Arte: André Hippert

Arte: André Hippert

A contribuição brasileira para a prosperidade de Portugal

Da ciência à economia, imigrantes se somam aos portugueses para melhorar as contas, a demografia e até a produção científica do país.

25/01/2024 às 10:49 | 4 min de leitura
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O pedestre que passa pela Saraiva de Carvalho, uma bela rua de pedras em Lisboa, e vê o bistrô Cícero em estilo francês — com direito a uma bicicleta azul na esplanada — talvez não presuma de imediato que seu proprietário é um brasileiro. Trata-se do economista Paulo Dalla, que emigrou para Portugal há quase dois anos.

Ao contrário de alguns dos seus conterrâneos que vêm “tentar a sorte” em Portugal, ele tinha uma carreira estabelecida no Brasil, mas quis mudar para a Europa por causa do avanço da extrema-direita no país (a disputa eleitoral indicava o crescimento da representação do espectro político no Congresso Nacional e havia ainda a possibilidade da reeleição de Jair Bolsonaro).

Ele, portanto, se planejou financeiramente para a mudança. Viria empreender. Para a sua instalação no país, a língua portuguesa facilitou o processo. Só o idioma, porque o processo de empreender foi mesmo difícil, admite Dalla.

O economista Paulo Dallas deixou o Brasil para investir em Portugal Crédito: Divulgação

O empresário é um dos muitos brasileiros que chegaram a Portugal ao longo de 2022, ano em que houve recorde entre aqueles que decidiram deixar o Brasil para morar ou investir no exterior — quase um milhão e meio de pessoas. O fenômeno é conhecido como diáspora e reflete a busca por novas oportunidades e um desejo de explorar horizontes para além das fronteiras nacionais.

Segundo dados divulgados pelo Ministério das Relações Exteriores, o número de brasileiros que decidiram sair do país para morar fora cresceu 44% nos últimos 13 anos.

Em 2009, eram 3,18 milhões de conterrâneos nossos residentes no exterior. O número saltou para 4,59 milhões em 2022. Portugal é o segundo principal porto (só perde para os Estados Unidos), com mais de 400 mil brasileiros com residência — sem contar os que ainda aguardam por ela.

Ao trazer seu investimento, Dalla cria emprego e renda. Quando contrata funcionários, além de injetar dinheiro na economia, contribui para a Segurança Social. Ele ajuda o Estado português a garantir o pagamento das reformas, por exemplo, e movimenta a economia.

Mas segundo o empresário ainda faltam políticas que atraiam outros investidores. E ele não está falando de repasse de dinheiro público ou da desoneração de impostos. O brasileiro fala de algo mais simples, como as conexões locais que permitem ao negócio prosperar.

Cita como exemplo a dificuldade que teve para ingressar no mercado de gastronomia, apesar de ter os recursos financeiros. Dalla tentou — mas não conseguiu — marcar almoços de negócios com portugueses para promover seu restaurante. Em vez de seu empreendimento ser visto positivamente, sentiu resistência.

Para o empresário, o reconhecimento do esforço de empreendedores imigrantes, como ele, ajudaria a superar as difificuldades com o mercado local. A exemplo de Dalla, que é economista por formação, muitos de seus conterrâneos vivendo em Portugal cursaram faculdade ou uma pós-graduação.

Os dados do estudo Brasileiros em Portugal, dos pesquisadores Alanni de Lacerda Barbosa de Castro e Álvaro de Castro Lima, da Fundação Alexandre de Gusmão, indicam que a partir de 2014, 27% dos brasileiros que chegam a Portugal têm nível superior; 16%, pós-graduação; 10%, mestrado; e, com doutorado, 2,8%.

Mais da metade dos que chegam são profissionais qualificados, que podem contribuir em áreas carentes de mão de obra. A fotografia dos que vieram é muito melhor que a do Brasil, onde, segundo o IBGE, em 2022, apenas 19% das pessoas com mais de 25 anos tinham alguma formação universitária e 53%, o ensino médio. 

Entre os estrangeiros que chegam com formação superior, os brasileiros são os que mais validam os seus diplomas — e em número crescente. Das 3 152 validações realizadas em 2019 em Portugal, 27% eram do Brasil. O maior grupo. Em 2021, as validações dobraram (6 081) e, do total, metade (47,5%) era brasileira.

TI é uma das desempenhadas em Portugal

O cenário em que o brasileiro é a nacionalidade que mais valida o diploma por aqui é recente. No início da década, os primeiros lugares de origem dos diplomas eram a Espanha e o Reino Unido. Agora é do Brasil, e a medicina foi a profissão que mais contribuiu com a estatística, com 10%.

De acordo com os censos de 2021, no entanto, é o povo da TI que comparece no ranking das dez profissões mais desempenhadas por brasileiros em Portugal. Do total de 120 profissões, analista e programador de software, internet e aplicativos (as aplicações, como se diz aqui) estão entre as dez mais.

Renata Lima é uma das profissionais brasileiras que atuam na área da tecnologia em Portugal. Ela tem 35 anos e emigrou em 2019, depois de receber uma proposta de emprego pelo LinkedIn. Formada em contabilidade, pós-graduada em logística e com experiência na área de TI, atualmente trabalha para a Volkswagen.

Segundo ela, a adaptação a Portugal foi relativamente fácil e atribui ao seu “privilégio” ser profissional qualificada, com um bom nível de inglês. Não sentiu discriminação no trabalho. No dia a dia, vê dificuldades, porém. Ela sente que o machismo é uma característica da cultura portuguesa, mas é algo com que também lidava no Brasil.

Ela reconhece que existem pessoas em situações diferentes da sua e que enfrentam outras dificuldades, como a econômica. Por isso, a brasileira alerta para o risco da ideia equivocada de que a Europa é um “paraíso”.

Embora cada indivíduo tenha suas próprias razões para emigrar, existem algumas tendências comuns que podem ser identificadas. Muitos brasileiros estão em busca de novas oportunidades econômicas.

Mulheres emigram mais do Brasil

A educação é outra razão importante para a emigração, com muitos mudando para o exterior para estudar em universidades estrangeiras ou oferecer aos filhos o que acreditam ser uma educação de melhor qualidade. Outros buscam por um sistema de saúde melhor, menor taxa de criminalidade, mais liberdades civis ou simplesmente um clima mais agradável.

A doutoranda Bianca Lyrio, que cursa estudos urbanos na Universidade de Lisboa, pesquisa a emigração de estudantes brasileiros. Segundo ela, a vinda desses estudantes para Portugal foi impulsionada pelas crises política e econômica no Brasil em contraponto à segurança e à estabilidade política em Portugal, além da própria facilidade de acesso ao ensino superior por aqui.

“A pandemia afetou esse processo e, agora, há a crise de habitação, e os altos aluguéis, que torna tudo mais difícil”, diz, acrescentando, como ponto de dissuasão para a permanência do fluxo de estudantes brasileiros, o avanço da extrema-direita portuguesa e a chegada da esquerda ao poder no Brasil.

Para ela, o interesse de mais brasileiros migrarem ou permanecerem em Portugal deve diminuir: “A tendência é de desaceleração, mas a emigração continuará”.

Outra mudança percebida pela pesquisadora é o perfil dos emigrantes. No passado, quem saía do Brasil para Portugal era majoritariamente homem jovem. Nos últimos anos, no entanto, aumentou a emigração de mulheres e de pessoas mais velhas.

A percepção de Lyrio é corroborada pelo extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o SEF. Dados do antigo órgão indicam que em 2021 as mulheres representavam 54,7% dos recém-chegados. Para a pesquisadora, elas estão mais presentes nos processos sociais e, autônomas, decidem emigrar sozinhas.

O fenômeno se repete em outras populações estrangeiras, como as de Angola (56,9%), Ucrânia (54,4%) e Cabo Verde (51,7%).

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