Leo Middea no palco do Festival da Canção 2024. Crédito: Pedro Pina

Leo Middea no palco do Festival da Canção 2024. Crédito: Pedro Pina

Leo Middea, o cantor brasileiro que une força e sutileza para conquistar fãs pelo mundo

Artista celebra dez anos de carreira com shows no Porto e em Lisboa

08/10/2024 às 14:38 | 8 min de leitura

Não se engane pela voz doce e as sutilezas dos acordes do carioca Leo Middea. Suas músicas e shows têm a força poderosa da periferia do Rio de Janeiro, de onde saiu para encantar o mundo. Nos seus 29 anos, dez deles de carreira, e com cinco discos lançados, o artista conquista públicos cada vez maiores por onde passa: Brasil, Argentina, Portugal, Espanha, Suíça, Inglaterra. 

Neste ano, ele ficou entre os três melhores cantores do Festival da Canção da RTP em Portugal com a sua “Doce Mistério”. Não é pouco o feito: foi o primeiro brasileiro a disputar a competição de onde saíram grandes artistas portugueses; e ainda ficou entre os três melhores, tanto na escolha do público como na do júri especializado. 

Apesar do sucesso em terras portuguesas, Middea se mudou para Barcelona. Mas voltou este mês para shows em Lisboa e no Porto. Leia parte da conversa que tive com ele no final de setembro. Como eu disse: não se engane com sua voz doce. 

Ele é, na verdade, um furacão.

Leo Middea e banda dia 10 de outubro na Cidade da Música, no Porto e para quem está em Lisboa dia 12 de outubro, no Time Out.

Leo Middea e banda se apresentam dia quinta (10) no Porto e sábado (12) em Lisboa - Foto: Divulgação
Por que se mudou para Barcelona?  

Na época do Festival da Canção eu estava meio confuso, procurando um apartamento em Lisboa e tinha surgido um apartamento em Barcelona. Como não encontrei em Lisboa, eu falei: vou pra Barcelona.  

Eu acho que Lisboa está com saudade de você. Vai aproveitar os shows em Portugal (Lisboa e Porto) para matar a saudade?  

Pois é. Vou fazer show no estúdio Time Out em Lisboa, no dia 12 de outubro. Tô muito feliz. Eu estive 7 anos em Lisboa e acho que é a maior casa de shows que eu vou cantar. Também ir ao Porto, à Casa da Música [10 de outubro], a tão famosa Casa da Música de que todo mundo me falava e, agora, finalmente eu vou tocar lá.  

A sua história com espanhol começou bem antes da sua mudança, não?  

Com 18 anos, eu fiquei um tempo em Buenos Aires. Não me mudei propriamente, mas eu fui lá pra fazer meu primeiro show da vida. Porque no Rio de Janeiro, na época que eu lancei meu primeiro disco, eu tinha muita dificuldade de entender como fazer show no Rio. 

Depois, mais tarde, eu consegui compreender que no Rio de Janeiro, infelizmente, não sei como é que é agora, espero que tenha melhorado, mas há dez anos tinha uma divisão de quem fazia MPB. 

Quem fazia MPB na Zona Sul carioca, os caminhos estavam mais abertos. Mas para a galera que fazia MPB mais no subúrbio, era complicadíssimo. Porque a Zona Sul não abria as portas e também o subúrbio do Rio de Janeiro não é bem o cenário de uma música popular brasileira. A MPB não é o cartão postal do subúrbio. Lá é principalmente o samba. 

E você é MPB. 

Embora eu goste muito do samba, acabou que a minha naturalidade para compor foi mais pro lugar de MPB. E aí nisso eu encontrava muita dificuldade e não conseguia tocar no Rio de Janeiro. E aí surgiu uma possibilidade em Buenos Aires e foram mais ou menos 28 shows lá na Argentina. 

Eu não conseguia fazer um show no Rio de Janeiro, na minha cidade, e fui fazer logo 28 shows na Argentina. Mas minha história começou ali, em Buenos Aires. 

O que o público do Porto e de Lisboa vai conferir nesses seus shows aqui?  

Eu tô tentando entregar algum show que abrace um pouco todos os meus discos, dando ênfase ao último, porque é o que eu tô trabalhando mais e talvez as pessoas estejam conhecendo mais. Eu puxei uma música lá do meu primeiro disco, que eu não toco há não sei quantos anos; tem música do meu terceiro disco. Então tem de todos os discos. 

Estou tentando montar um set list em que consiga navegar um pouco por essa história toda. E que sinta essa energia. Essa energia dos dez anos.  

Este ano tem sido interessante artisticamente para você, não? Cito o Festival da Canção, que juntou as celebrações pelos 60 anos do programa ao mesmo tempo em que homenageou os 50 anos do 25 de Abril. 

Esse ano tem sido de marcos. Os sessenta anos do festival, meus dez anos de carreira, vai ser a primeira vez que eu vou fazer cem shows em um ano. É a minha primeira vez fazendo muitas coisas. E olhando para trás, desses sete anos em Lisboa, propriamente, cara, ter estado no Festival da Canção foi um acontecimento que jamais poderia imaginar que ia acontecer. 

Como imigrante, conseguir um espaço desse foi algo muito importante pra mim e vejo como uma realização profissional. Eu adorei estar lá no festival, poder ter chegado tão longe, ter chegado na final, ter ficado em segundo lugar pelo júri, então acho que foi tudo muito interessante. E é um desejo, obviamente, querer voltar ao Festival da Canção em algum momento porque realmente é um ambiente muito interessante. 

E como tem sido a troca de Lisboa por Barcelona? 

Tem sido de muito aprendizado. Seja profissional, pessoal, linguístico. Eu tô trabalhando muitas coisas. Barcelona foi um lugar para onde eu vim acidentalmente. Quer dizer, acidentalmente porque foi meio que uma fuga. Eu vim meio foragido de Lisboa. 

Leo Middea nos bastidores do Festival da Canção - Foto: Jordan Alves
Do que você fugiu? 

Apesar daquelas dificuldades todas de imigrante, que todos os imigrantes falam sobre estar em Portugal, eu acabei me apaixonando em Lisboa, e fiquei por essa paixão. E acho que foi a melhor decisão que tomei, porque de certa forma ela revolucionou minha vida no sentido de ficar em Lisboa, de me ajudar, dar apoio, um apoio emocional que eu não tinha naquele momento da minha família. 

Todo aquele momento de construção foi importante pra mim, e depois que a gente terminou, eu vi que Lisboa já não era uma cidade. Lisboa era uma pessoa, e aquilo começou a me fazer muito mal. 

Eu não conseguia entender o que era aquilo. Foram sessões de terapia para entender internamente e quando eu percebi que Lisboa era uma pessoa, eu pensei: cara, eu preciso me desvincular pra poder talvez me sentir um pouco melhor, porque realmente estava desgastante. Foi quando decidi vir para Barcelona. 

Você estava sofrendo por amor. 

Eu estava destruído. E eu não sabia. Eu me sentia mal. Eu só sabia o que era esse meu “me sentir mal”. Por isso que eu fui pesquisar com terapia e me observar internamente porque eu estava me sentindo tão mal naquele momento. Fui para o Brasil, fiquei perto da minha família para entender. Foi quando eu percebi que estava mal porque Lisboa se transformou numa pessoa. 

Eu precisava desconectar daquela pessoa, daquela cidade. Eu precisava entender que Lisboa é uma cidade, não uma pessoa. Pela minha incapacidade de conseguir superar a cidade, eu pensei em muitas coisas, como por exemplo voltar para o Brasil. Só que com os trabalhos na Europa aumentando cada dia mais, eu precisava estar aqui. Por isso que eu fui pra Barcelona. Por ter amigos aqui, eu me senti acolhido.  

Fez sentido, então, Barcelona. 

Sim, eu falei: vou pra Barcelona ficar uns meses e tentar me resolver. Esses meses viraram o aluguel de um apartamento e aqui estou. Só que isso também me trouxe uma expansão territorial, porque estando em Barcelona é mais fácil navegar por outros lugares da Espanha, da Europa. 

Eu fui percebendo a minha relação com o público, principalmente o espanhol, que eu não fazia ideia que era tão forte. Nesses dias eu estava tocando em Sevilha e tive recorde de público que nem em Portugal consegui atingir. A locomoção aqui também é mais fácil. Eu percebi que ajudou demais na minha carreira. 

Deu certo, digo, superou, está amando de novo? 

Não estou amando. Estou solteiro. Mas também estou trabalhando tanto, cara, que nem consigo ter tempo. Por exemplo, estou morando em Barcelona, mas em setembro eu só fiquei três dias em casa. Então, é difícil manter um relacionamento. 

Só se for algo muito forte, muito orgânico, natural, que surja. Mas neste momento estou trabalhando tanto que acho que não tem espaço na minha cabeça. 

A receptividade do público, então, tem sido boa aí na Espanha. 

Eu estou aqui há três meses e tenho vários convites de entrevista. Algumas eu nego, algumas eu aceito pela questão linguística mesmo, por não me sentir preparado, mas eu vejo que esses caminhos estão começando a se abrir aqui, eu achei superinteressante. 

Tenho visto na Espanha os caminhos se abrirem, como em Portugal, e é muito bonito. Isso me faz querer estar mais perto da língua. Eu comecei a estudar o idioma. Nos shows aqui na Espanha, eu tenho colocado uma música ou outra em espanhol e brincado um pouco com o idioma por causa disso. 

Você falou das influências da MPB. Como é do Rio de Janeiro, tem o samba, mesmo o funk, imagino. O que o forjou como artista, digo, o que você ouvia que fez de você um artista? 

A minha mãe escutava muito Beatles e rock dos anos 60. Eu fui crescendo e tendo referências do que eu escutava ali no meu bairro. Tinha muito essa coisa do indie rock, essa cultura do indie rock alternativo, além do samba. Mas aí a minha irmã, quando eu tinha mais ou menos 15 anos, chegou com o disco “Canções de Apartamento” do Cícero, que também é carioca. Esse disco revolucionou a minha vida. 

Acho que até então eu não tinha referência de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Eu não tinha referência desse pessoal da nata da música brasileira. Quando eu escutei o disco pela primeira vez, aquelas canções, aquelas letras, as melodias entraram em mim de uma forma que me deu vontade de entregar para outra pessoa aquilo que aquele disco estava me trazendo. Como se aquilo fosse uma dádiva que eu precisava compartilhar com outras pessoas. 

 Foi o que acendeu em você a chama da arte? 

Foi a primeira vez que eu tive um certo interesse em querer escrever músicas, porque eu queria passar esse sentimento para uma outra pessoa. O disco do Cícero me trouxe a vontade de querer ser músico, de querer cantar, escrever músicas. Aquele disco revolucionou tudo na minha vida. Sim, é a partir daquele momento eu quis conhecer as fontes que Cícero bebia ali. 

Foi quando comecei a conhecer Los Hermanos, o Marcelo Camelo, que eu encontrei em Lisboa, depois Malu Magalhães, que participou do meu disco. Eu conheci os clássicos do geral: Jorge Ben, Chico Buarque, Caetano. Eu só conheci esse pessoal clássico da MPB por causa de Cícero. 

E quem são seus ídolos hoje? 

Muita gente. Eu tenho um carinho emocional muito forte pela escrita de Gilberto Gil. Eu não sei quem seria mais forte, mas varia de tempo em tempo. Às vezes escuto Caetano o dia inteiro. Às vezes só Rita Lee toca em casa. Então, depende. Depende do dia, depende do meu mundo. Alterna o dia, alternam os artistas.  

E quais parcerias musicais você sonha em ter? 

Eu sempre tive essa vontade de ter parcerias musicais. Mas depois a gente vai gravando discos, vai entendendo as impossibilidades. Hoje às vezes até nem penso mais sobre isso. 

 Você chama a burocracia de se chegar em outros artistas, autorias, arranjos etc. de impossibilidades? 

Sim! As burocracias. Eu acho que é o mais complexo. Mas pensando em parcerias e jogando talvez... Eu não sei. Esses dias eu não tava aqui em Barcelona, mas teve show da Mayra Andrade. E aí quando eu vi meus amigos daqui postando stories do show dela, eu lembrei que, porra, seria um feat interessante. Porque foi para a Mayra Andrade, por quem sou extremamente apaixonado, que eu fiz, na verdade, a música “Balanço de Amor”. 

Era para ela cantar comigo. Ou seja, eu fiz a música exatamente pensando em entregar a Mayra. Mas é muito difícil eu pensar qual seria a parceria ideal. É complexo. Se toda a galera que eu amo pudesse participar de alguma coisa minha, eu ficaria extremamente contente. 

O que você tem ouvido ultimamente? 

De novidade, eu gosto muito de Martins. Martins e Américo têm uma parceria, mas o trabalho solo do Martins, eu gosto muito. Inclusive, fui num show dele em Lisboa há pouco tempo. Eu o acho, tipo, surrealmente bom. Gosto muito do Zé Ibarra, Gilsons. Eu bebo muito da fonte deles. Inclusive, tive a oportunidade de dividir a noite com o Gilsons ano passado em Zurique e estar com eles de perto e sentir toda aquela energia foi muito especial pra mim.  

O que você está planejando para seu 2025? 

Eu ainda quero fechar 2024 com um disco ao vivo que eu gravei já há um tempão, mas nunca consegui parar pra vê-lo com carinho. É um disco de que tive ideia em dezembro do ano passado, e eu comecei a gravar uns shows voz e violão em Porto Alegre, BH [Belo Horizonte], Florianópolis. Tem shows na Suíça, em Londres, Amsterdã. Gravei em várias cidades. 

E aí a minha vontade era fazer um disco ao vivo, voz e violão, uma música por cidade. Ele passa esse sentimento do público de diferentes culturas. Eu só tenho que parar pra dar uma atenção, fazer aquela coisa toda de mixagem, masterização, escolher uma capa e lançar. Eu quero lançar ainda esse ano. Outro plano é gravar outro disco de estúdio. Eu 

tô começando a produzir as músicas que já tenho escritas. Estou no momento de entender o caminho desse disco, a sonoridade. Eu não sei se ele vai estar pronto em 2025, mas com certeza em 2025 vamos ter alguns singles desse disco. 

Os shows: 

Leo Middea e banda dia 10 de outubro na Cidade da Música, no Porto e para quem está em Lisboa dia 12 de outubro no Time Out. 

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