Professor e investigador Pedro Góis. Crédito: Arquivo Pessoal

Professor e investigador Pedro Góis. Crédito: Arquivo Pessoal

Imigrantes não são culpados por nossas más decisões políticas, diz pesquisador

Pedro Góis cita receio de que restrições à imigração ganhem corpo e economia portuguesa comece a encolher

03/01/2024 às 14:17 | 3 min de leitura
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Os imigrantes não são culpados das más decisões políticas em Portugal. É o que defende o professor de Economia da Universidade de Coimbra, Pedro Góis, que entrevistei no início do mês passado. Durante a conversa, o docente afirmou ter receios de que estejam fazendo eco na sociedade vozes da extrema-direita que pregam teorias conspiratórias e colocam a migração como centro dos problemas no país.  

"As migrações começaram a aparecer, muito recentemente, como um termo eleitoral em Portugal, sobretudo pela extrema-direita. E é uma visão muito pouco realista e racional sobre o que são as migrações. Pensar o imigrante como sendo o bode expiatório de tudo o que tem ocorrido de mal, quando na verdade nós sabemos e os dados mostram que a contribuição positiva da migração para Portugal e para a Europa é inatacável, não há qualquer de ser do contrário possível", afirmou Góis. 

O professor também diz que começa a ganhar corpo um eleitorado que assume as posições extremistas, e que as restrições aos imigrantes começam a se multiplicar. 

"O meu receio é que, de fato, as restrições acabem por funcionar contra o próprio funcionamento da Europa e de Portugal. Nós, sem imigrantes em Portugal, teríamos uma grande escassez de força de trabalho, e teríamos uma economia a encolher. E a Europa precisa de imigrantes na mesma porcentagem. Não faz sentido culpar os imigrantes do que têm ocorrido de mal nas nossas decisões políticas. Faz sentido contar com os imigrantes para a tomada de posição para essa integração da vida dos imigrantes na sociedade como um todo", completou.

Voto imigrante em Portugal

Ao comentar sobre o voto imigrante em Portugal — ainda ínfimo em relação ao número de estrangeiros residentes no país —, o professor elogiou o sistema eleitoral no Brasil. Para ele, o uso das urnas eletrônicas, necessário num país de dimensões continentais como o Brasil, como ele lembrou, abre possibilidades para que a democracia seja exercida de forma muito mais aberta e, de fato, participativa. 

"O caso do Brasil é interessante porque o Brasil tem um sistema democrático muito amplo, muito complexo, até, porque é um país continental. E por isso, votar em Portugal é muito mais fácil. Portugal tem um conjunto limitado de partidos e candidatos, enquanto no Brasil tem centenas de milhares de candidatos que se pode votar. Por outro lado, o sistema de voto eletrônico brasileiro, que é muito funcional e muito estável, ainda é muito discutido nos países europeus como sendo totalmente sério, ou passível de falsificações, que de fato não têm acontecido. Eu acho que devemos aprender uns com os outros. Há muitas coisas que se passam em outros países que os países europeus deveriam importar, entre os quais está a possibilidade de voto eletrônico e de uma participação muito mais dinâmica, como acontece com o Brasil", disse. 

O pesquisador também comentou sobre a situação de estrangeiros com residência em Portugal serem impedidos de votar, ainda que sejam em eleições locais. Isso ocorre porque o governo preconiza a reciprocidade no voto. Isto é, se um português residente em outro país não tem direitos políticos naquela nação, então os os nacionais daquele país também não terão direito à participação eleitoral em Portugal.   

"Na prática, mais tarde ou mais cedo, nós vamos poder votar onde quer que estejamos, através do nosso telemóvel. E nisso que o Brasil já testou, dentro do seu território, e depois em alguns postos fora do seu território, faz com que um brasileiro que se afaste do seu país possa votar à Presidência estando em Portugal, ao Senado ou ao Congresso, mas que não possa votar nas eleições portuguesas. Ora, isso não faz nenhum sentido. Ou seja, eu vivo em Portugal há cinco anos e não posso participar da vida eleitoral portuguesa, mas continuo a ser obrigado a participar da vida eleitoral brasileira, até porque o voto no Brasil é obrigatório. E isso não faz nenhum sentido. Temos que construir aqui estas lógicas de uma democracia atualizada ao século 21. (...) E o Brasil pode ser, aí, um bom exemplo, porque tem hoje uma comunidade muito grande expatriada", afirmou. 

Para Góis, não é difícil imaginar que, futuramente, possa haver uma bancada representativa de imigrantes nas diveresas esferas do Legislativo. O docente menciona Braga, por exemplo, em que há uma comunidade grande de brasileiros. Os milhares de conterrâneos que vivem lá, que o pesquisador estima serem por volta de 30 mil, são um potencial político com capacidade de eleger candidatos.

"Há uma comunidade de brasileiros em Braga, cresceu muito. Digamos que sejam 30 mil, a maioria adultos e, portanto, têm a capacidade de poder votar. Trinta mil votos fazem toda a diferença. No poder local de Braga, ou no poder numa eleição a partir dos círculos eleitorais de Braga, 30 mil votos elegem pessoas. E, portanto, um facto de esses nossos companheiros de país [imigrantes com residência] não poderem votar, ou não quererem votar, altera aquilo que é o mapa político nacional. Então, para mim faria todo o sentido que eles pudessem recensear e pudessem votar. Necessitamos que haja mais divulgação, mais chamada de atenção para o que é uma democracia. Porque nós vemos como adquirir uma democracia, mas tanto os portugueses quanto os brasileiros já deveriam ter percebido que a democracia é uma coisa muito frágil. E que necessitamos de votar para que não tenhamos alguns sobressaltos. Necessitamos mesmo de votar e de fazer escolhas." 

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