19/03/2024 às 17:24
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Espancado em Vila Nova de Gaia, no Porto, o casal brasileiro Bruno César Marcelino e Kaique Soares desistiu de Portugal. Eles deixaram o país em janeiro deste ano, após serem agredidos por uma gangue de dez pessoas.
“Saímos de Portugal porque o caso teve muita repercussão. Da mesma forma que estávamos sendo reconhecidos por pessoas que nos davam apoio, a gente também poderia ser reconhecido por pessoas que eram a favor de agressões. Ficamos realmente com medo e decidimos sair do país”, contou Bruno, que é produtor cultural e faz doutorado na Alemanha.
Outra razão que fez o casal desistir do sonho de se estabelecer no Porto —e em Portugal— foi desconfiança em relação às autoridades portuguesas, principalmente a polícia.
“Foi muito forte o que aconteceu. A gente deixou de ter liberdade, confiança no país. A forma como a gente foi tratado pela polícia e tudo mais deixou um pouco de desconfiança com o país", contou Bruno.
De acordo com ele, no dia das agressões a polícia foi acionada, mas demorou a chegar. E quando finalmente apareceram os agentes, o casal afirma que houve uma tentativa por parte dos policiais de mudar o que havia acontecido. Os policiais queriam liberar os agressores, segundo Bruno.
Só houve de fato uma intervenção mais enérgica, disse o brasileiro, depois que ele e o marido começaram a gritar. Ainda assim, o casal ficou sem saber se os agressores foram conduzidos à delegacia, já que os policiais não entregaram a eles nenhum documento sobre a ocorrência.
A BRASIL JÁ pediu um posicionamento à Polícia de Segurança Pública (PSP). A corporação enviou um resumo da ocorrência (veja a nota completa no fim do texto), mas não se manifestou sobre as queixas de Bruno e Kaique em relação ao atendimento e procedimento dos agentes no local.
A PSP informou que interceptou "seis cidadãos", cinco homens e uma mulher, com idades entre 19 e 25 anos, e que as seis pessoas foram apontadas pelas vítimas como parte do grupo agressor.
Como foi o ataque
O espancamento aconteceu no dia 30 de dezembro de 2023. Três meses antes, o casal tinha chegado em Portugal com o objetivo de abrir uma empresa. Bruno e Kaique foram abordados pelos agressores enquanto deixavam uma festa no Cais de Gaia, área boêmia da cidade.
Relatos sobre o crime indicaram que o grupo exigiu dinheiro de Bruno e Kaique. Com a negativa por parte do casal, começou o ataque.
Bruno e Kaique se viram no chão do Cais de Gaia recebendo chutes, socos e pontapés. Em seguida, machucados e depois de discutir para que os policiais cumprissem com o dever deles, os dois foram encaminhados para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho para receber cuidados médicos.
Frustração e sensação de injustiça
Ao relembrar o caso, Bruno contou à BRASIL JÁ que se sente frustrado e que persiste uma sensação de injustiça.
"Hoje, quando nós lembramos do episódio, por enquanto ainda é um sentimento de injustiça, porque não tivemos nenhuma notícia de que os identificados foram presos ou julgados. A gente achava que seria mais rápido, mas, por enquanto não teve nenhum andamento. O sentimento é de impunidade e injustiça", disse.
O casal também lamenta a falta de suporte institucional em Portugal. Segundo o produtor cultural, no dia do espancamento, eles ligaram e deixaram recado para o telefone de urgência do Consulado do Brasil em Portugal, mas nunca obtiveram resposta. “O apoio foi nulo do Brasil e de Portugal”, afirmou.
Em nota à BRASIL JÁ, o Ministério das Relações Exteriores não se pronunciou sobre as queixas do casal. Afirmou, porém, que "por meio do Consulado-Geral do Brasil no Porto permanece à disposição para prestar assistência consular aos brasileiros". O órgão encaminhou os contatos da representação consular.
Também procurado pela reportagem, Consulado brasileiro no Porto não respondeu às perguntas enviadas nesta quarta pela manhã.
No início de janeiro, seis dos criminosos que agrediram os brasileiros foram identificados. Entretanto, a advogada que representa o casal, Ludimila Poirier, disse que durante reconhecimento na delegacia, Bruno e Kaique conseguiram apontar três pessoas entre os suspeitos de cometer o crime.
A advogada afirmou que o trio já consta como arguido (indiciado) pelo crime, mas que a polícia ainda não concluiu a investigação e, portanto, ainda não há denúncia do Ministério Público contra os agressores.
Bruno e Kaique apontam xenofobia, racismo e homofobia como prováveis motivações para o espancamento. A advogada, entretanto, espera que os envolvidos sejam condenados por crime que no Brasil equivaleria a uma lesão corporal grave, que em Portugal pode resultar numa condenação mais dura.
Tentativa de um recomeço
Depois do episódio, foi impossível permanecer no mesmo lugar. Hoje, os dois tentam seguir em frente em outro país.
“Foi uma necessidade de recomeçar. A gente tira força, não sei de onde”, contou Bruno, que agora está com o marido em Dublin, na Irlanda. “A gente precisava viver. Continuar vivo e seguro. E a gente viu que em Portugal não daria. É uma motivação para continuar vivendo com condições melhores”, acrescentou.
No início, eles tentaram sair de Portugal por meio de asilo político em Luxemburgo. "[Em Luxemburgo] Eles não tinham mais residência para solicitante de asilo e nós teríamos de alugar um local, e seria muito mais caro”, explicou o produtor cultural.
Ficou decidido que iriam para Irlanda fazer um intercâmbio que dura até setembro. De lá, o casal pretende ir para Alemanha, onde Bruno defenderá a tese de doutorado.
Íntegra do posicionamento da PSP
"No dia 30 de dezembro de 2023, cerca das 03H30, polícias do efetivo da Divisão Policial de Vila Nova de Gaia, na sequência de informações dando conta da prática de desacatos envolvendo diversos indivíduos, junto da avenida Diogo Leite, em Vila Nova de Gaia, ali se deslocaram.
No local, apresentaram-se dois cidadãos de 23 e 31 anos de idade, residentes no Porto, a dar conta de que, momentos antes, haviam sido agredidos por um grupo de cerca de 10 indivíduos. As vítimas foram conduzidas junto de Unidade Hospitalar para receber tratamento aos ferimentos sofridos.
Nas imediações do local foram intercetados e identificados 6 cidadãos, (5 homens e 01 mulher) com idades compreendidas entre os 19 e os 25 anos de idade, por terem sido indicados pelas vítimas como fazendo parte do grupo agressor.
Foram os factos participados junto das Autoridades Judiciárias."
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