É chocante. A extrema direita —que engendrou e desencadeou o fascismo e o nazismo no início do século 20, a Segunda Guerra Mundial entre os anos de 1939 e 1945, ditaduras mundo afora, o Holocausto, o terror, o racismo, e a perseguição a imigrantes—voltou cem anos depois, ameaçando as atuais democracias, como a norte-americana, a brasileira e a portuguesa.
Origens da extrema direita: “Deus, Pátria e Família”
Passada a Primeira Guerra Mundial, entre os anos de 1914 e 1918, os princípios da democracia liberal se enfraqueceram, especialmente na Europa, onde surgiram o fascismo e o nazismo.
Na Itália, Benito Mussolini organizou o fasci italiano di combatimento (feixe italiano de combate), que depois viria a ser o Partido Fascista. Defendia o nacionalismo extremado, o combate ao comunismo, a luta armada, o militarismo, o imperialismo e criou uma milícia, denominada Camisas Negras, com o objetivo de enfrentar os “inimigos da pátria”. As palavras de ordem do grupo eram Deus, Pátria e Família. Adiante, incluiu-se Trabalho —qualquer semelhança com a atualidade não é coincidência.
A consequência foi o estado totalitário italiano, a partir de 1925, que levou o país à Segunda Guerra Mundial. Mussolini dissolveu os partidos políticos e perseguiu sindicatos, jornalistas, professores, artistas, intelectuais e opositores. Contudo, em relação ao trabalho, ele integrou os sindicatos ao Estado, regulamentou os contratos coletivos em 1926 e no ano seguinte estabeleceu a Carta de Trabalho (o que no Brasil inspirou a criação da CLT, em 1943). Em 1934, Mussolini criou corporações para estruturar o fascismo, e construiu uma imagem populista de que era totalmente favorável aos trabalhadores para obter o apoio dos italianos e impor o Partido Fascista.
Passado o conflito, a Itália estava semidestruída, a fome campeava, o desemprego predominava. E o povo seguia marginalizado no campo e nas cidades. A reconstrução só teve seu início com a redemocratização do país, a partir de 1945.
Já a Alemanha, derrotada e humilhada no pós-Primeira Guerra Mundial, entre os anos de 1914 e 1918, se debatia numa profunda crise econômica e social. Foi assim que o país acompanhou os passos da Itália com a criação do Partido Nazista, liderado por um cabo austríaco chamado Adolf Hitler.
A militância política de Hitler na extrema direita começou pelo Movimento Pangermânico, que exaltava a sobrevivência dos “mais capazes na vida social” e atacava democratas, judeus, liberais, comunistas, ciganos, gays, algumas religiões e comportamentos vistos como “desviantes”. Ele defendia um pseudoconceito de nacionalismo racial, algo que a Europa voltou a experimentar. Em 1919, o austríaco entrou para um grupo radical de direita que, adiante, fundou o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (nazista), similar ao Partido Fascista italiano.
Hitler ascendeu durante o período conhecido como República de Weimar, de tendência social-democrata. O general Paul Von Hindenburg era o presidente em 1933 e foi convencido pela aristocracia alemã a indicar Hitler para chanceler com o objetivo de controlar as crescentes reivindicações sociais e o avanço do comunismo. No poder e alegando emergência, Hitler conseguiu fazer com que o parlamento o autorizasse a legislar sem a participação parlamentar.
Em 1936, Alemanha e Itália fecharam um acordo de cooperação e ajudaram Francisco Franco a implantar uma ditadura na Espanha. No ano seguinte, foi criado o Eixo anticomunista, com a participação de Alemanha, Itália e Japão. Estava desenhado o caminho para a Segunda Guerra Mundial, uma catástrofe com milhares de mortos. Os países democráticos europeus fecharam os olhos para o crescimento do fascismo e do nazismo, abrindo espaço para o avanço da extrema direita. Quando perceberam, era tarde demais.
A influência da extrema direita no Brasil e em Portugal
Em 1930, derrotado na eleição presidencial por Júlio Prestes, Getúlio Vargas deu um golpe com apoio de militares e civis que diziam temer a posse do presidente eleito do Brasil. Havia duas grandes tendências ideológicas: os integralistas, que representavam a extrema direita; e a Aliança Nacional Libertadora, de esquerda, com a participação de democratas, liberais e comunistas.
A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi criada por Plínio Salgado, seguindo o modelo nazifascista. Salgado criticava a democracia liberal e o comunismo e defendia os regimes fascista e nazista da Europa. Seus seguidores vestiam camisas verdes, faziam a saudação com o braço levantado e a mão espalmada, exclamando “Anauê” (“Salve!”). A AIB adotou a letra sigma como símbolo do movimento.
Getúlio Vargas, porém, vivia uma ambiguidade. Ao mesmo tempo que instalou o Estado Novo, seguindo o exemplo da ditadura portuguesa de Oliveira Salazar, e simpatizava com o fascismo, o brasileiro decidiu decretar a ilegalidade da AIB. Mais do que isso: em 1942, o Brasil se incorporou aos Aliados na luta contra o Eixo, enviando tropas da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, para combater na Itália. No final da guerra, o país havia perdido 467 soldados e 37 navios. Diante das mudanças na conjuntura internacional, com a vitória dos Aliados, a defesa das democracias voltou a ocorrer em caráter mundial. O regime no Brasil era contraditório em relação às teses da liberal democracia que estavam sendo defendidas na Europa e nos Estados Unidos.
As primeiras eleições desde que Vargas assumira em 1930 foram programadas para dezembro de 1945 e, no ano seguinte, foi promulgada uma constituição liberal. Mas, no Brasil, a democracia resistiu só até 31 de março de 1964, quando um golpe de Estado derrubou o presidente João Goulart, dando início a uma ditadura militar que só terminou em 1985, com a eleição de Tancredo Neves para presidente. Em 1988 foi promulgada uma nova Constituição de características liberais e sociais.
O Estado Novo, cá e lá, fez prisões arbitrárias, torturou, censurou, perseguiu políticos, acusando-os de corrupção (na maior parte das vezes sem provas), e praticou todo o tipo de violência. Em Portugal, por exemplo, o integralismo teve início como movimento político em 1914. Como o brasileiro, tinha tendência nacionalista, antiliberal e católica. Por cá, era monarquista e atacava a democracia republicana. O movimento transformou-se num agrupamento sócio-político tradicionalista, consolidado na década de 1930, que desejava restaurar a suposta grandeza perdida com apoio divino e usava o lema Deus, Pátria e Família (de novo as palavras-chave). Os militantes do movimento usavam uniformes compostos por camisa azul e calças ou calções condizentes, copiando os Camisas Negras de Mussolini e os camisas-pardas nazistas. Participaram do golpe de estado de 28 de maio de 1926, que derrubou a Primeira República, e influenciaram Salazar na implantação do Estado Novo, corporativo e de origem fascista.
Salazar passou a ter controle total de Portugal e repetia o modelo fascista, defendia o catolicismo, a tradição, os costumes e o partido único. Implantou uma ditadura que durou até 1974, quando em 25 de abril eclodiu a Revolução dos Cravos (dos fatos mais poéticos da história mundial) com o apoio dos militares. O Estado Novo foi extinto, e tomou posse um governo provisório, tendo como presidente da República o general António Spínola. Foram tomadas as seguintes medidas: controle da economia, extinção da Polícia do Estado, anistia dos presos políticos, fim da censura, liberdade para associações políticas e garantia das liberdades individuais.
O Brasil democrático viu ascender a extrema direita a partir de 2013, quando uma massa disforme, heterogênea, passou a ir às ruas insatisfeita com os rumos econômicos do país. Inicialmente formada por gente pouco ideologizada, jovens sobretudo, criticando “tudo o que está aí”, as manifestações abriram espaço depois para a ocupação das ruas por pessoas mais velhas, saudosas da ditadura, com lemas como Deus, Pátria e Família, preparando o ambiente político para o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Escreveu o jurista Rafael Valim no livro Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo: “Desta vez a democracia não foi abatida por um golpe militar, com tanques e fuzis, mas sim pelo que vem sendo chamado de um ‘golpe institucional’, gestado e levado a efeito sob uma aparência de legalidade”.
Em 2018, Jair Messias Bolsonaro foi eleito presidente. Não tinha como adversário o popular ex-presidente Lula, que naquele ano havia sido impedido de disputar a eleição, preso por decisão do então juiz federal Sérgio Moro, no âmbito da conhecida Operação Lava Jato, que o condenou por corrupção. Tempos depois, o Supremo Tribunal Federal declarou o juiz suspeito no processo, anulando a condenação do ex-presidente. Moro já havia deixado a magistratura para seguir carreira política. Tão logo Bolsonaro (beneficiado com o trancafiamento de Lula) venceu as eleições, o ex-juiz passou a integrar o seu governo.
No final do mandato e na iminência de perder a eleição, Bolsonaro intensificou os ataques ao sistema eleitoral, ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral, órgão responsável pela lisura das eleições e composto por membros de outras cortes. Perdida a eleição de 2022 justamente para Lula, Bolsonaro radicalizou os ataques às urnas eletrônicas, acusando de fraude o resultado favorável ao adversário. Frente ao levante contra o Congresso Nacional, ele se silenciou enquanto a turba da extrema direita, seus apoiadores, defendia a aplicação pelos militares de um novo Ato Institucional número 5, numa referência ao período mais macabro da ditadura brasileira.
A posse de Lula ocorreu no primeiro dia de 2023, com a presença de cerca de trezentas mil pessoas. Bolsonaro não estava. Ele se recusou a fazer a entrega da faixa presidencial e viajou para os Estados Unidos no último dia do mandato, não reconhecendo a derrota eleitoral. Uma semana depois, no domingo de 8 de janeiro, Brasília foi atingida pelo ataque violento desferido pela extrema direita contra os prédios dos Três Poderes. O objetivo era criar o caos para que ocorresse um golpe com a participação das Forças Armadas —e Bolsonaro, acreditavam os golpistas, retornaria ao poder. Foram efetuadas aproximadamente 1 500 prisões.
Em Portugal, durante seu período democrático, foi promulgada uma nova Constituição, em 1976, e foram realizadas eleições para o Legislativo e para a Presidência da República. O vencedor foi Ramalho Eanes. O Partido Socialista indicou como primeiro-ministro Mário Soares, que depois chegou à Presidência, em 1985. Em 2015, formou-se o 21º governo constitucional, tendo António Costa como seu primeiro-ministro. Em 2016, foi eleito como presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. A dupla defendeu a social-democracia e a permanência do país na União Europeia, porque entendem que houve melhoria no padrão de vida dos portugueses desde então.
Nos últimos tempos, a extrema direita ganhou força em Portugal e passou a atacar a política migratória, as instituições, as políticas estabelecidas de inclusão e diversidade e os governos democráticos. O partido que representa o segmento usa o mesmo modelo populista que Mussolini, incluindo a absorção dos trabalhadores para envolver os assalariados e conquistar seus votos. Portanto, o Trabalho evocado pela extrema direita portuguesa ao lado de Deus, Pátria e Família em nada inova, só explicita o que já estava estruturado no pensamento fascista: Deus, Pátria, Família e Trabalho.
A extrema direita se orgulha da xenofobia e dos preconceitos estruturais. Em 3 de fevereiro de 2024, a extrema direita portuguesa marchou em Lisboa, organizada pelo Grupo 1143 (ano da fundação de Portugal), contra a imigração e pela expulsão de muçulmanos do país. Felizmente a sociedade portuguesa, de modo geral, sempre foi a favor dos imigrantes e ainda lembra do período ditatorial. Segundo analistas políticos, a extrema direita não avançará como pretende. O que se acredita é que os portugueses provaram suficientemente as amarguras e os desastres de uma ditadura.