O decano e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, Gilmar Mendes, vê paralelos entre a renúncia do ex-primeiro-ministro António Costa e os anos da Operação Lava Jato no Brasil. Em entrevista exclusiva à BRASIL JÁ, o ministro comentou a saída de Costa —motivada por uma investigação do Ministério Público português— afirmando que "a Justiça e seus aparatos podem desestabilizar a política" e governos.
Com 22 anos de atuação no STF (completados nesta quinta), Mendes embarca no próximo sábado (22) para Portugal, onde ocorre a 12ª edição do Fórum de Lisboa. O evento reúne anualmente acadêmicos, gestores, especialistas, autoridades e representantes da sociedade civil, do Brasil e da Europa.
Este ano, o tema do encontro, que ocorre entre os dias 26 e 28 de junho, é "Avanços e recuos da globalização e as novas fronteiras: transformações jurídicas, políticas, econômicas, socioambientais e digitais".
A BRASIL JÁ conversou por telefone com o ministro nesta quinta (20). Perguntado sobre os riscos de judicialização da política e a prática de lawfare —tendo como exemplo do que ocorreu no Brasil entre 2014 até 2019, com a Lava Jato—, Mendes confirmou que este será um dos assuntos debatidos em painel do fórum.
Para o ministro do STF, existem paralelos possíveis entre a operação em solo brasileiro e a saída de António Costa do cargo de primeiro-ministro de Portugal. O socialista deixou a chefia do Governo lusitano em novembro de 2023, depois de ser noticiado que ele era alvo de uma investigação por corrupção.
Críticos da atuação do Ministério Público português apontam que, meses depois do vazamento da existência da investigação, ainda não há denúncia formulada contra o ex-primeiro ministro. Na sequência da demissão de Costa, o Parlamento português foi dissolvido e foram convocadas novas eleições legislativas.
O pleito foi em março deste ano, quando a extrema direita personificada pelo partido Chega se consolidou como terceira força na Assembleia da República. No caso da Lava Jato, o que se revelou anos mais tarde foi que o Ministério Público Federal e a Justiça Federal agiam alinhados e com alvos definidos, o que não é permitido no direito brasileiro.
Uma das consequências dessa "militância jurídica" foi a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, em 2018, ficou impedido de concorrer às eleições. Naquele ano, sem Lula, que liderava as pesquisas, foi eleito Jair Bolsonaro. O ex-juiz federal Sergio Moro (atualmente senador), que esteve à frente da Lava Jato, deixou a magistratura para ser ministro de Bolsonaro, com quem posteriormente rompeu relações.
Em declaração à BRASIL JÁ, Gilmar Mendes crê não só que António Costa tenha saído num processo parecido, como também menciona as recentes investidas contra o presidente de Governo espanhol, Pedro Sánchez.
Na Espanha, a esposa de Sánchez, Begoña Gómez, é investigada por ordem de um tribunal mesmo tendo o Ministério Público se manifestado contrário ao seguimento da apuração.
"Nós temos um painel sobre essa questão de judicialização da política e atuação do Ministério Público e do Judiciário. Portugal viveu, também, esse seu momento, que levou à renúncia do primeiro-ministro [António] Costa. E a Espanha teve também um episódio envolvendo a esposa do presidente [Pedro] Sánchez. Portanto, são temas comuns, que a Justiça e seus aparatos podem desestabilizar a política, os governos. Então, é sempre oportuno que esses debates estejam atualizados", afirmou Mendes.
Para o ministro, "é extremamente relevante discutir isso e colher as impressões e informações de outros países que vivem situações idênticas ou semelhantes a que nós [brasileiros] vivemos".
"O Brasil teve um momento de protagonismo da Lava Jato, que vai de 2014 a 2018 ou 2019, com sérias consequências para a estabilidade política do país", disse.