Susana Gaião Mota

Colunista da BRASIL JÁ e psicoterapeuta, autora dos livros "As Dúvidas dos 30", "Sobre(viventes)" e "Mover o Pensamento".

Susana Gaião Mota

Vivendo perigosamente

Uma pessoa com borderline tem três grandes medos: o abandono, a rejeição e a separação

25/07/2024 às 10:55 | 3 min de leitura
Susana Gaião Mota
Susana Gaião Mota
susana@brasilja.pt

Colunista da BRASIL JÁ e psicoterapeuta, autora dos livros "As Dúvidas dos 30", "Sobre(viventes)" e "Mover o Pensamento".

Em minhas consultas repito aos meus pacientes, como se fosse um mantra: “foquem nas atitudes de alguém mais do que nas palavras.” E é sobre atitudes que escrevo aqui.

O que tinham em comum Amy Winehouse, Marilyn Monroe ou Lady Di para além de serem celebridades? Elas também eram conhecidas pelos seus comportamentos “excessivos” ou “disfuncionais”, vivendo —se pode dizer— perigosamente. Suspeita-se que as três tinham personalidade borderline, um transtorno que a maioria das pessoas desconhece, mas em Portugal, por exemplo, afeta pelo menos 2% da população e representa o dobro dos diagnósticos de bipolaridade, esquizofrenia ou Alzheimer.

Mas, se há mais pessoas com borderline que com outros transtornos e síndromes mais conhecidas, por que se fala pouco dele? É que existe um tabu sobre quem sofre com o transtorno. Para o senso comum, a pessoa que tem borderline pode se ferir, tentar suicídio ou ameaçar fazê-lo e causar escândalo por nada. Na verdade, exposto a grande estresse e sem tratamento adequado, o paciente pode fazer tudo isso.

Uma pessoa com o transtorno é acometida por três grandes medos: o abandono, a rejeição e a separação. 

Para os especialistas o transtorno é difícil de diagnosticar, porque é difícil determinar a fronteira entre ser impulsivo, hipersensível, "ter mau feitio" ou sofrer do transtorno que se posiciona entre a neurose e a psicose, mas não é nem um nem o outro, e por isso é chamado de transtorno fronteiriço, então, o que vale é considerar o nível de sofrimento que a pessoa sente, como dor, angústia, vazio interior e ideações suicidas.

Estes sintomas habitualmente começam a se revelar na adolescência e afetam mulheres em maior número, mas, ao contrário de outros distúrbios, tendem a melhorar ou a estabilizar com a idade. Pessoas com borderline podem desenvolver raiva descontrolada quando se sentem ignoradas. Sua impulsividade pode levá-las a comportamentos compulsivos, como gastos descontrolados, distúrbios alimentares, abuso de álcool, drogas ou jogos de azar.

Piora o sofrimento de quem tem o transtorno porque são comportamentos estigmatizados socialmente, com impacto negativo em sua vida pessoal e profissional, e, num ciclo autodestrutivo, fazem com que a pessoa se sinta inferiorizada, solitária ou vazia, tornando-se dependente emocionalmente de outras pessoas pelo que não suporta a ideia de ficar sozinha ou não ser valorizada.

Se relacionar com quem tem borderline, pode ser uma montanha russa de emoções, porque em determinada altura são as pessoas incrivelmente empáticas, carinhosas, intuitivas e compreensivas e de repente se tornam completamente perturbadas e agressivas, física e/ou verbalmente.

Os filhos de quem tem o transtorno também podem viver em constante clima de medo de ser agredidos ou se sentindo responsáveis por algo que o paciente ameace fazer contra si quando contrariados. Isso porque o fantasma do suicídio está sempre presente e aterroriza os que estão em volta.

Segundo o psiquiatra João Carlos Melo, especializado em borderline, 10% dos pacientes cometem suicídio, e cerca de 75% pensam ou fazem tentativas de autodestrutivas. Já os comportamentos autolesivos surgem como forma de provocar dor física para aliviar a dor psicológica. Autor do livro “Reféns das Próprias Emoções”, ele define quem tem borderline como doente que “sofre e faz sofrer”. “Se nestes comportamentos mais limítrofes os doentes vão melhorando com a idade, há aspetos que são mais difíceis de superar como o vazio interior, a baixa autoestima, a dificuldades nas relações”, diz ainda João Carlos Melo.

Muitos com o tempo e com as inimizades acabam se isolando e se tornando “quiet borderline’, ou seja, sofrendo em silêncio, guardando tudo para si. Pacientes com o transtorno frequentemente são sobreviventes de uma infância difícil, pessoas que foram negligenciadas ou experienciaram abusos sexuais e/ou físicos em idades muito precoces. Há também um componente hereditário ou de imitação de outros pacientes da família, usando tais comportamentos antissociais para a resolução de problemas.

Para atenuar o sofrimento é importante procurar ajuda psiquiátrica e psicológica, fazer atividades prazerosas e que em que se sinta estimado e útil, afinal, o que melhor pode preencher o vazio interior do que ser estimado e respeitado? Os familiares e amigos também podem ser importantes reguladores emocionais destas pessoas, validando e fazendo por compreender os seus sentimentos e angústias. É um trabalho em equipe que pode trazer resultados satisfatórios e sobretudo aliviar a dor dilacerante e preencher o vazio destas pessoas.

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