Contagem de votos (Arquivo). Crédito: Agência Lusa, reprodução

Contagem de votos (Arquivo). Crédito: Agência Lusa, reprodução

Eleições portuguesas sofrem tentativa de interferência externa

Vídeo com ataques ao PS foi difundido por canal 'Bolsonaristas em Portugal'

29/02/2024 às 15:25 | 4 min de leitura
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Pela primeira vez, pesquisadores portugueses identificaram indícios de interferência externa nas eleições no país. No próximo dia 10 de março ocorrem as eleições legislativas, quando serão eleitos 230 deputados para compor a Assembleia da República.  

O estudo conduzido por investigadores do MediaLab do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e a Empresa (ISCTE), do Instituto Universitário de Lisboa, detectou que, por meio de anúncios online, se acusou o Partido Socialista (PS) de corrupção. 

Usando o mesmo artifício, se difundiu por redes sociais a memória sobre cortes do Partido Social-Democrata (PSD) durante a chamada troika —que consistiu, em 2011, na entrada em Portugal do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia. 

Quer dizer, os dois alvos preferenciais dos anúncios pagos foram os partidos que, hoje, segundo pesquisas, têm chances de conseguir a maioria no parlamento.  

Os pesquisadores ressaltam que, até então, nunca se havia identificado qualquer indício claro de interferência externa direta nas eleições portuguesas. A equipe que detectou a ameaça externa acompanha a comunicação sobre as eleições nas redes e veículos de comunicação no país desde 2019. 

Bolsonaristas em Portugal 

O vídeo com as acusações contra o PS foram difundidos num canal do Youtube com o nome Bolsonaristas em Portugal. O caso se tratou de um anúncio pago via Google, com um vídeo de oito segundos, que foi distribuído em vários sites portugueses, inclusive páginas de jornais nacionais. 

As imagens começaram a circular em 22 de fevereiro e, depois, deixaram de estar disponíveis. O MediaLab reportou que o anúncio acusava dirigentes do PS de corrupção e era ilustrado com fotos de José Sócrates e do ex-primeiro-ministro António Costa. 

Títulos de reportagens dos jornais Eco e Público eram descontextualizados, o que segundo os pesquisadores é uma estratégia habitual para produzir desinformação. 

Um rastreamento feito pelos investigadores do MediaLab do ISCTE apontou a autoria para uma empresa chamada Nekoplay LLC, com sede em Delaware, nos Estados Unidos. Dados públicos do centro de transparência de anúncios da Google sugerem que a empresa se dedica, sobretudo, a anúncios ligados à indústria de jogos.

A Lusa tentou localizar a Nekoplay LLC, mas verificou que os os contatos da companhia remetem para uma outra empresa, com sede em Las Vegas, também nos Estados Unidos. Entretanto, esta outra empresa é somente um agente de recepção e registro de documentação.

Chega e Bolsonaro

Em entrevista ao jornal Público, nesta quinta (29), Gustavo Cardoso, um dos coordenadores da pesquisa, disse que embora o canal onde foi veiculado o anúncio com desinformação se chame Bolsonaristas em Portugal, isso não significa necessariamente que haja um vínculo entre o nome e o conteúdo.

Ele ressaltou, por exemplo, que o conteúdo foi financiado por uma empresa que não está no Brasil. 

Em Portugal, entretanto, há um alinhamento entre o partido Chega e a família Bolsonaro —aliados, inclusive, nessas eleições legislativas. 

Conforme publicou o Observador, o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro gravou, em janeiro deste ano, um vídeo de apoio ao líder do Chega, André Ventura. 

“É muito importante que André Ventura consiga a cadeira de primeiro-ministro”, afirmou Bolsonaro, ao se dirigir “a todos de Portugal, em especial aos brasileiros”. 

Em resposta, Ventura agradeceu ao ex-presidente brasileiro, aproveitando para atacar o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Nas eleições que Bolsonaro perdeu para Lula, em outubro de 2022, o líder do Chega já havia se manifestado a favor do ex-presidente.

 A BRASIL JÁ enviou questionamentos ao Chega sobre a pesquisa do ISCTE. Um e-mail foi enviado às 15h58 desta quinta (29) e eventual resposta será incluída na reportagem. 

Empresa associada a desinformação

A pesquisa do MediaLab conseguiu detectar que o nome da Nekoplay LLC também aparece associado a conteúdos políticos e desinformativos em Singapura, Roménia e Panamá. Esses países, assim como como Portugal, têm eleições em 2024.

Até ao momento, informou a Lusa, os investigadores consideram que "não há qualquer ligação aparente a alguma força política portuguesa" e que "tudo remete para o exterior de Portugal", ou seja, "um ato de influência externa em período eleitoral".

Os pesquisadores acreditam que os indícios reforçam a tese de que a tentativa de interferência é externa pelos seguintes motivos: 

- A propriedade do anúncio é, supostamente, de uma empresa em Delaware, considerado um paraíso fiscal 

- A Nekoplay está ligada a outros casos de desinformação, em outros países

- O nome do anúncio do canal ser 'Bolsonaristas em Portugal'

Alerta dos coordenadores

Os coordenadores da pesquisa Gustavo Cardoso e José Moreno alertam que este tipo de prática desinformativa, "em particular as de influência estrangeira, procuram, acima de tudo, criar dúvidas na população, mais do que fazer acreditar em qualquer coisa".

O segundo caso —com a memória contra o PSD—  envolve também um vídeo de campanha, mas o dono do anúncio não foi identificado.  O anúncio, entretanto, circulou por vários utilizadores das redes X (ex-Twitter) e Reddit, e também no Youtube.

É um vídeo que, segundo os pesquisadores, tem "uma produção cuidada", e que lembra "os cortes do tempo da troika e os atribui ao PSD". A autoria aponta para um canal chamado Jovens por Portugal e foi exibido, antes de ser retirado, 135 mil vezes. 

Tanto o vídeo como o canal do Youtube foram suspensos, segundo o MediaLab.

Uma porta-voz da Google citada pelos investigadores afirmou que, quando os anúncios não cumprem as regras definidas pela plataforma, "são tomadas medidas para os remover". E as regras da definem que os anúncios "só poderão ser apresentados se o anunciante for verificado pela Google".

Os dois anúncios foram desativados 48 horas depois de começarem a circular.

O estudo do MediaLab do ISCTE, coordenado por Gustavo Cardoso e José Moreno, faz parte de pesquisa sobre as eleições nas redes sociais e processos de desinformação na fase pré-eleitoral para as legislativas, e foi realizado em parceria com a Agência Lusa.

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