“RTP1, Jorge Gabriel”. Sem mais palavras, a mensagem chegou-me por WhatsApp e, embora telegráfica, foi suficientemente intrigante para me afastar do computador, e apressar os passos para a televisão. Diante dos meus olhos, o apresentador do programa “Praça da Alegria”, exibia uma das mais primárias expressões de racismo de que há registo: o blackface.
Aconteceu no canal público da televisão portuguesa, na manhã do passado dia 10 de janeiro, numa emissão em que, para homenagear os Reis Magos, Jorge Gabriel surgiu com a cara pintada de negro, qual Baltasar. Como se não bastasse a gravidade da situação, em que a RTP1 demonstrou a sua profunda ignorância histórica e alienação, em vez de assumir o erro, começou por fingir que nada aconteceu, e, diante das primeiras críticas, apagou as “provas do crime” —vulgo imagens do apresentador— das suas redes sociais.
Denunciei isso mesmo à provedora do telespectador, acrescentando que se é verdade que o erro nada mais diz sobre nós a não ser que somos humanos, o modo como reagimos ao mesmo é revelador dos nossos princípios e valores. Terminei escrevendo que, ao apagar as imagens do blackface do apresentador Jorge Gabriel sem uma palavra, a RTP1 revelou desonestidade e imaturidade, quando deveria tentar aprender com o episódio, assumindo a falha. Aproveitei para deixar um repto: “Eduquem-se! Não nos insultem.”
Na emissão seguinte, e já depois de eu ter enviado a queixa, Jorge Gabriel, juntamente com Sónia Araújo —com quem divide a condução da “Praça da Alegria”, —quebrou o silêncio. “No último programa, numa homenagem aos Reis Magos, a caracterização de Jorge Gabriel como Rei Baltazar gerou desconforto em alguns telespectadores. Reconhecemos que esta situação não devia ter acontecido e, pelo facto, pedimos desculpa”.
No comunicado, lido em nome da Direção de Programas da RTP1 —e do qual citei o essencial— não há uma única referência à fonte do “desconforto” e, pior do que isso, reduz-se o blackface a um erro de caracterização, como se o problema estivesse numa escolha de maquiagem. Sabemos que não está. Da mesma forma que sabemos que por mais atrasado que Portugal esteja no domínio da literacia étnico-racial, não é admissível que se alegue desconhecimento sobre esta matéria, porque não têm faltado notícias sobre o tema, e há, inclusivamente, um espetáculo de teatro intitulado "Blackface", da autoria de Marco Mendonça. O que falta é coragem para ouvir quem continua a não ser escutado, e para ver o que tem sido invisibilizado e até apagado.
Recentemente investi cerca de quinhentos minutos nesse exercício. Sem pausas entre episódios, fui-me aproximando do autor e narrador, surpreendendo-me e emocionando-me a cada relato e entrevista, e maravilhando-me com a história. Dei por mim a chorar —umas vezes de angústia, e tantas outras de tristeza e de revolta—, e passei a sentir a música que acompanha cada reprodução como uma vibração da minha alma.
Corri a agradecer à minha amiga Dy pela recomendação, e, também sem perder tempo, partilhei com Deus e o mundo o link para o “Projeto Querino” [projetoquerino.com.br], rezando para que, mais cedo do que tarde, as pessoas em Portugal possam não apenas escutar o que Tiago Rogero narra em oito episódios, mas produzir uma série com a mesma inspiração histórica e identidade afrocentrada.
Enquanto os meus pensamentos viajam sobre essa possibilidade, pergunto-me: por onde começar?
Encontro respostas em quem lutou por novos começos, como Kwame Nkrumah, ex-presidente do Gana, para quem “a investigação era um dos instrumentos da colonização, de tal forma que a investigação em história tinha decidido que não havia história africana, e que os africanos colonizados estavam pura e simplesmente condenados a endossar a história do colonizador”.
Mais do que alertar para a farsa das correntes, o líder pan-africanista apontou-nos a chave para nos libertar delas: “Foi por essa razão que dissemos que tínhamos de partir de nós próprios para chegar a nós próprios”. De cara limpa!