Outro dia um amigo veio se despedir de mim. Me disse que ficaria incontactável por um mês, porque se afastaria para integrar uma comunidade religiosa, num lugar inóspito, sem celular ou redes sociais. Ele disse que precisava de descanso.
Apesar de conhecer os benefícios de se afastar do bombardeio tecnológico e do estresse causado pelo dia a dia, fiquei chocada com a sua coragem e me questionando se eu faria o mesmo.
Pensei o quanto seria entediante ficar sem emails, Whatsapp, Netflix, Uber Eats e sem todos os hábitos de consumo nocivos da vida. A ideia até me causou aborrecimento, ansiedade, crise de abstinência e todas as sensações ruins de ausência do estilo de vida baseada em prazeres rápidos.
Ele está certo em buscar hábitos como a meditação, longas caminhadas, exposição solar, banhos de água gelada, nadar, praticar esportes, escutar músicas, ler um livro. Esses hábitos podem aumentar muito os nossos níveis de satisfação de forma natural e não viciante.
Mas esses hobbies vêm sendo substituídos, especialmente nos países ricos, onde há muita oferta de novas experiências e dinheiro sobrando, por outros que provocam emoções fortes e imediatas. E esses novos hábitos são shots de dopamina.
Dopamina é um neurotransmissor responsável por transportar informações do cérebro para o restante do corpo. É conhecida como um dos hormônios da felicidade e quando liberada provoca sensações de prazer e recompensa
O nosso corpo libera dopamina em doses moderadas, mas algumas substâncias consumidas em excesso fazem subir seus níveis de forma rápida.
- Uma experiência feita com ratos mostrou que comer chocolate aumentou os níveis de dopamina em 50%.
- Sexo e nicotina fazem disparar esses índices em mais de 100%.
- Algumas drogas elevam o hormônio para números muito acima dos 200%.
E aqui começa o problema: a intensa carga de prazer pode causar dependência.
Viver em excitação constante é o novo normal. Entramos num ciclo de querer sempre mais. Mais compras, mais jogo, mais álcool, mais dinheiro, mais festas.
Só que para além do mal que faz ao corpo, emocionalmente ninguém aguenta viver em constante montanha-russa de emoções. Uma vida equilibrada é feita de momentos de prazer e de descanso.
Quem vive sempre em alta acaba esgotado, numa crise de ansiedade e insónias. Então o meu amigo está certo.
Os hábitos do passado, como as férias no campo ou na montanha, uma alimentação mais simples, atividades com menos adrenalina ou menos hiperestimulação do cérebro, são muito mais saudáveis e nos permitem desfrutar mais de momentos especiais porque eles são a exceção não a regra.
É o famoso jargão do “aprecie com moderação”.
Não dá para continuar no autoengano de achar que a felicidade se constrói apenas no prazer. No caminho para a felicidade, há até a dor, como parte do processo.
A psiquiatra norte-americana Anna Lembke, autora do livro “Nação dopamina”, reflete que o consumo exagerado faz com que percamos a capacidade de extrair alegria de coisas básicos.
Ela defende que a abstinência de dopamina é necessária para atingir o equilíbrio e se possa apreciar atividades que liberam níveis mais baixos e constantes do hormônio.
Portanto, teremos de aceitar que a solidão, a dor ou o tédio também fazem parte da vida e, ainda bem, porque eles nos ensinam a ser mais resilientes e mais fortes emocionalmente e, assim, a termos mais controle sobre as nossas vidas.
Viver os prazeres de forma moderada nos traz maior sensação de calma e nos permite pensar melhor, aumentar a produtividade e a criatividade, e estancar a mentalidade viciante de querer sempre mais.
Nós não temos de nos resignar a este mundo de hábitos impostos por sociedades consumistas. Podemos fazer dele o lugar certo para pôr em prática os nossos sonhos e propósito de vida.
O prazer pode vir rápido, mas a felicidade chega devagar.