24/12/2024 às 12:04
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Vestindo uma blusa vermelha e com um gorro de Papai Noel na cabeça, Amanda Ribeiro pendurava guirlandas e meias nas paredes de casa. Dava os últimos retoques na árvore de Natal, enquanto as rabanadas e o arroz à grega eram finalizados no fogão e, em breve, se juntariam ao salpicão, à lasanha e ao pavê postos na mesa para a ceia. Mas, desta vez, era diferente.
Após seis anos morando no Porto, ela finalmente passaria a data ao lado dos pais. Mas não era dezembro nem Natal, ao menos não era 25 de dezembro.
Tudo aconteceu em uma noite de março, enquanto a primavera preparava seu debute no hemisfério Norte. Era a primeira vez que os pais conseguiam visitá-la no país desde que ela saiu do Recife, em 2018, para estudar na Universidade do Porto.
Para Ribeiro, o momento era mais do que uma visita; era um reencontro com as suas raízes. A saudade do Brasil é um sentimento comum aos imigrantes, brasileiros ou não, vivendo em Portugal ou não, principalmente nas datas comemorativas.
À BRASIL JÁ, Ribeiro disse que esse sentimento se intensifica durante o Natal, nos aniversários e nas ocasiões especiais. “A saudade vem com a frustração que você só identifica quando a data chega. Percebe que o que falta é a família”, conta.
Essa sensação, segundo ela, é sobre as pequenas coisas que compunham sua rotina de fim de ano: montar a árvore com o pai e os avôs e o cheiro da comida sendo preparada ao lado da mãe. Ribeiro relembra o impacto emocional das festas no Brasil, sempre carregadas de carinho e tradição.
“Minha família leva as festas muito a sério. É uma maneira de mostrar amor e cuidado”, disse, emocionada.
Por isso, tenta recriar o clima brasileiro em sua casa no Porto, decorando o espaço e preparando pratos típicos. Até os contrastes climáticos passam a marcar.
No Recife, ela associava as festas ao calor, roupas leves e a uma energia vibrante, enquanto em Portugal, as celebrações ocorrem em um clima frio e com roupas pesadas. “No Brasil, passar o Ano Novo na praia era algo corriqueiro. Aqui, é quase impossível”, reflete.
Apesar disso, Amanda encontrou uma forma de misturar as tradições, incluindo pratos portugueses como o bacalhau ao lado das rabanadas, pavês e salpicões típicos do Brasil. Ainda que adapte as tradições brasileiras, Amanda sente falta do conforto familiar durante as festas.
“No Brasil, há a certeza de estar com a família. Aqui, cada ano é uma incógnita”, diz, mencionando a incerteza de celebrar com amigos e quais deles estariam presentes ou não, já que é uma época marcada, em alguns casos, por viagens.
No entanto, ela valoriza as novas amizades que construiu no país e que ajudam a amenizar a saudade. "As pessoas com quem você compartilha essas datas acabam virando uma espécie de extensão da família. Isso cria uma conexão especial", reflete.
O chef brasileiro Wellington Almeida, que vive em Lisboa, compartilha dessa dualidade entre a cultura brasileira e a portuguesa. Para ele, o Natal no Brasil simboliza fraternidade, perdão e conexão com as pessoas mais próximas.
“O latino é caloroso e emotivo. O Natal é um período de reencontro, de troca de presentes e cartões que car regam significados. Isso é algo que é muito marcante”, explica.
Com a gastronomia como parte importante de sua vida, Almeida destaca a simplicidade e a riqueza das tradições portuguesas, especialmente nesse âmbito. Ele criou sua própria fusão luso-brasileira, incorporando pratos típicos portugueses em suas celebrações.
“Adoro a ceia portuguesa e a brasileira. A fusão entre as duas culturas é cheia de sabores e tradições, mantendo a essência de cada uma”, afirma.
Entre seus favoritos, estão os mariscos, peru recheado e o tradicional Bacalhau com Todos, que agora dividem espaço com as rabanadas feitas com leite morto, salpicões e farofas que ele faz questão de preparar. Almeida enxerga que a comida não é apenas um reflexo de sua cultura, mas um elo poderoso com o passado e com as pessoas.
O chef, que organiza ceias para amigos brasileiros e portugueses, vê a cozinha como o coração das celebrações. “Não é só sobre comer; é sobre compartilhar histórias e criar memórias.” No entanto, Almeida mantém o hábito brasileiro de servir a ceia à meia-noite no Natal, momento em que aproveita para explicar aos amigos portugueses o horário incomum.
“Servimos canapés, vinhos, sangrias e espumantes antes da ceia. É uma maneira de misturar o melhor dos dois mundos”, comenta, sorrindo.
Outra tradição que carrega —e difere da realidade portuguesa— é a de servir peru na ceia natalina e trazer o bacalhau na mesa de Réveillon, afinal, como ele diz, “o peru cisca para trás, levando o ano que se despede, enquanto o bacalhau nada para a frente, abrindo passagem para o que vem.”
Para além da realidade imigrante brasileira, Óscar Lomelín, mexicano que vive no Porto, relata que sua saudade vai além da família, abrangendo a cultura, a comida e os pequenos detalhes do cotidiano no seu País de origem.
Ele enxerga que a comunidade mexicana em Portugal é pequena quando comparada a outras, como a brasileira —eram 995 mexicanos vivendo em Portugal em 2023, frente aos mais de 360 mil brasileiros, segundo a Aima—, além de ser muito dissipada por todo o território.
Com isso, avalia que há referências culturais e tradições tão características que somente alguém que tenha tido a mesma socialização poderia entender, coisas das quais sente falta.
“No Natal, sinto falta das posadas, festas que recriam a jornada de Maria e José em busca de abrigo. Essas celebrações têm uma energia única, cheia de comida típica, como o ponche, e brincadeiras com piñatas”, relata.
Para Lomelín, cada Natal longe do México é sinônimo de mais saudade.
“Este é o meu terceiro Natal distante. O primeiro foi difícil, já que havia chegado cá há pouco tempo. No segundo, pude voltar para casa, mas esse chega com uma saudade ainda mais intensa. Meu maior desejo é passar mais tempo com minha mãe, que faz anos em 23 de dezembro. Esses momentos em família são insubstituíveis”, diz, com nostalgia.
Ainda assim, ele reconhece, assim como Ribeiro, o apoio nos amigos imigrantes que compartilham experiências similares, mesmo que cada um de forma particular.
“Criamos uma espécie de ‘família’ entre nós. Embora nunca substitua a original, ajuda a amenizar a saudade”, explica.
Celebrar em terras estrangeiras, embora seja uma experiência distinta, convida a um mergulho profundo nas próprias raízes. Para Amanda, Wellington e Óscar, o resgate das tradições do Brasil e do México, mescladas com as de Portugal, traduz-se em um exercício de identidade, onde o passado se entrelaça com as transformações de uma vida construída além-fronteiras.
No fim, o desejo comum permanece: que as distâncias geográficas sejam vencidas pelas conexões emocionais que os mantêm ligados às suas famílias e culturas de origem. No caminho, inventam novas tradições, preservam memórias e constroem versões renovadas de si mesmos, onde o pertencimento ganha novos significados.
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