Enfraquecido na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, o Partido Comunista Português (PCP) tenta traçar um novo rumo que o descole do Partido Socialista (PS) e de uma ex-parceria durante os anos de geringonça (2015-2021).
A negação do próprio termo geringonça —apelido dado à coligação de esquerda da qual a sigla fez parte durante a gestão do PS— indica que a estratégia do partido é trilhar outros caminhos.
António Filipe Gaião Rodrigues é um dos quatro deputados do PCP eleitos para o Parlamento na atual legislatura (na anterior, eram seis os representantes).
Em entrevista à BRASIL JÁ, o parlamentar mais antigo no Parlamento afirmou que nunca houve uma coligação de esquerda da Assembleia —sim, houve, a partir de 2015, quando PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes se aliaram ao PS para garantir a governabilidade.
O comunista também responsabilizou a gestão anterior pela atual crise na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima), afirmando que o governo passado não foi capaz de colocar a agência para funcionar no tempo devido.
Sobre a geringonça, António Filipe disse: “O que sempre houve, e em muitas matérias, foram divergências grandes em relação àquilo que eram as posições do Partido Socialista e de outros partidos de esquerda”.
O parlamentar sustenta que diante das políticas promovidas pela direita, inclusive as relacionadas à imigração, era mais fácil obter “convergência” com o PS.
"Sobretudo no período em que foi criada a manifestação de interesse (2017), no reconhecimento de que nós precisamos de cidadãos imigrantes em Portugal por muitas razões e que devemos permitir que eles entrem legalmente no país, e não condená-los à ilegalidade”, acrescentou.
Mesmo afirmando que sempre houve, por parte dos partidos de direita, muitos ressentimentos e preconceitos em relação à imigração, António Filipe considera que há, hoje, em Portugal, o crescimento de uma direita “assumidamente racista” —que segundo ele, antes, não existia.
'Não há precariedade', defende deputado
No início deste mês, o PCP apresentou na Assembleia da República uma proposta de contratação de 10 mil funcionários para reforçar o atendimento na Aima.
Em reação ao projeto, previsto de ser debatido no Parlamento na próxima quinta (27), surgiram críticas apontando que os milhares de profissionais estariam numa situação precarizada enquanto estivessem prestando serviços na agência.
António Filipe rebateu. O comunista disse que a proposta submetida tem como objetivo criar uma operação especial, apenas por um período excepcional: seriam seis meses. Durante os meses, segundo o deputado, os trabalhadores receberiam remunerações compatíveis com suas formações.
A ideia da sigla é que os milhares de funcionários a mais na Aima passassem por um treinamento durante o mês de setembro próximo. Depois, a partir de outubro, esses colaboradores trabalhariam para solucionar as pendências até março de 2025.
“Esperemos que se desse, de fato, um murro na mesa, um impulso decisivo para limpar este passivo (de 400 mil processos de regularização)", disse o parlamentar.
Ele afirmou que a situação a que milhares de imigrantes estão submetidos não é compatível com o normal funcionamento dos serviços e é preciso garantir "o mínimo respeito pelos cerca de 400 mil cidadãos que tem a situação por regularizar".
Sem mea-culpa
António Filipe não considera ser necessário que o PCP reavalie a atuação do partido durante os anos anteriores à criação da Aima, ou seja, nos anos em que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) concentrava serviços administrativos e policiais.
O parlamentar afirma que há um discurso da direita em Portugal que pretende dar a entender que, durante os anos de geringonça, houve uma coligação de esquerda.
Filipe nega que tenha havido essa soma de forças e acrescentou que existiram "divergências grandes em relação àquilo que era as posições do Partido Socialista e de outros partidos de esquerda".
"Foi mais fácil obter convergência entre o PS e os partidos à sua esquerda, especialmente, quando foi a criação das manifestações de interesse [ferramento que ajudou imigrantes a se regularizarem]. Houve o reconhecimento de que nós precisamos de cidadãos imigrantes em Portugal por muitas razões. e devemos permitir que eles entrem legalmente (regularmente) em Portugal e não condená-los à ilegalidade", afirmou.
Pacto migratório 'irracional'
Para António Filipe, o Pacto das Migrações e Asilo, aprovado no Parlamento Europeu, representa a ascensão da extrema-direita europeia e dos preconceitos contra imigrantes. O comunista afirma que os países da União Europeia querem se isolar em uma “espécie de bolha”.
"Existe uma espécie de nostalgia do império em que os países da União Europeia e a Inglaterra ainda resistiam como se a Europa pudesse seguir por si os destinos do mundo e viver isolado do resto. É com muita preocupação que eu vejo este fechamento e isto não pode ter bom resultado", afirmou.