse contexto, ela analisa que maior fricção nas relações comerciais causaria mais incertezas.
Para Lagarde, a inflação também pode surpreender e cair se a baixa confiança e as preocupações com os acontecimentos geopolíticos travarem o consumo e o investimento.
Ou, ainda, se a política monetária atenuar a procura mais do que o previsto e se o ambiente econômico no resto do mundo se deteriorar.
Brasil: entre juros altos e o impacto das decisões globais
O Banco Central do Brasil manteve a taxa Selic em 13,25%, uma das mais altas do mundo. O economista Eduardo Velho diz que essa política tem reflexos diretos sobre o endividamento do país.
Juros altos tornam a dívida pública mais cara e limitam o espaço para investimento do governo. O risco é que o crescimento fique comprometido a longo prazo, opinou.
Além disso, a política monetária americana pode pressionar ainda mais o Brasil. Se o FED (o Banco Central norte-americano) mantiver os juros altos nos Estados Unidos, investidores podem retirar capital de mercados emergentes, fortalecendo o dólar, pressionando a inflação brasileira.
Assim, o Banco Central brasileiro enfrenta um cenário delicado. “O desafio do Banco Central é enorme. Se por um lado, a inflação precisa ser controlada, por outro, a elevação dos juros aumenta o custo da dívida pública, reduzindo o espaço para investimentos do governo”, afirmou Velho.
Além disso, diz, há o fator político em jogo. O presidente Lula já sinalizou que não pretende adotar novos pacotes de ajuste fiscal, o que pode aumentar a pressão sobre o Banco Central.
Sem um compromisso mais firme com a responsabilidade fiscal, os juros altos se tornam uma necessidade para conter a volatilidade e evitar uma fuga de capitais, disse o professor.
O papel da China
A China cumpre um papel determinante no jogo geopolítico. O país mantém sua política monetária estável, enquanto reforça a presença como maior fornecedor global.
Com tarifas comerciais cada vez mais agressivas vindas dos Estados Unidos, Pequim tenta expandir sua rede de parcerias com países emergentes, com potencial de reconfigurar a ordem econômica internacional.
Para Eduardo Velho, "a China pode agir de forma pragmática, negociando concessões pontuais com os Estados Unidos, mas também pode se tornar mais agressiva e aprofundar a guerra comercial, o que impactaria fortemente o comércio global".
Impactos no mercado imobiliário no Brasil e em Portugal
Outra consequência está nas diferenças das taxas de juros, que impactam diretamente no custo do financiamento imobiliário no Brasil e em Portugal.
Em Portugal, o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa João Duque avalia que os juros mais baixos facilitam o acesso ao crédito habitacional.
"O consumidor português aprendeu a migrar entre taxas fixas e variáveis, aproveitando as melhores condições do mercado", disse.
E no Brasil, para o economista Eduardo Velho, o cenário é mais complexo. "Com a Selic em patamares elevados, as taxas de financiamento imobiliário se tornam proibitivas para muitas famílias. Isso impacta negativamente a construção civil e a geração de empregos."
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