24/09/2024 às 11:24
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Na Guarda Florestal —um setor específico da Guarda Nacional Republicana portuguesa—, Lucas Pedrosa Dias é, segundo ele, o único brasileiro. Nas últimas semanas, quando parte de Portugal ardeu em chamas, o jovem de 27 anos esteve no front dos incêndios, se arriscando e salvando vidas.
Nascido em Belo Horizonte (Minas Gerais), atualmente Lucas vive em Rebordosa, no Norte de Portugal, a 25 quilômetros do local onde trabalha, em Santo Tirso.
O rapaz é neto de uma portuguesa da região de Lordelo e foi ao lado do pai, que é aposentado, e da mãe, técnica em enfermagem no Brasil e auxiliar de medicina dentária em Portugal, que Lucas resolveu migrar em busca de uma vida melhor.
Quando deixou o Brasil, há oito anos, Lucas tinha acabado de finalizar o ensino médio e estava à procura de um curso superior.
“Quando cheguei, nem sequer tinha muita noção da carreira [de guarda florestal] em si e das funções. Só quando prestei o concurso e passei, realmente conheci o que era ser um trabalhador da Guarda Florestal”, afirmou.
Para a formação da guarda, ele se deslocou do Norte para o Alentejo por três anos.
O Norte consumido pelo fogo
Há exatos onze dias, Lucas e companheiros na Guarda receberam o alerta sobre o fogo que devastou parte significativa do território português. A mobilização começou no dia 13, coincidentemente uma sexta, data que costuma ser associada ao azar.
Superstições à parte, o rapaz e os colegas estavam de prontidão para agir contra os, até então, possíveis incêndios.
Três dias depois, segunda (16), o status das ocorrências mudou para situação de alto risco e foi dada a ordem para que ninguém ficasse nos postos de trabalho —no dia a dia, parte dos profissionais da Guarda também exerce funções administrativas.
“Tínhamos que estar fora, fazendo a vigilância, e, na eventualidade de detectar qualquer coluna de fumaça ou incêndio, deveríamos avisar”, contou.
Na terça (17), os incêndios eclodiram de vez em Santo Tirso, Valongo, na zona da Trofa, e também na fronteira da Maia, próxima a Vila Nova de Gaia, região metropolitana do Porto, onde o brasileiro afirmou ter recebido muitos alerta de focos de fogo.
Lucas e demais colegas, àquela altura, trabalharam por mais de nove horas consecutivas em uma função que, geralmente, é de seis. Entre as trocas de turnos, os companheiros que regressavam traziam informações detalhadas do inferno que ele e os outros encontrariam.
“Eu dormi no próprio posto, não voltei para casa na terça-feira. Trabalhei a tarde toda, das 13 horas às 21h30. Quando saí, só tive tempo de dormir lá mesmo, no serviço, pois sabia que às 6 horas da manhã de quarta [18] eu já estaria de pé para voltar.”
Dar por finalizado o expediente na Guarda só é possível com rendição, ou seja, quando um colega assume o seu posto. É um revezamento e as patrulhas são feitas em dupla. Mas na semana em que o norte de Portugal ardeu, as equipes eram de quatro guardas.
A missão naquele momento era convencer e ajudar moradores a deixarem as casas com mais risco de serem engolidas pelo fogo. “Não sei ao certo quantas residências a gente esvaziou. Foram muitos lugares... Mas, sem dúvida, foram, pelo menos, mais de cinquenta”, estimou Lucas.
O guarda também não soube precisar quantas pessoas foram salvas nessa dinâmica, no entanto, lembra que ajudou muitos idosos com mobilidade reduzida. “Felizmente, nenhum deles ferido”, celebrou o jovem.
Famílias inteiras deslocadas
Em vilarejos mais isolados de Portugal, locais em que Lucas precisou estar, é comum que haja mais idosos. No entanto, o guarda disse que nas aldeias também ajudou pessoas de várias nacionalidades e famílias inteiras que precisaram se deslocar.
A atividade de risco de Lucas, tendo que ir até esses pontos mais isolados do território, afligiu muito a mãe dele. Uma preocupação lastreada em fatos: durante a semana mais crítica, três bombeiros que combateram diretamente as chamas morreram e um quarto teve uma morte súbita no intervalo do ofício.
“Acho que ela [a mãe] é a que mais sente, pois nunca se sabe quais caminhos eu vou ter que percorrer. Aliás, nem eu sei. Ela só se acalmou quando eu enviei a mensagem dizendo que tinha encerrado o serviço. E nesse dia, em especial, foi pior porque eu nem voltei para casa, né?”, lembrou o guarda.
A prioridade de Lucas e dos outros guardas era retirar as pessoas o mais rápido possível das zonas de maior risco. Mesmo com uma preparação exaustiva que vem de horas e horas de treinamento, às vezes a emoção toma conta. “Ver o alívio dessas pessoas é a melhor parte”, afirmou.
Negligência, bitucas e eucaliptos
Sobre as causas dos incêndios, Lucas opina que, em muitos casos, eles ocorrem por negligência de quem coloca fogo no lixo ou atira bitucas de cigarro no mato. Ele critica, ainda, a indústria da celulose e dos perigos que Portugal enfrenta por ter uma vasta plantação de eucaliptos.
“É uma questão que me causa um pouco de revolta (...) Nós temos toda a questão do lucro, que, no fim, sempre fala mais alto. Também temos a parte governamental, que não atua sobre isso como deveria (...) Portugal é dominado por eucaliptos, que são a pior espécie possível no que diz respeito à propagação do fogo", afirmou.
Isso acontece porque os eucaliptos são árvores que crescem rápido e, portanto, alimentam a atividade lucrativa de produção celulose.
“Provavelmente, nas áreas que arderam agora, não haverá nenhum tipo de intervenção. Elas [as árvores de eucalipto] vão voltar a crescer. E pronto: nós acabamos entrando num ciclo vicioso”
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