O recado de Mark Zuckerberg foi cristalino: a construção de uma aliança estadunidense contra o “resto” do mundo. Como líderes desta aliança, ele próprio e Donald Trump.
Em jogo, uma disputa sobre regulação de plataformas digitais, sobre liberdade de expressão, mas também uma disputa geopolítica sobre controle da circulação de informações.
Zuckerberg sabe que informação é poder. Não à toa, ele se tornou a pessoa mais jovem do mundo a ficar bilionária. E os seus “ativos” são, justamente, informações sobre nós, sobre o que fazemos, sobre o que acessamos, sobre o que desejamos.
Da sua aparência de “bom moço”, alimentada durante anos em aparições públicas com um traje básico (camiseta de malha cinza, calça jeans e tênis), o dono do Facebook, Instagram e WhatsApp retirou a fantasia e, de uma vez por todas, apresentou a sua face autoritária.
Digo “de uma vez por todas” porque quem acompanha temas relacionados à internet sabe que de bom moço Zuckerberg não tem nada. A sua fortuna foi – e segue sendo – construída à base de:
- a) conivência com difusão de discursos de ódio e desinformação;
- b) usos opacos dos nossos dados pessoais; e
- c) exploração de minérios em territórios da África e América Latina.
Aliás, vale lembrar também que, conforme relatório publicado pela Organização das Nações Unidas, o Facebook teve papel crucial na exacerbação da violência em Myanmar, contribuindo com os discursos de ódio que deram sustentação à barbárie contra os muçulmanos rohingya.
Para termos uma ideia, estima-se que, em 2017, 10 mil rohingya foram assassinados, outros 700 mil foram forçados a fugir para Bangladesh, mulheres e meninas foram estupradas, homens foram torturados e centenas de aldeias incendiadas.
A respeito disso, abro aspas para o que disse Rin Fujimatsu, do grupo Progressive Voice: “o Facebook foi cúmplice de um genocídio. Já havia sinais e fortes apelos para que o Facebook lidasse com o incitamento à violência na plataforma, mas sua inação realmente contribuiu para fomentar a violência em Myanmar”.
Após pressão de organismos internacionais de direitos humanos, Zuckerberg reconheceu a permissividade da sua empresa, anunciou que reforçaria os mecanismos contra conteúdos xenófobos e, em 2018, eliminou contas de líderes militares que produziam discursos de ódio em Myanmar.
Agora, quase sete anos depois, além de ainda não ter indenizado os rohingya (a compensação requerida é de US$ 150 bilhões), o proprietário da META comunica o seguinte: o mesmo Facebook que contribuiu com o massacre de uma minoria étnica no sudeste asiático permitirá ainda mais circulação de discursos de ódio e desinformação.
É este, em meu entender, o sentido da expressão “voltar às nossas raízes” pronunciada três vezes por Zuckerberg no anúncio feito em 7 de janeiro deste ano.
E o que motivou esse retirar de máscara de Zuckerberg foi o fato de organizações da sociedade civil e também governos, de diferentes partes do mundo, já terem entendido que é urgente a regulação das plataformas digitais.
Por isso, países da Europa e da América do Sul têm construído legislações que protegem as suas populações contra discursos de ódio e desinformação no ambiente digital.
É contra os avanços democráticos dessas legislações que Zuckerberg declara guerra. As suas palavras não deixam dúvidas:
“Vamos trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por ais censura. Os EUA têm as proteções constitucionais mais fortes do mundo para a liberdade de expressão. A Europa tem um número cada vez maior de leis institucionalizando a censura e dificultando a inovação. Países da América Latina têm tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa. A China censurou nossos aplicativos, impedindo que eles funcionem no país. A única maneira de resistir a essa tendência global é com o apoio do governo dos EUA”.
Trocando em miúdos, o que Zuckerberg expressou foi: de um lado, ele, Trump e aquela ideia que os estadunidenses alimentam de que são eles os salvadores do planeta. Do outro, Europa, América Latina e China, os inimigos a serem combatidos.