Após um atraso de seis meses desde a nomeação, Isabel Almeida Rodrigues assumiu nesta terça (3) a presidência da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. A cerimônia marcou o início do funcionamento da única entidade responsável por receber denúncias baseadas na lei antidiscriminação.
A comissão, inoperante há mais de um ano, é encarregada de aplicar a Lei de Prevenção, Proibição e Combate à Discriminação em razão de critérios como origem racial ou étnica, cor, nacionalidade, idioma, ascendência e território de origem —legislação que, na prática, pouco serve para coibir tais crimes.
Oficialmente o órgão está inativo desde 29 de outubro de 2023, após a fusão do Alto Comissariado para as Migrações com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, dando lugar à Aima. A reorganização suprimiu a comissão e a tornou nula, incluindo o tratamento de denúncias.
Em janeiro de 2024, uma nova legislação determinou que a direção da comissão passaria a estar vinculada à Assembleia da República, responsável por eleger o presidente. A mudança foi implementada durante o governo do Partido Socialista, do qual Rodrigues fez parte.
Somente em novembro é que os membros da Comissão foram anunciados, conforme publicou a BRASIL JÁ. Agora com 32 membros, quase o dobro do número que tinha sob a gestão do Alto Comissariado, a comissão enfrentou críticas pela composição de seus representantes.
As nomeações mais recentes, realizadas pelo gabinete do ministro da Presidência, incluem advogados, pesquisadores e ativistas, como Dino D’Santiago e Joana Lopes Clemente.
No entanto, associações como SOS Racismo e Umar Braga questionaram a escolha, alegando que apenas cinco membros representam comunidades racializadas e que a abordagem é vista como assistencialista.
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Em comunicado, os coletivos pediram a revisão das indicações e maior envolvimento das comunidades racializadas como protagonistas no enfrentamento do racismo.
Após a posse, caberá à comissão convidar associações de imigrantes, organizações anti-racistas e representantes de comunidades ciganas, entre outros grupos, para completar sua composição.
Impactos do atraso
A ausência de atividade da comissão resultou em um vazio de um ano no tratamento de queixas de racismo. Em entrevista ao Público em outubro, Rodrigues expressou sua insatisfação com o processo:
"Lamento a demora do processo conducente à tomada de posse pelos impactos que a situação tem, tanto no plano interno como no plano externo."
Ela destacou que esse atraso comprometeu compromissos assumidos por Portugal em fóruns internacionais, como a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância.
Além disso, a presidente criticou a falta de medidas provisórias que poderiam ter garantido a continuidade das atividades da comissão: "Neste momento, as queixas entram num email ao qual não tenho acesso porque ainda não tomei posse, e não têm seguimento."
Desafios e objetivos
Durante a audiência de sua nomeação, Rodrigues ressaltou a necessidade de adotar ações que estimulem um aumento no número de denúncias.
De acordo com dados recolhidos pela agência Lusa junto da PSP e da GNR em fevereiro, as autoridades registraram 347 crimes de discriminação e incitamento ao ódio em 2023, mais 77 casos do que no ano anterior.
A GNR diz que Portugal “não apresenta uma definição jurídica de crimes de ódio”, mas reforça que o artigo 240 do Código Penal “penaliza a discriminação e o incitamento ao ódio e à violência, com a previsão de pena de prisão para estas tipificações criminais”.
Quanto aos homicídios e ofensas à integridade física, passam a ser crimes qualificados em casos de “ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima”.
Embora os dados mostrem crescimento nos registros, eles ainda não refletem a realidade captada pelo maior estudo sobre o tema realizado em Portugal, o Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População, do Instituto Nacional de Estatística.
Segundo o levantamento, apenas 8,8% dos 1,2 milhões de pessoas que relataram ter sofrido discriminação registraram uma queixa formal.
"Essa é uma questão para a qual temos de olhar, como também temos de olhar para o número de arquivamentos que é muito elevado," afirmou Rodrigues aos deputados.
Entre os objetivos definidos pela nova presidente estão a revisão das metodologias da CICDR, com atenção especial às questões de prova, e a criação de canais de comunicação com o sistema judicial para identificar e solucionar obstáculos.
*Com informações do Público e CNN Portugal