Parlamento Europeu em Bruxelas, Bélgica, preparado para as eleições que decorrem nos dias 6 e 9 de junho. Crédito: Stefani Costa, BRASIIL JÁ

Parlamento Europeu em Bruxelas, Bélgica, preparado para as eleições que decorrem nos dias 6 e 9 de junho. Crédito: Stefani Costa, BRASIIL JÁ

Eleições europeias e migrações: o que está em jogo?

A BRASIL JÁ foi a Bruxelas, na Bélgica, conversar com os deputados no último dia de trabalho antes das eleições

07/06/2024 às 13:04

Uma das discussões mais acaloradas no Parlamento Europeu tem orbitado o recentemente aprovado Pacto de Migrações e Asilo, apresentado pela Comissão Europeia em 2020 e chancelado em abril deste ano. 

O tratado abrange um conjunto de cinco propostas legislativas a respeito da gestão da migração pelos países membros. Entre os procedimentos adotados estão as medidas fronteiriças, a identificação dos requerentes de asilo e refugiados, a relocalização e o apoio a essas pessoas. 

A principal mudança do acordo — e que vem gerando uma forte oposição dos partidos mais à esquerda no Parlamento Europeu — é a chamada “solidariedade obrigatória”, imposta igualmente a todos os países, independentemente da dimensão ou localização.

Um dos objetivos do ponto, segundo comunicado da Comissão, é aliviar a pressão sobre Grécia, Itália e Espanha, territórios que recebem uma parte significativa de migrantes por estarem às margens do Mediterrâneo. 

No âmbito da campanha eleitoral para o Parlamento europeu, a BRASIL JÁ foi a Bruxelas, capital da Bélgica, conversar sobre o tema com os parlamentares em seu último dia de trabalho antes do pleito —que começou nesta quinta (6) e vai até o domingo (9).

Um dos parlamentares que receberam a reportagem foi o eurodeputado João Pimenta Lopes (PCP). Para ele, uma questão pouco explorada nos debates sobre o Pacto de Migrações no Parlamento Europeu foi a responsabilidade da Europa nas guerras que causam forte fluxo migratório.

“Sabemos que o objetivo não é ir até a raiz do problema”, disse à BRASIL JÁ, citando as migrações significativas de sírios, afegãos e iraquianos em 2015, fruto das guerras no Oriente Médio. 

Segundo ele, "vários países da União Europeia possuíam um vínculo profundo nas guerras de agressão contra a Líbia, a Síria, o Afeganistão e o Iraque, propiciando a desestabilização econômica, a exploração e as políticas neocoloniais de recursos que mantêm o empobrecimento das populações desses territórios". 

Eurodeputado João Pimenta Lopes (PCP). Crédito: Divulgação

Consequências humanitárias

José Gusmão, representante do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu, opina que o Pacto de Migração e Asilo é incapaz de resolver os problemas e pode agravá-los. O bloquista afirmou que o tratado faz com que a União Europeia deixe de reconhecer o direito ao asilo que está consagrado na Convenção de Genebra e que, historicamente, beneficiou os próprios europeus após a Segunda Guerra Mundial. 

Sobre a externalização da gestão de fronteiras, Gusmão apontou para os acordos de controle que a União Europeia costumeiramente faz com países terceiros que, segundo o deputado, possuem “cadastros pouco recomendáveis” sobre direitos humanos. 

“Estamos diante de um momento histórico muito lamentável e que terá consequências humanitárias trágicas. O projeto de uma ‘Europa fortaleza’ é completamente distópico”, argumentou. 

Economista por formação, o parlamentar citou os altos investimentos que a União Europeia está dedicando ao Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira. Entre 2019 e 2022, a Agência Europeia de Controle de Fronteiras aumentou o seu orçamento em mais de 2 milhões de euros. 

O orçamento de 2024 foi o mais elevado da história, somando 750 milhões. Em 2005, no início da Frontex, o investimento era de aproximadamente 6 milhões. 

“É mais do que necessário apoiar a integração desses imigrantes, que são extremamente importantes. Ainda mais em uma Europa mais envelhecida e que precisa do trabalho dessas pessoas que migram”, afirmou. 

Camillo Júnior, advogado especializado em Direito Internacional Humanitário, acredita que Portugal terá bastante dificuldade em cumprir com as novas regras, já que o país tem hoje uma deficiência considerável de infraestrutura em sua própria Agência para a Integração, Migrações e Asilo, a Aima, atualmente com mais de 400 mil processos de autorização de residência pendentes de análise. 

À BRASIL JÁ, Camillo afirmou que o Novo Pacto para Migração e Asilo era tudo o que o governo anterior e o atual queriam. 

“É uma forma pouco honesta de dizer aos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): ‘Olhem, nos desculpem, mas são as regras da União Europeia e temos que segui-las’”.  

As leis entraram em vigor depois da publicação no Diário Oficial da União Europeia. O prazo para que os regulamentos comecem a ser aplicados é de dois anos, mesmo período para que os Estados-membros façam as respectivas alterações em suas legislações nacionais. 

José Gusmão, representante do Bloco de Esquerda no Parlamento. Crédito: Stefani Costa, BRASIL JÁ

Um tratado contraditório

As alterações no texto do Pacto de Migrações e Asilo, aprovadas pelo Parlamento Europeu no início deste ano, impactaram todos os processos internos e externos, desde o primeiro requerimento de asilo que o refugiado faz ao chegar no território europeu. 

Essencialmente, a mudança no pacto não invalida o Princípio de Dublin, que garante que a responsabilidade por um pedido de asilo deve ser assegurada pelo primeiro país de chegada. O que também preocupa instituições de defesa de direitos humanos são os chamados “procedimentos de fronteira acelerados”. 

Embora haja, por parte das autoridades da UE, o argumento de que esta metodologia a curto prazo tem como objetivo diminuir o atraso e a burocracia das autoridades de controle, não há um compromisso ou um projeto conciso acerca de como serão feitas as avaliações dos respectivos requerentes de asilo. 

Parece um detalhe, mas este ponto pode aumentar as deportações. Para Camillo Júnior, a mudança coloca em risco os direitos humanos, ainda mais em um momento em que a Europa vive um forte movimento xenofóbico.

Pedidos de proteção batem recorde 


Em 2023, o bloco europeu registrou 1,14 milhão de solicitações em pedidos de proteção internacional —número recorde nos últimos sete anos. Só em travessias consideradas irregulares, foram 380 mil, sendo metade do total localizadas na rota central do Mar Mediterrâneo.  

O principal questionamento sobre o Pacto de Migrações e Asilo está relacionado com o processo de identificação acelerada de imigrantes nas regiões de fronteira. A  Anistia Internacional participou da votação no Parlamento Europeu afirmando que o acelerar os procedimentos pode gerar falhas e injustiças. 

Para Camillo Júnior, é preciso lembrar da Convenção de Genebra, que, em linhas gerais, assegura a toda pessoa que tenha fugido de seu país de origem por força de perseguição política, guerra ou ofensas graves deve receber proteção especial da comunidade internacional. 

O advogado também chamou atenção para alteração da idade na hora da recolha da biometria, que passa dos quatorze para os seis anos, A mudança, segundo prevê o pacto, serve para melhorar a coleta de dados dos requerentes de asilo e migrantes.

Os defensores da medida dizem também que a iniciativa facilita que crianças reencontrem suas famílias deslocadas para outro Estado-membro. 

“Mas, na prática, acredito que essa será uma forma de controle, já que a comissão garante que a nova regra ajudará na identificação de menores não acompanhados que possam fugir das instituições de acolhimento ou dos serviços sociais infantis”, afirmou o advogado.

Crescimento da extrema direita preocupa 


Para José Gusmão, o crescimento da extrema direita no Parlamento Europeu é preocupante. Segundo ele, o grupo é capaz de exercer forte influência nas tomadas de decisões, principalmente em se tratando de crise imigratória. 

“É preciso entender que a política da ‘Europa fortaleza’ não é uma política contra a imigração, é uma política contra a imigração legal e condena à marginalidade as pessoas que vão continuar a entrar na Europa, e isso é má notícia”, disse. 

O comunista João Pimenta Lopes considera que houve o agravamento das condições de vida de todos os trabalhadores, incluindo imigrantes, o que desenvolve e fortalece a abordagem simplista da extrema direita . 

“E assim acabam empurrando as responsabilidades, na lógica de encontrar bodes expiatórios, colocando as pessoas umas contra as outras, trabalhadores contra trabalhadores, imigrantes e comunidades minoritárias, sempre sem apontarem as causas dos problemas e como resolvê-los de fato”, afirmou.

 O que é o Parlamento Europeu

O Parlamento Europeu é a única assembleia multinacional do mundo eleita por um sufrágio direto. Ainda assim, há um número significativo de países europeus que não fazem parte do bloco, incluindo o Reino Unido, que em janeiro de 2020, após o Brexit, se retirou da União Europeia. 

A distribuição entre parlamentares é feita conforme o número de habitantes de cada país, sendo que os menos populosos não podem ter menos do que seis representantes. Portugal, por exemplo, tem 21 representantes em Bruxelas. 

Apesar da extensão dos organismos — são mais de trinta agências— que abrangem a UE, é no Parlamento Europeu (Bruxelas, Estrasburgo, Luxemburgo), no Conselho Europeu (Bruxelas), no Conselho da União Europeia (Bruxelas e Luxemburgo) e na Comissão Europeia (Bruxelas, Luxemburgo, Representações em toda a UE), que as responsabilidades e os procedimentos são fundamentados. 

Esses procedimentos seguem preceitos dos acordos que marcam a fundação da UE: o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (1957) e o Tratado da União Europeia (1992), além do Tratado de Lisboa, que em 2007 instaurou algumas alterações nas convenções anteriores. 

Com funções distintas, esses quatro setores é que iniciam, coordenam e definem a agenda da União Europeia.

O PCP levou alunos das escolas públicas portuguesas ao Parlamento Europeu - Crédito: Stefani Costa/Brasil Já

As cinco leis que definem o Pacto de Migrações


1. Regulamentação da triagem: prevê um procedimento de pré-entrada para examinar, de forma rápida, o perfil da pessoa que requer asilo, recolhendo informações básicas como nacionalidade, idade, impressões digitais e faciais. Também serão garantidas as avaliações de saúde e segurança;

2. Base de dados dos cidadãos: as alterações previstas no Regulamento Eurodac fornecerão uma base de dados em grande escala que armazenará os dados biométricos recolhidos durante o processo de triagem. 

Esse banco de dados passará da contagem de pedidos para a contagem de solicitantes, evitando que a mesma pessoa possa apresentar várias candidaturas. Porém, a idade mínima para coleta de impressões digitais também sofrerá uma mudança significativa, sendo reduzida de 14 para 6 anos;

3. Pedidos de solicitação de asilo: a reforma do Regulamento sobre Procedimentos de Asilo estabelece duas etapas possíveis para os solicitantes: o procedimento de asilo tradicional (caracterizado por um tempo de espera mais elevado) ou o de fronteira acelerado, com prazo de duração máximo de doze semanas. 

O procedimento de fronteira será aplicado às pessoas que representam um possível risco à segurança nacional, visando, principalmente, àquelas oriundas de países terceiros que possuem baixas taxas de documentação e reconhecimento, como Paquistão, Índia e Marrocos. Em casos de reprovação, esses cidadãos não serão autorizados a entrar no país e serão mantidos em instalações fronteiriças, gerando uma “presunção de Direito de não entrada”;

4. Solidariedade obrigatória: o Regulamento de Gestão do Asilo e da Migração estabelece um sistema de "solidariedade obrigatória" que vai oferecer aos Estados-membros três opções para regular os fluxos migratórios, tais como a relocação de um número específico de requerentes de asilo, o pagamento de vinte mil euros pelas despesas de cada solicitante caso o país se recuse a receber o migrante, ou o financiamento e suporte operacional desse requerente. 

O objetivo da Comissão Europeia é fazer trinta mil reconduções por ano, garantindo que o novo sistema não forçará nenhum país a aceitar refugiados desde que estes optem por uma das outras duas opções apresentadas;

5. Regulamento de crise e intervenção: as autoridades nacionais dos países membros serão autorizadas a aplicarem medidas mais severas, incluindo detenções de longo prazo, através do Regulamento de Crise, que prevê regras excepcionais quando o sistema de asilo for ameaçado por uma chegada inesperada e massiva de refugiados, dando ainda poderes para que a Comissão Europeia solicite medidas adicionais de “solidariedade”. 

Os exemplos utilizados para a elaboração desse ponto específico do pacto ocorreram durante a pandemia de Covid-19 e os conflitos armados em países do Oriente Médio entre os anos de 2015 e 2016.

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