Polícia Segurança Pública. Crédito: Divulgação

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Marcha xenofóbica: desobediência pode dar um ano de cadeia

Se grupos de extrema-direita insistirem em crime de ódio, podem ser condenados a oito anos de prisão

02/02/2024 às 16:17 | 3 min de leitura
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Desafiar as autoridades lisboetas e insistir na realização da marcha islamofóbica na capital pode levar à cadeia os organizadores do protesto. É o que explicou à BRASIL JÁ, nesta sexta (2), a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OA), Cristina Borges de Pinho.

"Até haver uma decisão do tribunal que revogue a decisão do presidente da Câmara de Lisboa [que proibiu o protesto], mantém-se a proibição. (...) É possível que haja a marcha, mas há consequências. Os promotores da manifestação que tenham sido notificados pela Câmara de que a marcha ou manifestação estava proibida, se realizarem a manifestação, podem incorrer num crime de desobediencia. Desobediência qualificada. (...) Pode ser sancionado com pena de prisão", afirmou a advogada.

Borges de Pinho ressaltou que o crime de desobediência está previsto no Código Penal e prevê cadeia para os que infringirem a regra. O Artigo 348 estabelece que: "quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias". 

Outro artigo do Código Penal, o 240, prevê pena de até oito anos de prisão para aqueles que, entre outras formas de violência, incitarem ódio "contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica. Em tese, os organizadores da marcha e participantes poderiam ser enquadrados em ambos artigos.

Proibição da marcha 

Nesta sexta (2), a Justiça confirmou a decisão da Câmara Municipal de Lisboa, negando o pedido do líder neonazista Mário Machado para realizar a manifestação. Ainda assim, ele anunciou que manterá o protesto.

Escreveu o Tribunal Administrativo do Ciclo de Lisboa: "O direito de manifestação não é absoluto, podendo as autoridades administrativas impedir a realização de manifestações cujo fim ou objeto seja contrário 'à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas' (...), o que se verifica no caso dos autos, na medida em que a manifestação atenta contra a ordem e tranquilidade públicas".

Os xenofóbicos afirmam que a mobilização é contra a "islamização da Europa", e, inicialmente, queriam fazer a marcha na zona da Mouraria, Martim Moniz e na rua do Benformoso, locais onde justamente há predomínio de população muçulmana. 

Sobre os participantes da marcha (não os organizadores), a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OA disse que eles podem não ter sido comunicados da proibição, portanto, em tese, não poderiam ser responsabilizados criminalmente. Entretanto, a partir do momento em que a polícia os comunique de que manifestação é ilegal, e caso insistam no protesto, então sim, eles poderiam ser enquadrados no crime de desobediência.   

"Se [as pessoas] souberem que estão a participar numa manifestação que foi proibida, também podem incorrer em responsabilidade criminal. No entanto, como não foi comunicado a todos os manifestantes essa proibição, muitos deles podem não saber que estão a participar numa manifestação que está proibida. Então, não seria sentido serem sancionados criminalmente por alguma desobediência. Aí, a desobediência só poderia ocorrer, julgo eu, salvo melhor entendimento, depois de a polícia notificar expressamente os manifestantes", afirmou à BRASIL JÁ a advogada.  

Advogada Cristina Borges de Pinho, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OA). Crédito: Reprodução

Manifestação é direito constitucional, mas há limites

Na avaliação de Cristina Borges de Pinho, e da Comissão de Direitos Humanos da OA, a marcha xenofóbica deveria mesmo ser proibida. A jurista lembrou que a Constituição garante a livre manifestação como sendo um direito fundamental, mas afirma que até este direito têm limites. 

"É um direito fundamental, o direito de reunião e direito de manifestação. Está confederado na nossa Constituição amplamente este direito. No entanto, ainda que seja um direito constitucional, tem, obviamente, limites. E esses limites são, desde logo, se essas manifestações forem contrárias à lei. E também está confederado na Constituição a liberdade de qualquer pessoa em credo, religião, independentemente da etnia, da raça, sexo, cor da pele..."

"Se, na realidade, há uma manifestação de ódio, não deixa de o ser, por muito pacífica que o possa ser, se o título é contra o Islão, não deixa de ser uma manifestação antidemocrática, que é contrária aos princípios de inclusão de direito democrático e que Portugal se orgulha de ser [representante]."

Borges do Pinho ponderou que, segundo outros juristas opinam, só no decorrer do protesto é que seria possível afirmar que houve violação das leis ou incitamento ao ódio. "É uma interpretação que eu respeito, mas é um bocadinho ingênua porque quem sabe de antemão que se vai, e no próprio título também já se fala, 'contra o islamismo', evidentemente sabe-se que a comunicação social vai estar em peso a acompanhar esta manifestação", afirmou.

Segundo o jornal Expresso, a Polícia Segurança Pública (PSP) vai barrar a entrada nas ruas internas do Martim Moniz e Mouraria. 

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