Edson Simões

Pesquisador da CHC-USP, membro da União Brasileira dos Escritores e da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura.

Edson Simões

A 'maldição dourada', Pombal, os jesuítas e o atraso de Portugal - parte 2

A grandeza patrimonial e a nítida influência política, além de outros inúmeros privilégios da Companhia de Jesus, despertaram a Coroa portuguesa para o comprometimento das finanças do Estado

18/09/2024 às 11:39 | 5 min de leitura
Edson Simões
Edson Simões
redacao@brasilja.pt

Pesquisador da CHC-USP, membro da União Brasileira dos Escritores e da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura.

O marquês de Pombal foi embaixador em Londres, ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, e, finalmente primeiro-ministro de José 1º (1756-1777). Ao assumir o posto, com 50 anos, ele optou por medidas para enfrentar a decadência da economia portuguesa, iniciada ainda com João 3º (1551-1557) e continuou em diversos reinados: de Sebastião (1557-1558), Pedro 2º (1683-1706) e João 5º (1707-1750). 

Para ele, “os ingleses tinham obtido a posse sem o domínio”. Era um relacionamento que lhes permitia absorver as imensas riquezas oriundas das descobertas de ouro e diamantes no Brasil [este texto é uma continuação: leia a primeira parte dele].

Carvalho e Melo sustentava que o fabuloso capital produzido pelas Minas Gerais passava quase todo para a Inglaterra. O grande fluxo de ouro brasileiro para a Inglaterra proporcionara a ela, na opinião de Pombal, meios para criar sua formidável Marinha e importantes indústrias. De fato, Portugal permitira que seus tesouros fossem usados contra si e por isto as riquezas das Minas Gerais eram quiméricas. 

A Inglaterra não tinha nenhum interesse numa melhor situação portuguesa. “Os efeitos do sistema de controle sem responsabilidade tinham atuado no sentido do enfraquecimento e do descrédito da máquina governamental de Portugal e da viabilidade moral e intelectual da sociedade portuguesa.” (K. Maxwell, em “A Devassa da Devassa”, p.  23-24). 

No plano externo, a gestão caracterizou-se pelas circunstâncias da época. Enquanto pleiteava apoio por meio de aliança com os ingleses, a fim de se opor à intervenção espanhola, na gestão interna prejudicava os interesses mercantis britânicos, seja por meio de concessões, seja por recuos, segundo o ritmo da conveniência de momento na política externa. 

Convencera-se de que a criação de companhias de comércio estimularia a economia nacional, como a do Comércio da Ásia (1753), a do Grão-Pará e Maranhão (1755), a da Pesca da Baleia e a da Agricultura de Vinhas do Alto Douro (1756) e a de Pernambuco e Paraíba (1759). Iniciou-se o processo de marginalização da aristocracia na vida administrativa e, com isso, surgiu uma conspiração de fidalgos, em 1756, visando à derrubada do ministro e a instalação de uma Junta da Providência, da qual deveriam participar elementos da alta nobreza. Houve prisões, mortes e desterros. 

Devido ao episódio e à notícia de privilégios concedidos à Companhia das Vinhas (Nacional), comerciantes e produtores ingleses e portugueses promoverem o Motim do Porto (1757), mas Pombal os reprimiu violentamente. 

Os Jesuítas, Pombal e a Educação

A Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola e reconhecida em 1540 pelo papa Paulo 3º. A disciplina era militar. Na Europa, se dedicaram ao ensino. Nas colônias, organizaram as missões indígenas. João 3º introduziu os missionários em Portugal (1546), dando suporte material e financeiro para seus gastos. No Brasil, acrescentem-se os graves conflitos entre jesuítas e colonos, no que se refere a escravização indígena. Nas principais zonas açucareiras, houve acordo entre colonos e missionários para que o trabalho fosse realizado pelo negro. 

O choque se deu nas áreas mais pobres, de produção secundária, porque estas não podiam adquirir escravizados negros e nelas o trabalho coube ao indígena. Os colonos alegavam que o erro estava em que os missionários, que recebiam grande parte dos impostos para realizar a catequese, subtraiam os escravizados utilizando-os em proveito próprio, em suas próprias empresas. 

Instituiu-se a norma da escravização de indígenas apanhados em “guerra justa”, quando São Paulo participou da expulsão dos franceses da Guanabara, ocasião em que havia indígenas lutando ao lado dos estrangeiros. No Maranhão, a Revolta de Beckman (1684) também confrontou os jesuítas. As missões realizavam a exploração econômica no vale amazônico. Os bens da Companhia de Jesus aumentaram rapidamente demonstrando que os “interesses temporais eram equivalentes aos espirituais.”

“A grandeza patrimonial e a nítida influência política, no reino e nas terras ultramarinas, e os inúmeros outros privilégios da Companhia de Jesus despertaram atenção da Coroa e de funcionários reais que entendiam que a situação comprometia as finanças do Estado, e desencadeava um movimento de ação contra as ingerências e inserções nos negócios temporais praticados pelos jesuítas. 

A questão do governo temporal das aldeias ganhava amplitude e as acusações passam nas práticas de comércio terrestre e marítimo e em outras negociações dos inacianos, que utilizavam, por exemplo, da mão de obra indígena para buscar drogas no sertão e vender os produtos no mercado local e na Europa. 

Os benefícios recebidos dos reis portugueses (...) iam desde privilégios na Universidade de Coimbra até isenções no pagamento de chancelaria de selo, escrituras, peitas, fintas, talhas, ‘cisa do pão, vinho, azeite, carne, pescados, bestas assim como de qualquer outro móvel que comprarem venderem ou escambarem’ que forem para o meneio dos religiosos. 

Além destes privilégios, encontramos às doações de terras, donativos, escravos, (...) com estas dotações, a renda dos colégios aumentava.” (Negócios Jesuíticos, de Paulo de Assunção, p.438-417). Tanto na metrópole como nas colônias o projeto jesuítico tinha como base a posse de terras e de bens em geral para a expansão e defesa da “fé católica”.

Neste cenário, Pombal também notou que a qualidade de ensino conduzido pelos jesuítas em Portugal era deficitária, com pedagogia antiga e anticientífica, na contramão das ciências e das ideias iluministas. Em 1746, o religioso Antônio Vernei lançou o livro “O verdadeiro método de estudos”, criticando o modelo pedagógico vigente. Faltavam matérias como geografia, história, línguas e até português. O Reino estava atrasado culturalmente. 

Foi nesse contexto que ocorreu a reforma de ensino e a expulsão dos jesuítas (1759). O novo reinado e a proeminência do futuro marquês de Pombal tinham se revelado um cauteloso e constante desafio à influência e ao domínio ingleses, visando estabelecer um relacionamento mais equilibrado entre os dois países aliados. Segundo Carvalho e Melo, com diversas técnicas, Pombal tentou corrigir a posição semicolonial em que Portugal se situara em relação à Inglaterra. Levou para os atos do governo português sua cuidadosa avaliação do problema em seu contexto imperial e europeu. 

Nesta dimensão, essencialmente atlântica, sua abordagem pragmática dos temas produziu, por volta de 1755, uma política que teria profundas repercussões na sociedade portuguesa” (“A Devassa da Devassa”, p.127/200). Pombal conectou a decadência econômica, dependência política e falta de arejamento mental do Reino ao atraso cultural. As ciências estavam banidas do ensino jesuítico. 

Após a morte de José 1º se iniciou, em 1779, o processo de queda do ministro, ainda que ele se sustentasse na defesa de que cumpriu ordens do rei. Isso não evitou que a filha, dona Maria 1º, demitisse-o.

Portanto, o atraso português não foi determinado pela governança de Pombal e pela “Maldição Dourada”, mas já vinha de anos anteriores. Seu autoritarismo e dureza com os nobres (executou alguns) eram produtos do despotismo esclarecido vigente na época. Pombal realmente tomou atitudes radicais em sua administração em nome do rei. Havia rebeldias dos nobres e dos jesuítas contra o governo. 

As medidas foram autoritárias como ocorria em outros países europeus. Eram caraterísticas do período. Conclui-se que o atraso de Portugal não foi devido ao fornecimento do ouro brasileiro, nem ao período de Pombal, que sempre combateu a dependência dos ingleses e procurou incentivar o setor secundário, não obtendo sucesso por causa da estrutura econômica dependente que tinha herdado. 

Segundo Celso Furtado, “se o país dispusesse de um núcleo manufatureiro, os lucros teriam de ser de tal ordem que a acumulação de capital neste setor ter-se-ia realizado rapidamente. (...) A inexistência do núcleo manufatureiro, na etapa em que se transformam as técnicas de produção no último quartel do século, é que valeu a Portugal se transformar numa dependência agrícola da Inglaterra. 

Sem o contrapeso de um grupo manufatureiro, os grandes proprietários de terras e os exportadores de vinho continuaram a pesar demasiadamente na orientação econômica do país, como se tornará evidente na segunda metade do século, ao encetar Pombal ingentes esforços para mudar o curso dos acontecimentos” (“Formação Econômica do Brasil”, p.83).

Pombal governou com mão de ferro, foi amado e odiado, mas se firmou como um estadista que tentou desenvolver Portugal economicamente e tirá-lo da escolástica jesuítica, colocando-o na modernidade e no campo da educação científica. 

O grave é que até hoje Portugal não conseguiu se livrar do atraso industrial e, apesar de lutas históricas, continua dependendo do exterior. O mesmo acontece com o Brasil, que tenta sair do subdesenvolvimento com o rótulo de “em desenvolvimento”.

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