No próximo dia 29, chega-se à marca de quatro meses da data em que o Brasil retirou seu embaixador em Israel. A ordem para a saída do então representante no país foi mais um degrau subido na tensão crescente entre os dois países. As relações entre os países ruíram após o governo de Benjamin Netanyahu declarar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva persona non grata.
Foi numa segunda-feira de fevereiro que o governo brasileiro —em meio a conversas de Lula com o seu assessor especial, Celso Amorim, e com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira— tomou a decisão de convocar para consultas o então embaixador em Israel, Frederico Meyer. Na época, o presidente brasileiro já criticava a administração Netanyahu pela forma como o primeiro-ministro avançava com seu exército sobre a Faixa de Gaza.
Os dados mais recentes do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, apontam que são mais de 40 mil palestinos mortos na ação israelense em resposta ao ataque do grupo islâmico em 7 de outubro do ano passado. A invasão por ar e terra do Hamas, segundo o governo israelense, matou 1,2 mil pessoas e outras duas centenas foram sequestradas e levadas para Gaza.
À época, na esteira dos acontecimentos e multiplicação das críticas a Israel, em 18 de fevereiro, durante viagem à Etiópia, o presidente brasileiro disse que em Gaza ocorria um genocídio: "O que está acontecendo na Faixa de Gaza não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus".
A comparação com o Holocausto inflamou o governo israelense, que no mesmo dia decidiu declarar Lula persona non grata no país. Isto é, a partir daquele momento o presidente brasileiro não era bem-vindo em Israel.
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, chamou de absurda a medida. No dia seguinte ao comunicado israelense, o governo brasileiro anunciou que chamaria de volta o embaixador Frederico Meyer, que teve a saída oficializada em 29 de maio.
Depois de ir ao Brasil para reportar o que havia acompanhado em Israel, Meyer foi transferido para Genebra, na Suíça, onde assumiu o posto de representante do Brasil na Conferência do Desarmamento da Organização das Nações Unidas.
Desde então, não há embaixador brasileiro em Israel. No lugar de Meyer ficou Fábio Faria, encarregado de negócios e segundo na hierarquia diplomática, que ocupa o posto como liderança temporária.
Mudança em status de prestígio
Apesar de o movimento significar uma ação, sobretudo, simbólica, especialistas acreditam que a mudança representou um rebaixamento e um desprestígio na relação diplomática entre os dois países.
Segundo Joana Ricarte, especialista em Relações Internacionais e pesquisadora na Universidade de Coimbra, a retirada do embaixador não impacta as funções da embaixada, o serviço consular e as demais relações políticas e comerciais. Fonte na embaixada confirmou à reportagem que tem sido assim.
Porém, a não nomeação de um novo representante, avaliou Joana, significa uma tensão política e um sinal claro de que não há confiança e amizade estabelecida entre os dois governos. Para ela, o mais grave foi Israel declarar Lula persona non grata.
“A tensão política e diplomática não é unilateral e desenvolve-se de parte a parte, sendo muito mais gravosa a decisão de declarar um presidente como não sendo bem-vindo em um país”, afirmou Ricarte.
O papel do Brasil na fundação de Israel
Do ponto de vista diplomático, se não for fechaada a embaixada em Tel Aviv, a pesquisadora não considera as medidas como um ponto de inflexão nas relações históricas, já que o Brasil é uma peça simbólica central da fundação do Estado de Israel.
Ricarte lembrou que foi o ex-ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, que presidiu as duas primeiras sessões especiais da Assembleia Geral da ONU, que bateu o martelo para a criação do Estado de Israel, em 1948.
O fato é reconhecido até hoje na sociedade israelense, com a atribuição de homenagens. “Todos os anos a família de Oswaldo Aranha é convidada pelo governo israelense para participar das comemorações da declaração de independência de Israel”, detalhou.
Um entrave pela paz
Para a especialista, o limbo diplomático pode ter consequências políticas associadas à capacidade de o Brasil assumir um papel como mediador num eventual acordo de paz entre Israel e Palestina.
Por ora, o que houve foram algumas tréguas humanitárias, mas os bombardeios continuam.
Joana Ricarte afirmou que o diálogo por uma resolução —e também pelo reconhecimento do Estado palestino— foi uma das grandes bandeiras do primeiro mandato do presidente Lula, quando Celso Amorim estava à frente do Ministério das Relações Exteriores.
"O Brasil perde a capacidade de agir como mediador isento, pelo menos enquanto este governo de Israel se mantiver no poder", afirmou.