Retratos de africanos em convívio cobrem as paredes da sala de exposições do Padrão dos Descobrimentos. Crédito: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Retratos de africanos em convívio cobrem as paredes da sala de exposições do Padrão dos Descobrimentos. Crédito: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Exposição sobre diáspora africana em Portugal desafia arquivos oficiais

Mostra fotográfica vai ser aberta neste sábado (27), no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa

24/04/2024 às 10:36 | 3 min de leitura | Africanidades
Publicidade Banner do projeto - DMX Investiments

Será inaugurada neste sábado (27), no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, uma exposição que reúne fotografias da diáspora africana em Portugal desde 1975. A exposição pretende "contrariar o peso dos arquivos oficiais e a narrativa do período colonial".

O espaço não foi escolhido por acaso, disseram à Agência Lusa as duas curadoras da mostra "Álbuns de Família, fotografias da diáspora africana na Grande Lisboa (1975-hoje).

Durante a visita à exposição de jornalistas, Filipa Lowndes Vicente e Inocência Mata defenderam a importância da iniciativa para "dar voz à comunidade africana" em Portugal.

"O nosso objetivo é tornar visíveis as pessoas desse segmento da sociedade portuguesa, sempre visto como estrangeiro e imigrante, mas cuja grande parte já nasceu em Portugal ou vive aqui há mais de cinquenta anos, e faz parte da nação portuguesa", disse a investigadora Inocência Mata.

A exposição temporária reúne “álbuns de família” com as imagens que os portugueses afrodescendentes e os africanos residentes registraram de si próprios e das suas comunidades desde 1975, data das independências dos países africanos de colonização portuguesa.

As curadoras consideraram que "seria uma forma de tornar visíveis estes rostos que têm contribuído para criar Portugal desde o 25 de Abril", disse a professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa na área de Literaturas, Artes e Culturas, doutorada em Estudos Pós-coloniais pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos.

ONU estima crescimento da África em 3,5% este ano e 4,2% em 2025

Duas razões foram muito fortes para criar esta mostra, disse: "Comemoram-se os cinquenta anos do 25 de Abril e este é o último ano da Década Internacional dos Afrodescendentes [2015-2024], instituída pelas Nações Unidas para promover as ideias de reconhecimento, justiça e desenvolvimento. Contudo, têm sido realizadas poucas iniciativas neste âmbito em Portugal, portanto teve pouca visibilidade", lamentou a pesquisadora.

Para a exposição, as curadoras desafiaram nove artistas afrodescendentes e africanos com relações familiares e profissionais com Portugal a trabalharem a ideia de "Álbuns de Família", desde cantores, artistas plásticos, escritores e fotógrafos. 

Elas também pediram a colaboração de pessoas anônimas para contribuírem com as suas fotografias pessoais.

“No coração da exposição estão as fotografias das pessoas desconhecidas, resultado da ideia de que todos nós temos histórias pessoais que se cruzam com a História nacional e internacional. As pessoas que queremos ver aqui representadas também fazem parte dessa narrativa de há cinquenta anos e do presente", disse a curadora Filipa Lowndes Vicente, pesquisadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Dando voz à comunidade


A pesquisadora indicou que, ao longo de um ano de preparação, ambas pensaram a exposição como um espaço para dar voz, através da fotografia, a pessoas comuns da comunidade africana na Grande Lisboa.

"Sempre imaginamos esta exposição como uma forma de poder contrariar e desconstruir o arquivo colonial português, que é poderosíssimo. Os arquivos públicos oficiais e os arquivos privados de muitos portugueses estão repletos de fotografias de pessoas negras em situações coloniais, muitas vezes violentas, desiguais", apontou Filipa Lowndes Vicente.

Filipa tmabém lembrou que a invenção da fotografia coincidiu com o colonialismo moderno dos séculos dezenove e vinte, "portanto esse arquivo [de fotografia documental e pessoal] é gigantesco, e está muito presente".

"Com esta exposição queríamos mostrar o outro lado, mostrar pessoas que têm nome e têm voz, o que não acontece com as outras fotografias do período colonial, em que não está ninguém identificado", observou a editora da obra "O Império da Visão: fotografia no contexto colonial português (1860-1960)", lançada em 2014.

Brasil quer reforçar importância da África para o país com ida de Lula a cúpula

Filipa Lowndes Vicente disse ainda que a montagem do conteúdo da mostra "Álbuns de Família" "implicou muito trabalho colaborativo com pessoas que generosamente emprestaram as suas fotografias pessoais originais, e contaram histórias ligadas a essas imagens".

O que há na mostra


No percurso, o visitante vai encontrar obras de artistas como Mónica de Miranda, uma das curadoras da representação de Portugal na Bienal de Arte de Veneza, inaugurada no sábado, do fotógrafo Adão Marcelino, assim como de António Pedro, proprietário da loja-estúdio fotográfico, criada em 1960, na Damaia, e que durante décadas fotografou afrodescendentes e africanos da comunidade local.

Retratos de mulheres, homens e crianças afrodescendentes ou africanas, famílias, amigos em convívio em discotecas em Lisboa cobrem as paredes da sala de exposições do Padrão dos Descobrimentos, um monumento erguido pela primeira vez em 1940, de forma efêmera, integrado na Exposição do Mundo Português, promovida pela ditadura do Estado Novo.

Foi em Lisboa e nas zonas limítrofes da capital que se instalou a grande maioria dos africanos vindos para Portugal nas últimas décadas e onde reside hoje a maioria da diáspora africana, oriunda de países que foram colônias portuguesas, nomeadamente Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

As curadoras recordaram que, desde 1975, quando se deu a maioria das independências das colônias portuguesas de África, o fluxo de pessoas que vieram de África para Portugal tem sido mais ou menos contínuo: "Uma grande parte dos afrodescendentes em Portugal já nasceu cá, e é portuguesa".

A União Africana considera a diáspora como a sua sexta região, e predomina em países atlânticos e regiões ou que foram potências coloniais e agentes no tráfico de escravos – Portugal, Reino Unido, França, Bélgica, Alemanha, Itália, Estados Unidos da América, Caribe, Brasil – sendo "indissociável de um passado histórico de séculos de escravatura e colonialismo", referiram ainda.

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba no seu email o melhor do jornalismo da BRASIL JÁ

Ao se cadastrar você declara que leu e aceitou nossos Termos e Condições

MENSAGEM AOS LEITORES


Jornalismo brasileiro na Europa


Você, leitor, é a força que mantém viva a BRASIL JÁ. Somos uma revista brasileira de jornalismo em Portugal, comprometida com informação de qualidade, diversidade cultural e inclusão.


O assinante da BRASIL JÁ recebe a revista no conforto de casa, acessa conteúdos exclusivos no site e ganha convites para eventos, além de outros presentes. A entrega da edição impressa é para moradas em Portugal, mas nosso conteúdo digital, em língua portuguesa, está disponível para todos.


Ao assinar a BRASIL JÁ, você participa deste esforço pela produção de informação de qualidade e fica por dentro do que acontece de interessante para os brasileiros na Europa e para todos os portugueses que valorizam a conexão das identidades entre os dois povos.


Participe da BRASIL JÁ. Seja bem-vindo!


Apoie a BRASIL JÁ

Últimas Postagens