Tempurá. Crédito: Noemí Jiménez, Pexels

Tempurá. Crédito: Noemí Jiménez, Pexels

Mesa Compartilhada - O surgimento do tempurá

Chef reconhece a contribuição portuguesa para o surgimento da técnica, mas pondera que japoneses foram além

05/10/2024 às 14:08 | 3 min de leitura

Uma das agruras de quem é dado à história dos alimentos é o fato da origem de muitos deles não ser clara. Afinal, os registros gastronômicos tardaram muito a se fazer presentes. Faço essa pequena introdução para falar do tempurá —ou tempura, em Portugal. 

No Brasil, onde o preparo está na carta de praticamente todos os restaurantes japoneses, poucos sabem que, na verdade, essa técnica surgiu em Portugal e acabou disseminada ao mundo pelos orientais. 

Tudo começou com os peixinhos da horta, petisco português feito de feijão-verde e envolvido em uma fina massa de farinha, ovos e água (algumas vezes com gás) e com uma casquinha crocante, resultado da fritura por imersão feita no tempo certo. 

Você, leitor, me pergunta: por que o nome de peixinhos se a receita é vegetal? Reza a lenda que o formato alongado do petisco lembra ao do peixe carapau.

“No passado, não se mergulhava [no óleo] o feijão-verde por completo. Deixava-se sempre uma espécie de rabo, que depois era cortado”, explica o chef Vítor Adão, do restaurante Plano. 

Os adultos, então, brincavam com as crianças, dizendo ser peixinhos da horta. Ajudou, ainda, na popularidade do quitute em Portugal, a religião, mais exatamente o catolicismo, porque a prática religiosa marca períodos de penitências, com restrições ao consumo de carnes. 

Origem 

Os próprios dicionários  da língua portuguesa apontam para a origem da palavra têmpora, correspondendo ao jejum católico de três dias antecedentes ao início das estações do ano. A essa altura, você já deve ter reparado a semelhança entre a palavra têmpora e tempurá. 

Para o chef Fumio Kondo, à frente do restaurante Tempura Kondo, em Tóquio, teria vindo daí o batismo da versão nipônica do prato, surgido no tempo em que os portugueses excursionavam pelo Japão. 

Ainda de acordo com o chef, reza a lenda que ao passar pela casa de um jesuíta português, um japonês observou a preparação do prato com vegetais e ficou curioso, porque ele estava habituado a ver os portugueses consumindo mais carne do que legumes e vegetais. 

Peixinho da Horta versão brasileira, feiro com Plantas Alimentícias Não Convencionais, as PANCs. Crédito: Quinto

“Curioso, ele teria perguntado a razão de ser daquela comida, ao que o português respondeu: porque estamos em têmporas, dando aí a origem da palavra”, conta Kondo. 

A verdade é que os japoneses se especializaram na receita e viraram referência, com restaurantes especializados como o Tempura Kondo, que tem duas estrelas no aclamado guia Michelin. 

Não à toa, quando os imigrantes japoneses chegaram ao Brasil, além de popularizarem o sushi, tornaram o tempurá conhecido e amado por quem é afeito à cozinha nipônica. 

Japoneses aperfeiçoaram técnica

O chef Lucas Azevedo, que brilha em Lisboa com o seu Ryoshi, diz que é inegável a contribuição portuguesa para o surgimento do tempurá, mas que os japoneses deram um passo à frente. “Não se vê por aqui restaurantes especializados em peixinhos da horta”, diz o profissional. 

Não deixa de ser verdade, apesar de o prato, em sua versão original, ser mantido na carta de tascas e de restaurantes especializados em petiscos: só para citar alguns que recomendo, há os do Pica-Pau e os do Faz Frio. Infelizmente, o Tapisco tirou o prato da carta nessa temporada. 

Para Azevedo, o referido passo à frente tem a ver com a diversidade de ingredientes explorados pelos japoneses. “Na verdade, podemos dizer que tudo é tempurável. Eu aprendi a fazer tempurá com tomate, em uma prova em que o exterior [do fruto] tinha que estar crocante [e o interior preservado]”, diz. O processo não foi nada fácil, já que o “recheio” continha um ingrediente que solta muita água. 

Ele explica que a mudança dos ingredientes do tempurá exige diferentes tempos de fritura e, às vezes, até dois processos. “No caso do tempurá de raiz de lótus, faço duas frituras: uma para cozer, e a segunda para dar crocância”, explica. 

Peixinho da horta à brasileira 

Costumo dizer que a gastronomia é um eterno diálogo cultural em torno da boa mesa. Antes de provar os peixinhos da horta em Portugal, já me deleitava há muitos anos com a crocância e sabor do tempurá. 

Eu tinha ouvido falar em um outro peixinho-da-horta, uma planta alimentícia não convencional (panc) —daí a grafia com o uso do hífen, por se tratar de uma espécie vegetal. 

Também conhecida como lambarizinho, lambari-de-folha, orelha-de-coelho e orelha-de-lebre, a planta (Stachys byzantina) é originária da Turquia e recebe esse nome por um motivo curioso: apesar de ser um vegetal, apresenta um leve sabor de peixe e tem o formato do animal. 

Outra curiosidade: uma de suas formas de preparo é com a técnica do tempurá! A chef Mari Sciotti, à frente do Quincho, de São Paulo, incluiu o peixinho-da-horta desde a abertura do restaurante vegetariano, no bairro Pinheiros, em 2019. 

“Gosto da textura, do sabor e de como aguenta bem a cocção, principalmente a fritura em imersão. Além disso, tem um formato lindo, que também agrega beleza ao prato”, afirma a chef. Atualmente, o tempurá de peixinho- -da-horta é servido com tartar de pimentões e tomates curados. 

“Até hoje é uma produção limitada. São pequenos produtores que costumam ter esse item à venda e como é uma planta delicada e sazonal, o fornecimento às vezes é comprometido”, diz Mari. 

Nada, porém, que tire o sucesso dessa espécie de versão brasileira dos peixinhos da horta portugueses que, ao fim e ao cabo, começaram toda essa história de tempurá —ou tempura. Aceitamos as duas formas por aqui! 

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