Presidente Trump durante pronunciamento no Dia de Ação de Graças, em 26 de novembro de 2020. Crédito: Casa Branca, Shealah Craighead, Arquivo

Presidente Trump durante pronunciamento no Dia de Ação de Graças, em 26 de novembro de 2020. Crédito: Casa Branca, Shealah Craighead, Arquivo

Novo mandato de Trump e a aproximação de Europa e Brasil

Como a política protecionista dos EUA pode impulsionar acordo Mercosul-União Europeia

20/01/2025 às 04:30 | 6 min de leitura | Edição Impressa
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O governo de Donald Trump, que inicia o seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos nesta segunda (20), vai jogar a União Europeia no colo do Mercosul, segundo analistas ouvidos pela BRASIL JÁ.

Durante toda a campanha eleitoral, Trump prometeu envolver o mundo em uma guerra protecionista, que levada a cabo, criará barreiras alfandegárias contra o comércio internacional. 

Com as exportações prejudicadas para seu principal parceiro comercial, a União Europeia deve correr para concluir o acordo com o bloco sul-americano.

José Manuel Diogo, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, acredita que, o novo cenário global, dará uma oportunidade para o fortalecimento das economias de ambos os blocos.

“O texto final poderia ser melhor, mas, no fim, foi o possível. Como diz o ditado popular, se só tem tu, vai tu mesmo.”

Diogo diz que a Europa não tem melhor alternativa. “Eles não terão onde colar produtos como máquinas, aviões, motores”, prevê. 

Em um texto de dezembro de 2024, os pesquisadores Arthur Leichthammer e Jacques Delors, da Elvire FabryHertie School (universidade alemã), afirmaram que o novo governo Trump anuncia um período turbulento para a União Europeia, em face às políticas comerciais agressivas que deve implementar.

A abordagem unilateral de Trump ameaça impor perturbações econômicas significativas e explorar divergências entre os membros estados, potencialmente fragmentando a unidade da União Europeia. 

Uma guerra comercial

Leslie Vinjamuri, diretora para os Estados Unidos e as Américas do Chatham House (instituto político independente), publicou no dia 15 deste mês uma análise em que mostra que a China parece mais certa na sua resposta às ameaças de Trump.

Para a diretora do Chatham House, os chineses adotaram uma estratégia de retaliação preventiva, e já elevaram tarifas sobre certas importações dos Estados Unidos e sanções às empresas norte-americanas.

Ao contrário dos seus homólogos na Europa e no Canadá, o presidente Xi Jinping tem pouco medo de uma reação negativa em Casa Branca. 

Evan Medeiros, antigo responsável pela segurança nacional na administração Obama, afirma que a estratégia da China é de retaliação, adaptação e diversificação.

Vinjamuri destaca que a Europa está dividida. Numa reunião do Fórum Trilateral em Madrid, o antigo Embaixador Estados Unidos-União Europeia Anthony Gardner, que serviu na administração Obama, encorajou europeus a planejar retaliações às importações dos Estados Unidos, com tarifas retaliatórias.

Porém, alerta Gardner, uma resposta dura da Europa pode ter um preço geopolítico elevado.

No mesmo texto, a diretora do Chatham House revela que Stephen Miran, novo presidente do Conselho de Consultores Econômicos de Trump, defende que os norte-americanos ameaçam retirar a assistência de defesa e segurança, se os aliados retaliarem com alta de tarifas.

Numa guerra comercial global, o bloco Europa-Mercosul teria mais força para enfrentar a maior economia do mundo.

Entenda o acordo União Europeia-Mercosul

O acordo União Europeia-Mercosul foi assinado em dezembro do ano passado. Foram 25 anos de negociações. 

Os dois blocos deram um passo importante para formar uma região de trocas comerciais livre de taxas, que promete transformar as relações econômicas globais.

Com a perspectiva de criar uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, o acordo abrange cerca de 720 milhões de pessoas, oferecendo oportunidades para todos os países envolvidos.

A sua implementação, porém, ainda enfrenta desafios políticos e econômicos, entre eles, vencer as resistências de três frentes: França e Polônia, na Europa; Argentina, na América do Sul; e Estados Unidos, que se acostumaram a olhar para o Sul continental como seu quintal, e para a Europa como parceiro dependente. 

A ministra brasileira Simone Tebet, integrante da equipe econômica do governo Lula, confia no time brasileiro, que além do governo, inclui o Congresso Nacional.

“Temos muito a comemorar”, disse à BRASIL JÁ.

“Em um mundo cheio de conflitos, a assinatura do acordo, depois de mais de 20 anos de negociação, se traduz pela integração e cooperação para o crescimento econômico, geração de empregos e erradicação da miséria. Os parlamentos, de lá e de cá, agora darão seguimento às novas etapas.”

Com o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a ApexBrasil, estima um incremento de mais de 7 bilhões de dólares às exportações do país no curto prazo.

A agência prevê, ainda, que o acordo deve potencializar, diversificar e trazer valor agregado à pauta exportadora do Brasil.

"O acordo entre o Mercosul e a União Europeia envolve 25% da economia global e 780 milhões de pessoas. O Brasil poderá aproveitar as mais de 1,8 mil oportunidades de curto prazo para o bloco que a ApexBrasil mapeou, com destaque para uma ampla gama de produtos, como café, milho, suco de laranja, mel natural, aviões, calçados, móveis de madeira”, disse o presidente da ApexBrasil, Jorge Viana.

A animação de Viana faz sentido. A abertura do mercado europeu garante que 97% das exportações industriais brasileiras ao bloco —e não apenas as commodities— tenham tarifa zero assim que o acordo entrar em vigor. Normalmente, os países sobretaxam produtos estrangeiros para fortalecer suas próprias indústrias.

O problema dessa estratégia que até parece boa é que ela costuma custar caro aos cofres públicos, porque precisa vir acompanhada de outras medidas protecionistas, como renúncia fiscal (renunciar a arrecadação) e repasse direto de dinheiro público a setores com baixa competitividade tecnológica, na maioria das vezes, já superados por tecnologias no exterior.

Perde o consumidor, que paga pelos produtos mais caros, e perde o contribuinte (normalmente a mesma pessoa), que paga mais impostos.

Um incentivo à indústria brasileira

Para o Brasil, a abertura do mercado europeu significará um incentivo à indústria brasileira, agregando valor para um mercado altamente competitivo e com um PIB per capita de 40,8 mil dólares.

A exportação fortalece a presença do país em cadeias globais de valor e promove a diversificação da exportação. 

A Confederação Nacional da Indústria concorda. Segundo a entidade que reúne os patrões do parque industrial do Brasil, o acordo traz benefícios à diversificação das exportações, amplia a base de parceiros comerciais do país e fortalece a competitividade brasileira em nível global.

Negociado com foco em princípios de equilíbrio e sustentabilidade, o acordo pode impulsionar a produtividade e ampliar a integração internacional da indústria, além de promover ganhos econômicos e sociais de longo prazo.

O presidente da confederação, Ricardo Alban, classifica o acordo como um marco estratégico para o Brasil.

“Além de diversificar nossas exportações e ampliar a base de parceiros comerciais, elevando o acesso preferencial brasileiro ao mercado mundial de 8% para 37%, o acordo trará uma inserção internacional alinhada com a agenda de crescimento inclusivo e sustentável, o que é essencial para garantir ganhos econômicos e sociais de longo prazo, e reforçar a competitividade global do Brasil”, afirma Alban.

Oportunidades para Brasil e Portugal

Portugal terá um papel-chave por ser um aliado antigo e cuja relação é cheia de benefícios. A presidente da Câmara de Comércio da Região das Beiras, Ana Correia, afirma que o acordo fortalecerá o comércio entre os dois países e, com isso, trará desafios. 

Ela cita três:

  1. melhorar o acesso aos novos mercados;
  2. haver efetiva redução de tarifas;
  3. e ampliar a cooperação empresarial.

Ela está animada com a possibilidade de os produtos e os serviços da região das Beiras, no centro de Portugal, ter sua presença reforçada na América do Sul.

“A redução nas tarifas de importação tornará os produtos brasileiros mais competitivos no mercado europeu e, especificamente, em Portugal. Isso significa maior acesso a produtos agropecuários, como carnes e soja, que são abundantes no Brasil. De salientar que a região das Beiras é muito desenvolvida no Agrotech”, disse à BRASIL JÁ.

Segundo ela, “o acordo vai facilitar a criação de parcerias comerciais e investimentos cruzados, promovendo maior integração entre as economias e um ambiente propício ao desenvolvimento de projetos conjuntos”. “Estas pontes já estão sendo criadas entre a Câmara de Comércio da Região das Beiras e países do Mercosul.”

Outro impacto relevante está na criação de empregos. Em 2023, a cada 1 bilhão de reais exportados para o bloco europeu, foram criados 21,7 mil empregos, superando mercados como o chinês, que abriu 14,4 mil empregos por bilhão de reais exportados.

Andrés Malamud, pesquisador-principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e doutor pelo Instituto Universitário Europeu de Florença, descreve o comércio como uma relação de “ganha-ganha”, em que tanto vendedores quanto compradores se beneficiam.

Segundo ele, o impacto do acordo vai além do aumento de trocas comerciais.

“Um acordo favorece as trocas e gera valor absoluto, mas a abertura econômica gera perdedores setoriais. Cada bloco deverá buscar modos de compensá-los. Ainda assim, este acordo é mais importante pelas disciplinas e regulações do que pelos mercados que abre.”

Ao abordar as vantagens comparativas, o professor ressalta o potencial do Brasil no setor agropecuário e o da Europa na alta tecnologia, destacando a complementaridade entre os blocos. 

Otacílio Soares, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, aponta os ganhos que virão com as reduções tarifárias.

“Isso altera os padrões das cadeias produtivas, tornando-as mais competitivas e dinâmicas. No Brasil, os menores custos de exportação promovem a modernização e o crescimento de setores decisivos, a exemplo do agronegócio e da indústria de transformação. Em relação a Portugal, o acesso a insumos mais baratos provenientes do Mercosul fortalece a indústria agroalimentar. Viabiliza o compartilhamento de tecnologias e boas práticas, fomentando a inovação e o desenvolvimento econômico”, diz.

De olho na economia

Para a professora Lia Valls Pereira, docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, não é possível estimar de partida o quanto se deve ganhar efetivamente com o acordo.

Crescimento econômico, câmbio, estratégias das multinacionais, ambiente político, entre outros pontos influenciam decisões de investir. 

“O acordo contribui positivamente, mas não é o único fator que irá influenciar as decisões de investimento”, explica.

O acordo é amplo e engloba serviços, temas de desenvolvimento sustentável, pequenas empresas que criam um arcabouço institucional nas relações entre os dois blocos. 

Ela afirma que este é o primeiro acordo de caráter amplo e com uma região de economias desenvolvidas realizado pelo Mercosul.

Já o professor Jairo Martins, especialista em relações comerciais e integrante da Câmara de Cachaça do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço, diz que o Brasil enfrentará desafios para atender aos padrões de qualidade exigidos pela União Europeia, especialmente em setores de carnes e laticínios. 

Ele acredita, porém, que o acordo será vantajoso a longo prazo.

O Acordo Mercosul-União Europeia é uma oportunidade para fortalecer as economias de ambos os blocos, mas os desafios políticos e econômicos são significativos. 

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