Artur Jorge Rodrigues de Amorim Girão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Aima. Foto: Déborah Lima

Artur Jorge Rodrigues de Amorim Girão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Aima. Foto: Déborah Lima

'Um imigrante não é um criminoso', diz Jorge Girão, presidente do sindicato da Aima

Artur Jorge Rodrigues de Amorim Girão concedeu entrevista exclusiva à BRASIL JÁ

23/07/2024 às 08:11 | 4 min de leitura
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Artur Jorge Rodrigues de Amorim Girão é diretor do Departamento de Acesso Multicanais da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima). É ele quem está à frente de gerenciar o acesso dos usuários aos serviços da agência através de canais presencial, telefônico e digital.

Com uma carreira dedicada à imigração, Jorge Girão iniciou sua trajetória profissional no extinto Serviço de Estrangeiros Fronteiras (SEF) em março de 2000, passando por diversas funções, desde atendimento ao público até cargos de gestão, acumulando 24 anos de experiência na área.

Mas, além de sua posição na agência, também atua como presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Aima, cargo que ocupa há cerca de oito anos —e é como dirigente do sindicato que ele concedeu esta entrevista à BRASIL JÁ.

Em conversa com a reportagem, ele revelou que a motivação para se envolver na luta dos trabalhadores surgiu da busca por representação da carreira não-policial, destacando a importância de tratamento digno aos imigrantes.

“Um imigrante não é um criminoso. É uma pessoa que vem à procura de uma vida melhor. E havia um olhar demasiado policial sobre estas coisas”, diz em crítica ao modelo do extinto SEF.

Nascido em Moçambique em 1973, Girão teve uma infância marcada pela migração. Embora não tenha crescido no continente africano, ele mantém forte conexão com suas raízes e entende o valor de uma sociedade diversa e multicultural.

A seguir, trechos da entrevista:

Quais os desafios do sindicato desde que você assumiu a presidência, há oito anos?
O que nós pretendíamos era uma separação muito clara entre o que eram funções policiais e funções não-policiais. Entendemos que as funções policiais no SEF eram aquilo que diz respeito à fronteira e à investigação criminal e à fiscalização em território nacional, o que é legítimo.

Já a questão documental, da verificação de documentação simples de um imigrante em território nacional, devia ser tratada por uma entidade não-policial. 

Obviamente, as consultas à base de dados, o cumprimento da legislação comunitária sobre o espaço Schengen tem que ser cumprido, tem que haver uma interligação. Mas a linha de frente, o primeiro contato do imigrante, não teria que ser necessariamente com um funcionário imbuído de cariz policial.

Isso fez com que o sindicato fosse a favor, então, do fim do SEF?
Não, necessariamente. O sindicato não era a favor do fim do SEF. O que o sindicato pretendia era uma divisão dentro do próprio SEF, porque reconhecíamos as vantagens do sistema em si, isto é, ter as matérias de imigração de todos no único organismo.

E, portanto, defendemos a continuidade do SEF como modelo, mas [defendíamos] a reestruturação das funções internas, com esta separação.

São mais de 400 mil processos pendentes. Qual a área dentro da Aima que mais precisa de reforço de pessoal?

Evidentemente, temos duas grandes áreas agora [que necessitam de mais gente]. A área do atendimento presencial, [que poderia ser compensada com] a criação de mecanismos tecnológicos que possam substituir nos balcões e permita que os serviços sejam tratados [de maneira] online.

Também acho importante reforçar a vertente do acolhimento. Acredito que devemos reforçar seriamente este aspecto.

Qual é o estado de ânimo hoje entre os funcionários?
As pessoas querem que funcione, mas estão desanimadas porque esperavam que nesta altura estivéssemos mais reforçados em termos de estrutura humana e tecnológica e isso ainda não aconteceu.

As pessoas gostam de ver algo a construir, mas neste momento ainda não vemos a casa a crescer.

Houve um anúncio de um concurso público que haveria junto com a Ordem dos Advogados para reforçar o atendimento aos imigrantes. Isto não saiu do papel ainda. Tem alguma informação de que isso pode sair?

Acho que não.

Houve esse comentário dentro da agência?

As pessoas, por acaso, não aceitaram muito bem esse comentário, porque entendiam que poderia haver ali conflito de interesses. Mas como nunca chegou a vir cá para fora, nunca perceberam as condições. Para nós é um não-assunto.

Sobre as propostas de reforço de capital humano, você acha que isso vai ser suficiente para colocar a Aima para funcionar?
Capital humano mais capital tecnológico. Volto a dizer que estamos no século 21 e a tecnologia tem de ser uma ferramenta que todos devemos saber utilizar da melhor maneira. [A soma de] reforço de trabalhadores e do reforço de tecnologia [fará com que] a Aima num prazo razoável consiga dar a resposta que se pertence para o século 21 ao nível daquilo que é a documentação dos estrangeiros em Portugal.

Na apresentação do Plano de Ação para as Migrações, o ministro prometeu, de modo geral, resolver as questões que você mencionou, como o reforço do capital humano e tecnológico. No entanto, não apresentou medidas concretas.
Ora, aí é que está. Assim que ele estiver cá fora, é um bom plano. Quando a Aima arranca [começa a funcionar], um mês depois ficamos sem governo. O governo cai, porque houve aquela noção de que o governo caiu. E a agência ficou, não digo órfã, mas quase, porque cedo se percebeu que viria outro governo e que poderia ter outras ideias.

E a agência entrou aqui num período de "ok, vamos continuar a fazer, mas podemos estar a fazer coisas que a vez de seguir pode não concordar. Portanto, teremos que ir fazendo as coisas. Não parar, mas atenção que há aqui estratégia de médio prazo que pode não ser implementada." Portanto, este plano foi importante por isso. Foi a nos dizer qual é que é a estratégia a médio prazo.

O fim da manifestação de interesse foi uma delas. É bom para a Aima?
Neste momento é bom para a Aima. Temos que ser objetivos. O sistema estava muito sobrecarregado. Precisámos de tempo para respirar. E precisámos de tempo para olhar para aquilo que está lá dentro, para aquilo que são as pendências.

Esse fôlego de que fala, você conseguiu sentir dentro da agência, entre os funcionários?

Fôlego não, mas o alívio consegui. Toda a gente... estou a generalizar demais. Algumas pessoas nos disseram assim: “até que enfim que pararam isto, que já estava muito difícil”. É verdade, houve este desabafo de algumas pessoas, e eu compreendo. Não é com má-intenção, mas as pessoas sentiam que todos os dias o sistema estava mais carregado e, com o que estava a sair para a rua, não dava vazão. As pessoas tinham esta percepção.

Acho que neste momento há um alívio porque está parado, pelo menos. Mas pelo menos agora estancamos a pendência e acho que as pessoas também estão a funcionar bem.

Espero que o país político português perceba que a questão da imigração é uma questão estratégica para Portugal e para a Europa. É bom que todos os partidos de todos os quadrantes entendam isto: o que é importante são as pessoas. É bom que às vezes paramos de olhar isso de esquerda e direita, e olhamos mais estrategicamente para as pessoas, o desenvolvimento regional e a cultura dos que aqui vivem. E a Aima pode ser um importante organismo para contribuir com isso.

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