Marco, também conhecido como Nenê Ribeiro, é músico, sociólogo, antropólogo e professor. Chegou na Itália em 15 de novembro de 1985.
O que era para ser uma permanência breve, para produzir uma mostra de artistas plásticos brasileiros na Europa, dura até hoje. São quase 39 anos, mas Marco não é um cidadão da República Italiana —pelo menos não oficialmente.
“Sou casado com uma italiana, tenho dois filhos que nasceram aqui, trabalho, pago os impostos, ensino nas escolas e na universidade, e quando apresentei pela primeira vez meu pedido para a cidadania fui recusado com a justificativa de que eu poderia pesar no sistema de bem-estar social do país”.
A recusa, porém, não veio de um governo de direita, centro-direita ou extrema direita. A assinatura do documento, que impede que Nenê exerça o direito político de poder votar nas eleições italianas, veio firmado por Massimo D’Alema, ex-primeiro-ministro italiano (1998 e 2000) e ex-militante do Partido Comunista Italiano.
Na época, D'Alema fora eleito no governo de centro-esquerda.
“A questão da imigração, aqui na Itália, foi sempre um tema da direita. A esquerda vai sempre a reboque. O único partido de esquerda que tratou do tema concedendo algum direito foi o Partido Socialista Italiano, que nos anos de 1990 criou a permissão de residência. Antes, ficávamos aqui só com visto de turismo, vivendo numa espécie de limbo”, disse Nenê à BRASIL JÁ.
O que diz a lei
A Lei número 39 de 28 de fevereiro de 1990, também conhecida como Lei Martelli, foi a primeira que criou aspectos para uma regularização dos fluxos migratórios.
Entre outras coisas, redefiniu o status de refugiado, que não eram mais só vinculados ao continente europeu, como previsto da Convenção de Genebra de 1951, e instituiu modalidades de ingresso e expulsão nas fronteiras, além da gestão da permanência dos imigrantes na Itália.
Pouco antes da realização Exposição Universal de 2015 em Milão, a ExpoMilano, o governo municipal liderado por Giuseppe Pisapia, do Partido Democrático, criou um fórum para reunir todos as associações de imigrantes da cidade.
Na época, Nenê participou das discussões e depois foi escolhido como representante do fórum citta-mundi no conselho científico do Museu das Culturas de Milão. "A reivindicação geral era o direito ao voto, mas ficou muito claro que as associações só podiam falar e tratar de cultura", contou.
Cidadania para segundas gerações
Outra proposta, também colocada pelos partidos de esquerda e centro-esquerda —e que a direita não aceita colocar nem na agenda ou negociar a aprovação— é a cidadania para as segundas gerações de imigrantes.
Atualmente, quem nasce na Itália não tem o direito à cidadania se não tiver pais também italianos.
É o contestado princípio ius sanguinis, que confere a cidadania para gerações de descendentes que vivem no exterior, chamados oriundi, mas recusa os direitos políticos aos nascidos em solo italiano, que muitas vezes sequer viveram em outro país.
Contudo, Nenê Ribeiro disse à reportagem que insistir na cidadania para a segunda geração não só é insuficiente, como também envolve uma perversidade porque "é uma maneira de dividir a luta, divide a família, dá um direito ao filho que os pais não vão ter. Não é uma política de direitos”.
Direito a voto é fundamental
Diante desse cenário, para Nenê, a situação só começará a mudar quando e se os imigrantes conseguirem o direito de voto. "É o direito político de escolher por quem você vai ser governado, mas a esquerda nem pensa em fazer um proposta dessas."
A direita, por outro lado, viu a batalha de um dos seus militantes históricos, Mirko Tremaglia, soldado fascista e político do Movimento Social Italiano no pós-guerra, ministro para os Italianos no Mundo entre 2001 e 2006, ser aprovada na forma da lei número 459, conhecida como Lei Tremaglia.
A norma permitiu que os italianos e seus descendentes residentes no exterior pudessem escolher representantes para o Parlamento italiano.
Fabio Porta, deputado do Partido Democrático eleito pela quarta vez em 2022 como representante dos italianos residentes na América Meridional, contou que apesar da expectativa positiva que nutria pela nostalgia e o histórico apego da direita italiana com os oriundi, há um problema na gestão desse governo com relação aos italianos no exterior.
"Houve cortes nos recursos e projetos para o Comitê dos Italianos no Exterior, e agora o projeto de lei apresentado pelo senador Menia que visa limitar a cidadania concedida pelo sangue", afirmou o deputado.
Exigência do idioma
O senador Roberto Menia, do partido Irmãos da Itália, apresentou um projeto de lei para limitar a transmissão da cidadania pelo ius sanguinis exigindo dos requerentes pelo menos o nível B1 de leitura, compreensão, fala e escrita da língua italiana e a residência de pelo menos um ano na Itália para os descendentes de terceiro grau.
Segundo o senador, “o projeto é uma disposição substancial que harmoniza o desejo dos requerentes e o interesse do Estado”.
À BRASIL JÁ, a pesquisadora brasileira Rosimeire Barboza da Silva afirmou que há fragmentação na gestão da imigração na Europa. Segundo ela, a forma como um imigrante chega do norte da África é vista totalmente diferente de um imigrante que chega para estudar no ensino superior ou pela própria ideia de Europa como espaço comum. Mas acrescenta: "mesmo criando hierarquia entre os imigrantes, há um momento que essa integração apresenta seus limites". O pensamento comum, diz ela, é: "Eu aceito você que é branco, cristão, de olhos azuis, até que não aceito mais”.
É por isso também que Nenê Ribeiro afirma que a Itália não mudou com a ascensão do partido de Giorgia Meloni ao poder, mas piorou porque, segundo ele, o mundo está ficando pior.
"É um momento muito difícil na União Europeia, onde a questão social está cedendo. O problema não é só para os imigrantes, é para todo mundo."
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