Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República. Crédito: Assembleia da República, divulgação

Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República. Crédito: Assembleia da República, divulgação

Santos Silva atribui à máquina da extrema direita brasileira sua derrota eleitoral

Em entrevista à BRASIL JÁ, presidente da Assembleia da República culpa esquema de desinformação a favor do Chega

25/03/2024 às 15:17 | 7 min de leitura
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Augusto Santos Silva, a partir desta terça (26), não será mais presidente da Assembleia da República. Derrotado nas eleições legislativas do último dia 10, nos cálculos do político —extraídos dos resultados da Comissão Nacional de Eleições—, sem os votos dos portugueses inflados pela extrema direita no Brasil a história teria sido outra. 

"A razão pela qual não fui eleito tem a ver com a votação no Brasil. Isto é, se nós retirássemos os votos do Brasil, teria sido eleito o deputado da AD [Aliança Democrática] e o segundo teria sido eu próprio, como fui em 2019 e 2022", afirmou em entrevista exclusiva à BRASIL JÁ, na sexta (22). 

Para ele, o que explica o resultado do outro lado do Oceano Atlântico é a "máquina ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro ter trabalhado em favor do Chega" com "técnicas de manipulação e de desinformação que conhecemos".

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Os dados da Comissão Nacional de Eleições indicam que mais de 98 mil portugueses fora da Europa participaram das últimas legislativas. O Chega teve 17 862 votos e o Partido Socialista, de Santos Silva, teve 14 343 votos. A Aliança Democrática (AD), atualmente a primeira força no Parlamento, teve 22 470. Assim, Chega e AD conquistaram, cada um, uma das duas cadeiras eleitas pelo voto fora da comunidade europeia. 

Mas se por um lado o resultado decepcionou Santos Silva, por outro o parlamentar conserva certo otimismo em relação ao futuro político de Portugal ao considerar que haverá um esvaziamento da extrema direita, personificada no país pelo Chega.  

"Eu continuo a achar que não há uma base cultural da sociedade portuguesa que favoreça que haja em Portugal o mesmo que houve no Brasil, portanto, que o Chega venha liderar um governo ou eleger um presidente. Não acho. Posso estar enganado, mas não acho mesmo."

Durante a legislatura, iniciada em 2022, quando o Partido Socialista tinha uma maioria absoluta na Casa, Santos Silva travou embates acalorados com representantes da extrema direita no plenário do Palácio de São Bento. 

Talvez por isso em entrevista à BRASIL JÁ (veja abaixo), para além da análise sobre o Chega, Santos Silva também tenha chamado atenção para o surgimento do partido Alternativa Democrática Nacional (ADN), que ele associou a igrejas neopentecostais.  

Segundo o político, a ADN fez campanha pelo Chega no Brasil e serviu como "balão de ensaio" de algo semelhante a uma "bancada da bíblia". Apesar desse somatório de forças à direita da direita, Santos Silva afirmou que é a "involução" da direita que chamou de democrática que o preocupa.  

"Eu sou muito mais atento a qualquer hipotése de involução do PSD, do que propriamente ao circo que o Chega monta", argumentou. 

Confira a seguir a entrevista completa com o, até hoje, presidente da Assembleia da República. 

Augusto Santos Silva, de perfil. Crédito: Reprodução X Augusto Santos Silva

Sobre a ascensão da extrema direita em Portugal, o senhor não foi reeleito deputado, e isso ficou muito explícito no círculo de imigrantes no Brasil.

Eu creio que Portugal, infelizmente, acompanhou um fato novo que está sentindo toda a Europa, e que o eleitorado do Chega resulta de três grupos diferentes: um grupo de pessoas que eram tradicionalmente abstencionistas —o voto em Portugal não é obrigatório—, pessoas que não iam votar e que por não se sentirem representadas no espectro partidário existente e que viram no Chega e, em particular, no seu líder [André Ventura], uma expressão da sua atitude. Um segundo grupo de pessoas que se consideram abandonadas pelo establishment democrático português. Pessoas zangadas, frustradas com o fato de as suas convicções de vida não corresponderem às suas expectativas e culpando o sistema democrático por isso. E um terceiro grupo que daqueles que, superficialmente, ou mais convictamente, subscrevem as bandeiras principais da extrema direita: sua homofobia, o seu machismo, o seu racismo, a sua xenofobia, o seu nacionalismo... 

Eu acho que 1,1 milhão de eleitores que votaram no Chega é o resultado circunstancial da soma desses três grupos. 

No caso específico do meu círculo eleitoral, fora da Europa, a razão pela qual não fui eleito tem a ver com a votação no Brasil. Isto é, se nós retirássemos os votos do Brasil, teria sido eleito o deputado da AD [Aliança Democrática] e o segundo teria sido eu próprio, como fui em 2019 e 2022. É no Brasil que os votos desequilibram muito em favor da extrema direita. E isso tem uma razão simples e direta, que foi o fato de a máquina ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro ter trabalhado em favor do Chega, desta vez com técnicas de manipulação e de desinformação que conhecemos. 

O senhor acha que essa "máquina" teve um peso bastante relevante no resultado?

Sim. No caso específico de fora da Europa, em Portugal, desta vez, houve um ensaio que ainda se prestou pouca atenção, mas que eu acho que parece uma desatenção da nossa parte, que foi o surgimento de um partido chamado ADN [Alternativa Democrática Nacional], que teve um envolvimento grande de pelo menos três pastores evangélicos daqueles neopentecostais. Foi um balão de ensaio. (...) No Brasil, fizeram uma campanha pelo Chega. E é preciso ter em conta esse fato. Quer dizer, o resultado do Chega no Brasil resulta sobretudo da influência da comunidade portuguesa e luso-brasileira do grupo, da corrente ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro e também, já se nota, de correntes evangélicas que apoiaram o presidente Bolsonaro, como vocês chamam a bancada da bíblia. 

Se nós retirássemos o Brasil, a votação nos outros centros de votação de portugueses fora da Europa: Estados Unidos, Canadá, Macau, África, essa votação daria um deputado para a direita democrática e outro deputado para o Partido Socialista. Foi o Brasil que desequilibrou.

O senhor tem uma análise em relação à perspectiva para o futuro?

Eu acho que as condições em que se realizou esta eleição eram extremamente favoráveis ao crescimento do Chega. Esta é uma eleição antecipada, motivada pelo fato de o nosso Ministério Público ter lançado um inquérito-crime, uma investigação judicial ao primeiro-ministro [António Costa], e ter dado conhecimento público disso, levando o primeiro-ministro a demitir-se, o presidente [Marcelo Rebelo de Sousa] não aceitou que o Partido Socialista indicasse um novo primeiro-ministro, dissolveu a Câmra, que nós chamamos Assembleia da República, o nosso Congresso, e convocou eleição. 

E portanto, eleição que ocorreu num clima que foi muito favorável ao Chega. Porque o Chega inventa corrupção em todo lado, menos nas suas fileiras. E, portanto, fomos para uma eleição fora de tempo, por causa de uma demissão de um primeiro-ministro, que tinha sido declarado pelo nosso Ministério Público suspeito de ter cometido um crime. Já agora, cinco meses depois, não há nenhuma informação que tenha vindo do Ministério Público sobre como é que está esta investigação, que crime terá sido cometido etcetera. 

Portanto, creio que o Chega chegou a um resultado muito forte, sem dúvida nenhuma, embora claramente minoritário, e tudo vai depender do próximo governo. Se for um governo que cumpra o seu mandato e a situação econômica em Portugal continuar razoavelmente boa como está, eu creio que o Chega será um balão que se vai esvaziando. Pelo contrário, se continuar uma certa instabilidade política, se o governo não conseguir fazer passar no Congresso as suas leis mais importantes, aí pode acontecer que o Chega ainda tenha margem para crescimento. 

Como fica o peso do Chega, agora na Assembleia da República?

A Câmara, o Congresso, tem 230 deputados. E portanto, o Chega, neste mommento, tem digamos um quarto dos deputados, é o terceiro maior grupo parlamentar. Vai, provavelmente ter uma das vice-presidências da Assembleia, visto que o PSD já disse que lhes daria os votos suficientes —para serem eleitos são necessarios 116 votos. E na lei portuguesa, um quinto dos deputados podem provocar comissões de inquérito parlamentar. E esse é o grande novo poder que o Chega passa a ter. 

Não têm, evidentemente, o poder de determinar o resultado, mas têm o poder de abrir a comissão de inquérito e, portanto, levar aquela forma de luta política em que o Chega é especialista, a chamada 'luta da lama', também para a comissão de inquérito. À luz da lei portuguesa, como no Brasil, aliás, na comissão de inquérito tem poderes judiciais, portanto as pessoas são obrigadas a comparecer quando são chamadas, são sujeitas a interrogatório, são sujeitas àquela verificação da falsidade das declarações, portanto prestar declarações falsas numa comissao de inquérito é um crime, e podem ser questionadas sobre tudo e mais alguma coisa. Eu acho que esse é o grande poder que o Chega passa a ter.

Devo dizer que o Chega tem um poder que eu não compreendo que é tratado pela midia como se fosse quase o melhor partido. E não é. São só, agora, cinquenta deputados, que é um número grande, mas são só cinquenta. O PSD tem 78, o PS 78 e, portanto, o Chega não tem nem de longe a maioria no Parlamento e vai ter, provavelmente, a maioria das suas propostas chumbadas [derrubadas] no Parlamento. Mas a mídia atua como se eles fossem as estrelas. Naquela lógica de que quanto mais barulho fizerem, quanto mais expressões chocantes usarem, quanto mais insultarem, maior probabilidade de saírem na mídia, sobretudo na televisão. É uma pena. 

Eu continuo a achar que não há uma base cultural da sociedade portuguesa que favoreça que haja em Portugal o mesmo que houve no Brasil, portanto, que haja uma vitória, que o Chega venha liderar um governo ou eleger um presidente. Não acho. Posso estar enganado, mas não acho mesmo. 

Conversando com uma amiga portuguesa, ela me atentou para um coincidência: 50 anos do 25 de abril e o Chega consegue cinquenta deputados.

É uma simbologia triste. Mas não há que desanimar. A ideia de que eles são cinquenta, tiveram 18% dos votos, também significa que há 180 deputados que estão completamente confortáveis com o regime democrático que existe em Portugal, com o regime de direitos, liberdades e garantias que nós temos, e com a nossa tradição de abertura ao estrangeiro, de emigração e imigração etc. E há 82% dos portugueses que votaram nos partidos que estão confortáveis com o regime democrático. Eu digo sempre aos jornalistas e amigos: não demos ao Chega o valor que o povo não quis dar.

Como o senhor avalia as propostas que tratam de imigração do Chega?  

Eu sou favorável a uma política de atração e de integração de imigrantes. Creio que essa é a tradição portuguesa. Creio que Portugal é um país que está, pela sua história, especialmente bem preparado para entender o contributo que os imigrantes trazem a sociedade de acolhimento, porque nós proprios somos um país de emigrantes, e creio que a legislaçãoo portuguesa é muito razoável. E o acordo que fizemos da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], que torna mais fácil a imigração para Portugal de lusófonos, é uma medida de política muito inteligente, porque também facilita a integração dos imigrantes na sociedade portuguesa, basta não terem a barreira da língua para ultrapassar. Agora, eu sou parte suspeita porque eu fui o ministro das Relacoes Exteriores, que negociou esse acordo. 

Agora, a posição do Chega está nos antípodas do que penso, mas o Chega é um partido muito oportunista. Dizem uma coisa num dia e são capazes de dizer uma coisa diferente no dia seguinte. Portanto, devo dizer, com toda a franqueza que me preocupa não é o que o Chega propõe, mas o que a direita democrática venha aceitar do que o Chega propõe. Portanto, eu sou muito mais atento a qualquer hipotése de involução do PSD, do que propriamente ao circo que o Chega monta. Porque o PSD é tradicionalmente favorável de imigração e de imigração regulada, legal, como no PS, quando este acordo da CPLP, acordo internacional, tem que ser aprovado pelo Parlamento, e foi aprovado quer pelo PS, quer pelo PSD. E teve, aliás, o voto de todos os grupos, de todos os partidos, menos o Chega. 

Agora, às vezes eu vejo em Portugal e na Europa, uma direita tremer face a extrema direita, e a deixar-se seduzir pela extrema direita. Isso é o que preocupa. 

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