25/01/2024 às 18:39
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Das 10,8 milhões de pessoas que viviam em Portugal em 2022, 781 mil eram estrangeiros que residem de forma regular no país, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e do Ministério de Administração Interna.
O grupo corresponde a cerca 7,5% do total da população, percentual que pode ser ainda mais alto se forem considerados os que ainda não dispõem de documentos regularizados ou se incluir nesta conta aqueles com cidadania portuguesa, mas que nasceram em outro país (eles obviamente não entram na estatística dos estrangeiros).
Ainda que uma fatia expressiva da sociedade em Portugal seja composta por estrangeiros, os dados analisados pela BRASIL JÁ apontam que a participação desse grupo na vida política é ínfima. Para especialistas no tema, a sub-representação de estrangeiros nas eleições portuguesas, que também se estende à representatividade de imigrantes entre os eleitos e membros dos partidos políticos em Portugal, é um problema com várias causas.
Segundo relatório do Observatório das Migrações de 2023, lançado no último dezembro, os eleitores com nacionalidade estrangeira eram 0,33% do total de recenseados no ano anterior. Por recenseados, entende-se: pessoas aptas a participar das eleições.
Para votar em Portugal, é preciso estar inscrito no recenseamento eleitoral, um cadastro que permite ao cidadão votar —algo parecido com emitir o título de eleitor no Brasil. O registro será exigido daqueles que pretendem comparecer às urnas nas eleições do mês que vem, convocadas pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, depois que o então primeiro-ministro, Antônio Costa, pediu demissão. A saída de Costa precipitou a dissolução da Assembleia da República e antecipou o pleito para 10 de março.
A legislação portuguesa exige que o recenseamento eleitoral seja concluído 60 dias antes das urnas serem abertas. Ou seja, o recenseamento eleitoral para as próximas eleições terminou em 10 de janeiro. Portanto, as pessoas que não se recensearam não poderão participar do pleito.
O documento do Observatório das Migrações, elaborado sob a coordenação da professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Catarina Reis Oliveira, levanta uma série de questões sobre o porquê de os imigrantes terem uma participação tão tímida nas eleições portuguesas.
Os obstáculos, em geral, orbitam a burocracia, que restringe a participação de estrangeiros a casos específicos e exige, por exemplo, que a pessoa vá à Comissão Recenseadora da junta de freguesia de onde vive e solicite ser inscrita no recenseamento eleitoral sempre que quiser votar.
Diz o relatório: “O problema, por vezes, não é apenas as restrições per si [isoladamente] para a participação política dos estrangeiros, mas também a proliferação de autoridades eleitorais, burocracias e práticas eleitorais para cidadãos europeus e para cidadãos extracomunitários”. “Portugal tem sido menos efetivo na integração política dos imigrantes, excluindo do acesso a direitos políticos um número substantivo de nacionalidades residentes no país”, afirma.
Para entender de que direitos estamos tratando, em Portugal a permissão ao voto de estrangeiros residentes pode ser dividida em três situações:
1. Cidadãos brasileiros e cabo-verdianos com dois anos de residência fixa podem votar nas eleições locais, ou seja, para as Câmaras de conselho e para pre- sidente de junta de freguesia, além das regiões administrativas. E, ao fim do terceiro ano vivendo em solo portu- guês, eles também podem ser eleitos nas eleições locais. As condições excluem o acesso de brasileiros e cabo-verdianos aos cargos de presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, presidente dos tribunais superiores, serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática.
2. Os demais estrangeiros, também com residência permanente em Por- tugal, podem votar e se candidatar nas eleições locais ao fim do terceiro ano morando no país. Contudo, os nacionais de Argentina, Chile, Colômbia, Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Peru, Uruguai e Venezuela só obtém o direito ao voto.
3. Cidadãos de países que façam parte da União Europeia e vivam em Portugal não têm exigência mínima de tempo que os habilite a votar ou se candidatar nas eleições locais. Desde que compro- vem residência habitual em Portugal, além das eleições locais, eles podem participar como eleitores e candidatos do Parlamento Europeu. A saída do Rei- no Unido da União Europeia, em 2020, criou uma situação excepcional para os britânicos. Os que viviam em Portugal antes de seu país sair do bloco manti- veram os direitos políticos de participar das eleições locais resguardados.
Os brasileiros correspondem a 30% dos 781 mil estrangeiros residentes registrados em Portugal —de longe, a maior comunidade de imigrantes no país. E, embora possam, eles acabam não exercendo o direito ao voto. Em 2022, moravam em Portugal 239 744 brasileiros, segundo as informações do INE e MAI.
Dados do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o SEF, indicam que, no ano passado, o número quase chegou aos 400 mil, um aumento de 36% em comparação ao de 2022 . E, apesar de serem muitos, não é difundido entre o grupo que brasileiros podem acessar um conjunto de direitos políticos mais amplo que os mencionados anteriormente.
Ao aderirem ao Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos, os brasileiros podem eleger e ser eleitos não só nas eleições locais portuguesas, como também para todos os outros cargos, exceto o de presidente da República. Isso se deve a um tratado firmado entre Brasil e Portugal há 24 anos, que confere a brasileiros recenseados, após três anos morando em Portugal, a possibilidade de aderir ao benefício. Batizado de Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, o acordo foi firmado em Porto Seguro, na Bahia, em 22 de abril de 2000, durante o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na prática, pelos dados do Ministério de Administração Interna, são poucos os brasileiros que conhecem os direitos previstos no tratado. E são ainda menos os que resolvem solicitar o benefício. Além de permitir que os brasileiros se candidatem a mais cargos eletivos, outra vantagem de obter os direitos políticos em Portugal é que o recenseamento passa a ser automático, evitando a necessária visita à junta de freguesia caso queiram votar nas eleições locais.
A desvantagem é que os que aderem ao estatuto perdem direitos políticos no Brasil, medida que evita que a pessoa se candidate em dois países ao mesmo tempo. As condições são recíprocas, também valem para os portugueses que solicitem lá o reconhecimento dos seus direitos políticos.
Ideal é que estrangeiros façam a adesão ao estatuto
Na avaliação do sociólogo Pedro Góis, 53 anos, professor da Faculdade de Economia de Coimbra, o ideal seria que os brasileiros aderissem ao estatuto e participassem mais ativa- mente das eleições, porque as decisões políticas, seja em âmbito local ou nacional, afetam as suas vidas diretamente.
Na prática, o docente diz que a demora para conseguir o reconhecimento do direito é uma trava para os interessa- dos. “O que me dizem é que esse estatuto está, em muitos casos, limitado por procedimentos burocráticos e leva muito tempo a obtê-lo. A eficácia prática dada neste estatuto é orientada pela própria prática das instituições nacionais. E isso, na verdade, é o que tenho dito muitas vezes: nós temos excelentes leis, mas que na prática não são muito funcionais”, diz Góis à BRASIL JÁ.
Se a lentidão para conceder o benefício é uma realidade, então os números corroboram o que diz Góis. Embora representem a maior comunidade de imigrantes no país, são poucos os brasileiros que solicitam entrar no recenseamento eleitoral ou aderem ao estatuto que amplia os direitos políticos.
Para o sociólogo da Universidade de Coimbra, o voto imigrante em Portugal poderia ser decisivo na construção de políticas sociais voltadas para os próprios estrangeiros residentes. “Nós temos hoje, segundo a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], 1,1 milhão de pessoas que não nasceram em Portugal e vivem em Portugal.
Mais de 10% da população. Se essas pessoas votassem, 10% dos eleitores têm um impacto enorme na política nacional. Portanto, o fato de poderem votar confere aos partidos políticos a obrigação de olhar para as cidades dessas pessoas. Se elas não votarem, se estiverem fora deste contexto, então elas são desinteressantes para os partidos, que não vão colocar nos seus programas as necessidades desse grupo. Só o fato de poderem votar alteraria todo o contexto. É o que nós chamamos de demografia política do país”, afirma Góis.
Ainda para Pedro Góis, os países de origem dos imigrantes deveriam se envolver para incentivar a participação eleitoral de seus nacionais por meio de suas representações diplomáticas. Ele entende, no entanto, a dificuldade que os órgãos possam ter em se envolver em eleições para presidente da República, mas o sociólogo não vê motivo para desprezar a participação dos imigrantes nas eleições locais.
“Não faz sentido que não votem para as suas câmaras municipais, onde os seus direitos muitas vezes não estão totalmente a ser cumpridos. Para mim, a nível local, as pessoas deveriam imediatamente recensear e começar a votar. Isso influenciaria positivamente a sua integração.” Mais do que isso, o sociólogo defende até a revisão da política de reciprocidade.
Góis cita, por exemplo, a China, onde as eleições não são universais e os portugueses não votam: “significa que os cidadãos chineses em Portugal nunca poderão votar. E isto parece-me que não faz sentido, sendo nós uma democracia. Não faz sentido que, promovendo a vida democrática de todos os cidadãos do país, excluamos uma parte dos cidadãos que aqui residam, mesmo que aqui residam há muitos anos, exceto se eles virem a se tornar cidadãos nacionais.”
O fenômeno Cabo Verde
Depois dos brasileiros e britânicos, os cabo-verdianos são os estrangeiros que em números têm mais cidadãos vivendo em Portugal. Em 2022, eram 36.748 nacionais de Cabo Verde vivendo em solo português, segundo dados compilados pelo Observatório das Migrações.
Mas o que torna os cabo-verdianos um fenômeno eleitoral é a taxa de participação. Comparando com o total de brasileiros naquele ano (239 744), Cabo Verde tem seis vezes menos residentes fixos em Portugal. Ainda assim, os dois grupos praticamente empataram em quantidade de residentes recenseados. Em 2022, eram 6 591 brasileiros e 6 017 cabo-verdianos. No ano anterior, os nacionais de Cabo Verde ultrapassavam os recenseados brasileiros, com 6 329 cabo-verdianos aptos a votar, enquanto os brasileiros eram 5 497.
O cabo-verdiano Bruno Andrade, de 34 anos, vive em Portugal desde 2008. Apesar do tempo no país, não está recenseado, portanto não vota —nem quer votar. Ele explica que a decepção com a política é um dos motivos.
“Eu vejo que eles [os políticos] estão fazendo um trabalho. Depois, a gente descobre o que eles andavam a fazer. E a pessoa fica logo desapontada. Não falo só de [casos de] corrupção. Eu acho que as pessoas que trabalham com política deveriam ter um perfil adequa- do. Podem fazer um trabalho excepcional durante um tempo. Depois, eles fazem uma coisa errada, e estragam o trabalho que fizeram o ano todo”, diz.
Ele, porém, chama atenção para a busca ativa do Estado português aos seus cidadãos. Sua irmã é uma cidadã portuguesa. Logo após receber a cidadania, ela foi procurada para ser informada sobre o direito de exercer o voto. Para Bruno, a busca ativa por eleitores pode ser a diferença entre participação ou ausência nas eleições.
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