22/10/2024 às 10:14
| 8 min de leitura
Publicidade
Danilo Caymmi e a cantora norte-americana Stacey Kent sobem ao palco da Casa da Música, no Porto, nesta quarta (23). Eles levam ao público "Um Tom sobre Jobim", onde prestam tributo ao maestro brasileiro, que morreu há exatos 30 anos. Conversamos com Danilo Caymmi sobre o espetáculo e também sobre carreira, família e música. Danilo até tentou levar a vida fora da arte, mas não teve jeito.
Cursou arquitetura, mas aos 21 anos compôs “Andança”, em parceria com Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, e essa composição definiu de vez sua rota profissional. Sucesso na voz da saudosa Beth Carvalho a música arrebatou o Brasil.
Fã incontestável da irmã, a cantora Nana Caymmi, Danilo teve muita influência do jazz na sua formação. A família Caymmi podemos dizer é completamente musical.
Além dos irmãos Nana e Dori, a mãe Stella Caymmi também era cantora e juntos ouviam o fado de Amália Rodrigues, por influência do patriarca Dorival Caymmi que esteve com Amália em Portugal nos anos 50.
Sobre os novos artistas do cenário ele troca referências com a filha Alice Caymmi. O Brasil perdeu um arquiteto mas ganhou um artista.
Danilo Caymmi, em entrevista a BRASIL JÁ:
“Eu sou um bicho de palco, vamos dizer assim. Gosto de estar em cena”.
Danilo, o que o público vai encontrar nesse concerto?
Eu acho que tem uma tradição na minha família já de intérpretes. Eu acho que é esse o foco, que a Stacey é uma grande intérprete e eu também sigo nessa linha da interpretação, do mergulho na obra, do mergulho na canção.
Ainda mais canções de Tom Jobim, que eu tive o privilégio de trabalhar com ele durante 10 anos. Quer dizer, eu o conhecia desde garoto, desde os 15 anos. É meu compadre. E também sou padrinho de casamento do Paulo Jobim. Enfim, as famílias são muito próximas.
Como era essa relação musical sua com o Tom?
O Tom me delegou uma responsabilidade muito grande nos shows que eu participava da Banda Nova, que eu acompanhei durante 10 anos. Ele me honrou com esse privilégio de cantar algumas canções nos shows, como “Samba do Avião” e “A Felicidade”.
Então, isso também me provocou um estímulo para entender melhor as canções dele. E, graças a Deus, ele gostava muito da minha maneira de interpretá-las. Isso é uma grande honra.
Algumas curiosidades desse convívio com ele? O que você destacaria? Bastidores ou questões familiares mesmo que você possa nos contar e nos presentear dividindo um pouco da personalidade, do jeito musicista dele?
Tom! Um grande músico, grande compositor, inclusive um pianista incrível, da maneira de estabelecer. Ele passou grande parte da vida acompanhando pessoas no início de carreira. Então, isso também é uma arte. Você saber acompanhar é uma arte.
Eu posso citar como César Camargo Mariano, que tem um disco brilhante com a minha irmã. Você vê também coisas de duas pessoas só, como Tony Bennett e Bill Evans, um disco fascinante de piano e voz. Então, ele era um homem que gostava muito dos vocais e de ensaiar.
A gente, às vezes, para fazer um concerto, nós ensaiávamos 16, 17 dias. E eram cinco vozes femininas e também os homens da banda cantavam, mas só que ele invertia. Ele colocava as mulheres no grave e os homens no agudo, o que me dava um trabalho danado. Ainda bem que eu era muito novo e conseguia fazer.
Era um desafio, né?
Era um desafio, uma extensão muito grande, um sacrifício, entre aspas, de cantar. Do grave ao agudíssimo, e voz de peito, não falsete. E era muito complicado para mim quando era ao vivo, tinha que ter uma precisão muito grande, não havia lugar para erro.
E era um homem muito simples e um grupo muito familiar. Tinha a filha dele, Beth Jobim, tinha a mulher, Ana, Eu era casado, na ocasião, com a Simone, o Jaquinho casado com a Paula Morelenbaum também fazia parte, a Maúcha Diné, o filho, Paulo Jobim, tocava violão na banda.
A gente tinha o Paulo Braga, que é um grande baterista que vive aqui no Brasil, e o Tião Neto, infelizmente falecido, trabalhou muitos anos com o Sérgio Mendes, que recentemente faleceu também. Enfim, era uma banda que tinha um poder muito grande, pessoas muito talentosas, que eu tive o prazer de trabalhar. E muitos ensaios, muitos ensaios para ter uma performance espetacular.
Ent,ão o público aqui de Portugal vai testemunhar na Casa da Música parte desse repertório. Você e Stacey no palco.
Ela é uma brilhante cantora. Eu a conheci porque eu já era fã dela e quando ela veio visitar... Eu morava no Rio na ocasião, veio visitar, me chamaram para a mesma festa. Então, poxa, eu fiquei... Era fã mesmo. E ela conhecia meu trabalho já.
Enfim, foi uma questão do tempo nos unir. O marido dela também é um grande arranjador, um grande saxofonista. É muito bonito. E a gente trabalha com músicos de Portugal e é gozado porque é Tom Jobim, mas não tem piano (risos).
O que vai ter no palco?
É uma forma que a gente encontrou no meu primeiro trabalho, com o processo de gravação, de você começar violão e voz, depois fazer as coberturas todas, do maestro Flávio Mendes, que fez “Danilo Caymmi interpreta Tom Jobim”, que eu chamei a Stacy para fazer comigo uma canção. E daí começou a ideia de fazer o show. Eu não sou muito de sair do Brasil, então...
Na verdade, foi a primeira vez que eu fiz as coisas fora da banda do Tom. É lógico que esse show já cresceu, já foram acrescentadas mais coisas no repertório.
Agora estamos voltando com esse show. A emoção que eu sinto no palco, trabalhando com a Stacy, acho que isso passa para o público também. Eu sou um bicho de palco, vamos dizer assim. Gosto de estar em cena. Me dá uma oportunidade que é raríssima de poder tocar flauta também. Com esses músicos de Lisboa, grandes flautistas, grandes músicos. Verdade. O nome já é muito interessante.
Danilo, eu quero saber um pouco sobre o seu lado família. Porque a sua família também tem muitos artistas. Como foi a sua trajetória? A iniciação na música foi muito orgânica ou você ainda chegou a relutar?
Eu sou quase arquiteto… A instabilidade da vida do músico … o Tom até falava que gostava muito da sogra dele, que era aposentada da aeronáutica, que “A Dorita tem um certinho no final do mês” (risos). Era o desejo de todas as pessoas, ter um certinho no final do mês de todos os músicos. Porque a gente depende dos shows, do direito autoral, enfim.
Mas eu via lá, desde pequeno, meu pai trabalhando, viajando, avião para cá, avião para lá. Essa lida de artista mesmo. Eu tinha uns 15 anos só. Estava mais preocupado com a prova de química do que estava tocando flauta. E foi aí que eu conheci o Tom. Fiquei depois amigo do Paulinho, filho dele. Mas o tempo seguiu, eu comecei a estudar flauta, mas fiz arquitetura para agradar a minha mãe, o desejo da minha mãe.
Então você não é quase um arquiteto, é um arquiteto …
É. Mas quando chegou eu fiz uma música com 21 anos, muito sucesso no Brasil, até hoje, em 1968, que foi “Andança”, com Edmundo Soto e Paulinho Tapajós. Isso aí me tirou do circuito. Aí eu não tinha como não seguir na música. Aí fiz muita coisa, acompanhei Edu Lobo, foi o meu primeiro trabalho. Depois acompanhei Milton Nascimento, gravei muito discos importantes, como Clube da Esquina 1, Clube da Esquina 2.
Segui a carreira como compositor também. Aí, fiz muita coisa para a TV Globo, em novelas, como Tereza Batista, Riacho Doce, que foi um sucesso muito grande, que botou a minha voz no circuito do Brasil todo. É uma música que eu não posso deixar de cantar nos shows. Enfim, aí fui gravado por Elis Regina, Maria Bethânia. Então todas essas grandes cantoras.
Os artistas falam das dificuldades, da instabilidade que se tem na carreira, mas é muito legal também quando ouvimos histórias de sucesso. A sua família é um caso de sucesso nas artes.
Sim! A maior dificuldade dessa profissão é você se manter. Porque um sucesso sazonal, quanta gente você vê que acontece direto, cinco anos depois não existe mais. As pessoas deletam. Isso é um problema.
Então é um negócio que eu aprendi em família mesmo, de você cuidar da profissão para se manter na profissão. Se o público decide que você não existe mais, não vai existir.
Um tom sobre Jobim vai ter Desafinado, vai ter Garota de Ipanema, Chega de Saudade. O que mais você pode falar sobre o repertório?
Olha, o repertório é muito focado na parte de interpretação. São as músicas mais complexas do repertório do tom, que às vezes não é muito comum, que as pessoas costumam cantar. O pianista é muito inimigo do cantor quando ele faz música, que no caso do Tom ele fazia no piano, mas ele dá aquelas extensões, intervalos, e às vezes canções muito complexas como a Stacy está cantando “Imagina”, que é extremamente difícil.
Falando de cantar corretamente a música. Como eu canto “Luísa” também, porque é cheio de detalhes. É um meio tom aqui, um tom inteiro ali. É uma coisa que você tem que prestar atenção como a música foi feita. Muita gente canta erroneamente a música. Mas a Stacy fez “Imagina” que é uma canção extremamente difícil, lindamente, na última vez que nos encontramos, em Lisboa.
E como são esses ensaios? São ensaios remotos? Até chegar próximo do show, vocês vão ajustando os detalhes?
Essa ajuda maravilhosa dos músicos de Lisboa fica tudo fácil. É chegar, ensaiar, o resto. No primeiro concerto, sim, tinha uma coisa, ajeita aqui, ajeita ali. Mas depois disso, o processo só foi aglutinando e trocando e tentando fazer o melhor, que é o que se deve fazer no palco. Muita concentração, como ela tem também. Ela é uma cantora maravilhosa. Olha que eu venho de uma família de cantores.
A minha irmã, eu considero uma das melhores cantoras que já ouvi na minha vida, que é a Nana. Ela tem um repertório fantástico, é uma intérprete maravilhosa. Aprendi muita coisa com ela. Esse mergulho na canção... a voz... e a interpretação, o piano, sabe? Ela é fabulosa.
Quais são as suas referências? Quem você admira? Já sabemos que a Nana Caymmi é uma delas.
Os intérpretes da própria obra, como Dorival Caymmi, meu pai, o Tom Jobim cantando “Luísa”, é uma coisa fascinante, é imbatível. Pessoas estrangeiras também. Eu ouço muito no dia a dia, ou na academia, a gente teve uma formação muito jazzística. Eu, meu irmão e a própria Nana também. Porque meu pai era amigo de um homem extremamente rico no Rio de Janeiro e que trazia os discos de jazz.
Então a gente tem influência de base, a gente tem essa referência desde quando éramos muito novos. Essas referências todas. E fora a música erudita também, que meu pai ouvia muito, desses modernos, Ravel… que também são compositores impressionistas que fazem parte desse contexto também, não só de Tom Jobim, mas de Dorival Caymmi, dessa mistura aí dessas famílias é o nosso referencial.
E outra referência importante, que eu acho que é para toda a minha família, da minha mãe, Stella Caymmi, que foi cantora na Rádio Nacional, eles se conheceram, que o papai ouviu a voz dela, ela também era uma intérprete muito forte. Acredito que minha mãe tenha influenciado não só a Nana, a mim , a Dori, mas como o meu próprio pai também, nas interpretações. Eu ouvia muito.
É por isso que a gente valoriza tanto o intérprete. Eu acho que é uma tradição portuguesa também. Uma tradição portuguesa da canção. Eu acho que é isso que a gente está levando. Não é jogar uma canção, é mergulhar. Eu acho que o público português gosta disso, dessa emoção que você está sentindo ali.
Você tem ouvido a nova geração de músicos brasileiros? Tem alguém que te salta os ouvidos?
Eu vejo mais dentro dessa bolha, porque hoje a gente são bolhas, né? E é muito difícil você ter, antigamente você tinha um contexto geral do que estava realmente acontecendo da música popular do Brasil. Eu não tenho ideia, eu só conheço a bolha da minha filha, a Alice Caymmi, que a gente conversa muito, eu vejo por aí, tem gente, amigos dela, muito talentosos. E que eu acompanho mais.
Alice foi educada, assim, como o meu pai era também, um homem ousado para o tempo dele, ela sempre foi educada, quer dizer, viveu comigo muitos anos, para ousar também. E isso eu fico muito feliz, que ela está fazendo uma carreira, também se mantendo, que não é um negócio de você estourar, é se manter. Essa é a grande dificuldade, se manter.
Se você pudesse escolher uma canção interpretada por Nana qual seria?
A minha música, “Meu Menino com a Ana Terra”.
Uma canção interpretada por Dorival?
Pelo meu pai? Puxa vida! Acho que todas as canções do mar. Mas acho que “Canoeiro”. Esse com violão na mão era mortal. Um grande músico que deixou um repertório vivo até hoje. Como o Tom Jobim falava: “Não há uma canção que você possa dizer de Dorival Caymmi essa é mais ou menos. Não há”.
E pela sua mãe, alguma que você destacaria?
Olha, a mamãe … (pausa reflexiva) Eles cantavam muito Vicente Celestino. Ouviam muito fado também. Esses cantores da época deles, dos grandes intérpretes, Orlando Silva, Francisco Alves. Então a gente teve repertório.
E o que você gosta da gastronomia portuguesa? Tem alguma coisa que te apeteça mais?
Eu acho que toda comida (risos). Tudo que eu comia aí é bom. Eu gosto muito do polvo, lula. É muito gostoso. Não sou muito de doce, de açúcar, por causa da profissão também, que a gente tem que caber no figurino, nas calças. Eu abro o armário e as calças ficam falando comigo: Olha aí, presta atenção. Tem que cuidar … (risos)
Obrigado Danilo e bom show para vocês.
Serviço:
"Um Tom sobre Jobim", com Stacey Kent e Danilo Caymmi
Sala Suggia da Casa da Música (Avenida da Boavista 604 - Porto)
Bilhetes: de 30 a 45 euros
Jornalismo verdadeiramente brasileiro dedicado aos brasileiros mundo afora
Os assinantes e os leitores da BRASIL JÁ são a força que mantém vivo o único veículo brasileiro de jornalismo profissional na Europa, feito por brasileiros para brasileiros e demais falantes de língua portuguesa.
Em tempos de desinformação e crescimento da xenofobia no continente europeu, a BRASIL JÁse mantém firme, contribuindo para as democracias, o fortalecimento dos direitos humanos e para a promoção da diversidade cultural e de opinião.
Seja você um financiador do nosso trabalho. Assine a BRASIL JÁ.
Ao apoiar a BRASIL JÁ, você contribui para que vozes silenciadas sejam ouvidas, imigrantes tenham acesso pleno à cidadania e diferentes visões de mundo sejam evidenciadas.
Além disso, o assinante da BRASIL JÁ recebe a revista todo mês no conforto de sua casa em Portugal, tem acesso a conteúdos exclusivos no site e convites para eventos, além de outros mimos e presentes.
A entrega da edição impressa é exclusiva para moradas em Portugal, mas o conteúdo digital está disponível em todo o mundo e em língua portuguesa.