Eliane Brum lança livro em Portugal: 'Quem não é ativista hoje ou está morto ou em coma'

Jornalista e escritora brasileira veio a Lisboa para, pela primeira vez, lançar obra deste lado do Atlântico

28/10/2024 às 16:57 | 3 min de leitura | Brasil
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Além de jornalista, Eliane Brum também se identifica como ativista pelo clima por acreditar que “quem não é ativista hoje ou está morto ou está em coma”. 

Em entrevista à Lusa, a brasileira disse depositar esperança nos jovens que lutam pelo seu futuro —e que agem contra “os comedores de mundos”.

Desde 2017, Brum vive em Altamira, no coração da floresta amazônica, e em Portugal acaba de lançar o livro “Meus desacontecimentos” (Companhia das Letras). Na entrevista, Brum afirmou que fez essa opção porque, como ativista climática, quer estar num dos centros do mundo.

A jornalista defendeu ser urgente um deslocamento dos conceitos hegemônicos do que é centro e do que é periferia, ou seja, “os centros do nosso mundo são onde a natureza resiste, não os centros financeiros e políticos, onde as decisões que destroem a natureza são tomadas”, afirmou.

Para a jornalista, os centros são a Amazônia, outras florestas tropicais, os oceanos, outros biomas, e não Washington, Pequim, Londres, Frankfurt, Lisboa ou São Paulo.

A reboque dessa ideia de recentralização do mundo, Eliane Brum e o seu companheiro buscam também “recentralizar o jornalismo”, contando o que está a acontecer a partir de outro lugar.

Tudo começou em 2016, quando a jornalista desenvolvia o seu primeiro projeto de ativismo com um grupo de psicanalistas, “que era para escutar as pessoas da floresta que foram expulsas pela hidroelétrica de Belo Monte, escutar o sofrimento delas”.

“Eu pensei, se eu sou jornalista e digo que a Amazônia é um dos centros do mundo, por que é que eu estou na periferia do mundo, em São Paulo, e não na Amazônia?”

Eliane Brum não separa a cidadã ativista da jornalista, e acredita que ambas podem e devem coexistir, sem pôr em causa as regras e os critérios que sustentam o bom jornalismo.

Eu acho que quem não é ativista hoje ou está morto ou está em coma. É porque a gente está vivendo a situação mais desafiante de toda a trajetória humana nesse planeta”, afirmou. 

Com essa ideia em mente, ela confrontou com a necessidade de “fazer o que não sabe”, porque “o que sabe não é suficiente” e, disse, isso se faz usando “a imaginação”.

Foi assim que Brum deu início a projetos com outras pessoas, o principal dos quais é uma plataforma jornalística, baseada na Amazônia, chamada “Sumaúma – Jornalismo do Centro do Mundo”.

“A gente está formando jornalistas da floresta para que contem o que está acontecendo lá a partir de outra linguagem, a partir da linguagem de dentro, a partir da linguagem de quem não se separa da natureza”, contou. 

A jornalista acrescentou que a criação do projeto é em si um ato de ativismo, mas “o jornalismo de Sumaúma segue rigorosamente as premissas do jornalismo”.

“Eu desafio qualquer pessoa com as nossas matérias. As matérias são extremamente rigorosas. A gente recuperou o que o jornalismo perdeu com a crise, nós temos checador, nós temos revisor, nossos tradutores são nativos profissionais, a gente tem revisão das traduções, tudo é rigorosamente tratado, os fatos são respeitados.”

E apesar do desastre climático, a escritora afirma que algo novo está surgindo, que chamou de “nova infância” de crianças e jovens preocupados com o futuro do planeta.

“As maiores e mais importantes manifestações por ações contra o aquecimento global, contra a destruição da natureza, foram lideradas por adolescentes”, afirmou.

Na opinião da jornalista, pela primeira vez na história, há uma inversão: “Não são os adultos que protegem as crianças, são as crianças desesperadas pela inação dos adultos”.

Para a ativista, é preciso começar a viver na emergência e isso não é o que está a acontecer.

“Eu acho que o capitalismo, ao nos converter em consumidores, ele sequestrou o nosso instinto de sobrevivência, que qualquer organismo, qualquer ser vivo, diante de uma ameaça, imediatamente reage. E nós, não. Então eu acho que é esse o pânico dos adolescentes que se movem.”

Usando uma metáfora, a autora entende que estes jovens olham para a inação dos adultos como quem vê uma casa em chamas e um adulto sentado, no único lugar que ainda não está a arder e precisa de ser convencido a enfrentar o fogo e a não se deixar queimar.

O que a preocupa são negacionistas, e não os políticos, porque esse é um “negacionismo calculado” —eles “sabem perfeitamente o que está acontecendo”. Por isso, para ela, preocupante é o negacionismo que afeta a população.

Preocupada com a ascensão da extrema-direita por todo o mundo, Eliane recorda a mentira que este movimento prega: É “uma mentira confortável" que promete o regresso a “um passado que nunca existiu”.

Por outro lado, um político e um partido que digam a verdade vão dizer que “o mundo vai piorar, que quem tem privilégios vai precisar de perder privilégios, que a gente vai precisar mudar radicalmente o modo de vida, e já”.

“Em quem vota? Nós precisamos de votar em quem diz a verdade, e fazer comunidade para enfrentar esses comedores de mundos.”

Com a Lusa

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