O vídeo da brasileira Taty Moço contando sua experiência no primeiro dia de trabalho em uma cafeteria de Lisboa viralizou.
A bordo de seu tuk-tuk, ela relembrava de maneira divertida que aprendeu, na marra, o que é uma chávena —a xícara, para nós brasileiros— e um café sem princípio, que nada mais é do que servir a bebida sem o primeiro jato da torneira.
Entre risos de um lado e reações não muito amistosas de outro, o que ficou explícito, mais uma vez, foi a diversidade da língua portuguesa. Sim, falamos português, tal como cá, em Portugal, tal como em países como Moçambique, Angola ou Cabo Verde.
Mas algumas palavrinhas do dia a dia, que envolvem atos cotidianos como tomar aquele cafezinho no início do dia tem lá suas particularidades, que pegam muitos brasileiros, tal como ocorreu com a moça —ou rapariga— do vídeo.
Memes à parte, confesso que na minha primeira visita a Portugal, nos idos de 2011, fiquei surpresa ao me deparar com a tabela de preços com tantas variedades de cafés.
Curto, cheio, galão, meia de leite, abatanado… E, é claro, bica, o jeito mais informal de se pedir um cafezinho.
Manuela Pedro, da Pastelaria São Roque, uma das mais antigas de Lisboa, diz que a coisa não é assim tão complicada.
“Por mais que cá em Portugal tenhamos nomes bem específicos, há um bom entendimento quando se trata de café, por meio da convivência com brasileiros e com outros turistas”, afirma.
No estabelecimento, o que mais sai é a bica, o equivalente ao que chamamos de expresso. “Quando pedem simplesmente café, é o que costumamos servir”. A bica, aliás, tem uma história —ou lenda— curiosa.
A cafeteria A Brasileira, onde pipocam turistas no Chiado, chama para si a origem do termo, que significaria “beba isso com açúcar”. Isso porque lá nos idos de 1905, quando a casa foi aberta pelo português Adriano Telles, a bebida ainda não havia caído no gosto dos portugueses por ser amarga.
A indicação de adicionar açúcar era a solução. Telles, que havia sido casado com a filha de um produtor de café de Minas Gerais, começou a importar os grãos, que não demoraram para se popularizar, especialmente na classe intelectual.
Aliás, Fernando Pessoa era um dos frequentadores assíduos da casa. Há, inclusive, uma estátua em sua homenagem em frente à cafeteria. Nomes da política também passaram por lá, como o presidente Juscelino Kubitschek, que até tem uma versão de café em sua referência.
Outra versão do nome bica, que faz mais sentido, dá conta que nada mais é do que uma referência a torneira por onde verte o líquido na hora de encher a xícara.
Independentemente de qual é a versão correta, a verdade é que o ato de se tomar uma bica, hoje, faz parte da cultura portuguesa.
Na sua esteira, vieram outros tipos de café e modos de pedir, a saber:
CURTO: é o famoso expresso ou bica, forte e servido em meia xícara pequena. No Norte, pode ser chamado de cimbalino;
LONGO: é o equivalente a um expresso longo, ainda concentrado;
ABATANADO: é um café longo servido com mais água e em uma xícara maior, também conhecido como americano;
MEIA DE LEITE: equivale ao café com leite brasileiro, com proporções iguais, servido em xícara grande;
GALÃO: é um café com leite servido em um copo alto
GAROTO: é um café servido em xícara pequena com espuma de leite.
PINGADO: é um garoto em versão, como o próprio nome indica, com um pequeno pingo de leite frio
E aí? Qual o seu favorito? As raízes da disseminação do café mundo afora são nebulosas, dada a falta de registros.
O hábito pode ter começado com os árabes, mas de acordo com a pesquisadora e jornalista Roberta Saldanha, autora do livro “História, Lendas e Curiosidades da Gastronomia”, o cardeal Richelieu (1585- 1642) pode ter servido o primeiro café na Europa ao recepcionar convidados no Tour d’Argent, fundado em 1582 e classificado como o mais antigo de Paris.
História ou lenda? De acordo com Roberta, o café passou a ser produzido no Brasil, maior produtor do mundo com 38% do mercado global, pelas mãos do governador do Maranhão e grão-pará, João da Maia da Gama.
Ele convocou o sargento-mor Francisco de Melo Palheta para ir à Guiana Francesa trazer mudas de café para o Brasil. Voltou, segundo a jornalista, com um vaso da planta e, a partir dali, valeu a máxima de que “no Brasil, em se plantando, tudo dá”.
O resto é história! A verdade é que o Brasil, com sua ampla cultura cafeicultora, influenciou o consumo da bebida em Portugal (e em outros países, como o Japão). Alguns nomes dados ao café, como já vimos, e hábitos em torno do consumo, foram se diferenciando.
Por exemplo, em Portugal é comum tomar, mesmo que seja um curto, depois do jantar. Apesar de, nos últimos tempos, os descafeinados pedem passagem lá e cá. Uma nova onda de influência brasileira na seara dos cafés começa a ser experimentada atualmente: são as cafeterias dedicadas aos grãos especiais, produzidos nas regiões de Indicação Geográfica como Minas gerais, cerrado, Norte do Paraná e interior de São Paulo.
É o caso das marcas Orioli, Baobá e The Coffee, que, aliás, já tem sete unidades só em Lisboa. Mas esse papo fica para uma próxima Mesa Compartilhada.
Enquanto isso, que tal tomar aquele cafezinho?
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