Cantora Eliana Rosa representa a força da mulher cabo-verdiana em filme "Manga D'Terra". Crédito: Déborah Lima, BRASIL JÁ

Cantora Eliana Rosa representa a força da mulher cabo-verdiana em filme "Manga D'Terra". Crédito: Déborah Lima, BRASIL JÁ

Eliana Rosa: voz, alma e poesia cabo-verdiana nos cinemas de Portugal

A história da artista que interpreta a protagonista no filme 'Manga D'Terra'

12/06/2024 às 14:19 | 6 min de leitura
Publicidade Banner do projeto - Empreendimentos - Maraey

Abraço, sorriso no rosto e uma conversa na varanda ao som do rádio ligado na RDP-África. Foi assim que Eliana Rosa recebeu a reportagem da BRASIL JÁ em sua casa, na Reboleira, bairro do município de Amadora, região metropolitana de Lisboa. 

Aliás, Eliana Rosa e o bairro da Reboleira são elementos centrais do filme "Manga D'Terra", em exibição nos cinemas portugueses. Na obra, a cantora e atriz interpreta "Rosinha", que aos 20 anos resolve deixar os dois filhos em Cabo Verde para viver em Portugal, na esperança de oferecer a eles uma vida melhor. 

A história do filme, que trata de imigração, assédio e violência policial, também mostra como amor e música podem ser um verdadeiro refúgio. Trata-se de uma história que se confunde com a vida da atriz.


Conexão com o Brasil

Eliana Rosa nasceu na Ilha de Santo Antão, em Cabo Verde. Também viveu em Praia (capital de Cabo Verde, na Ilha de Santiago) e na Ilha de São Vicente, desenvolvendo desde cedo uma conexão com a música. 

"Quando éramos pequenos, sabíamos todas as músicas das novelas brasileiras, estávamos sempre a cantar", relembra. "Eu subia no terraço, não sei como vocês dizem, é laje?", ela pergunta, demostrando conhecimento sobre a cultura brasileira. 

"Meu primo tocava numa lata de leite, enquanto eu e minha prima cantávamos". 

A atriz deu uma palhinha do que costumava cantarolar quando pequena: "Carne e unha, alma gêmea, bate coração…”, entoou, em voz potente, a música interpretada por Fábio Jr., na abertura da novela Alma Gêmea (2005). "Minha mãe não me deixava assistir, mas eu ouvia as músicas", relembrou Eliana, sorrindo.

A então talentosa adolescente, cheia de vontade de se mostrar ao mundo, teve uma educação rígida em casa. 

"Havia noites cabo-verdianas em que se cantava em restaurantes para ganhar algum dinheiro, mas minha mãe não deixava por eu ter apenas 14 anos. No entanto, com a ajuda de uma amiga que me buscava e trazia de volta no horário certo, comecei a cantar e, graças a ela, iniciei minha carreira musical profissionalmente", contou. 

"Minha mãe é a melhor pessoa do mundo! Na altura, eu achava ela muito rígida, mas hoje em dia eu dou graças a Deus [por ela]."

Aos 17 anos, Rosa participou de um concurso chamado "Todo Mundo Canta" e ganhou a etapa regional representando a Ilha de São Vicente. A cantora também venceu a etapa nacional

O reconhecimento abriu portas para que ela se apresentasse com bandas diferentes em Cabo Verde, como Cordas do Sol —uma banda tradicional de Santo Antão. No período, fez parte um coral da escola, o Grupo Coral da Escola Secundária Jorge Barbosa, e começou a fazer aulas de teatro.

Àquela altura, a vida era dividida entre escola, teatro e música. Na dramaturgia, Eliana participou de peças como "Mamma Mia", "Romeu e Julieta" e “SonhaDor”. Esta última apresentada em Macau. Da experiência veio a tatuagem colorida em seu ombro esquerdo que diz "eu sou arte", escrita em inglês.

Após terminar o secundário (equivalente ao ensino médio no Brasil) em São Vicente, Eliana ainda estava incerta sobre qual caminho seguir. 

A oportunidade de estudar teatro em Portugal apareceu e ela decidiu abraçá-la. "Um amigo em Portugal tinha uma escola de teatro. Vim para Portugal, comecei a estudar teatro e a cantar em bares", disse.

De Cabo Verde ao filme em Portugal

Em 2019, Eliana se mudou para Portugal. Os pais dela já estavam no país para um tratamento de saúde de sua irmã. A mudança trouxe novos desafios e oportunidades. "Comecei a estudar teatro e cantar em bares. Conheci amigos aqui também. A minha vida foi essa: o que que eu vou fazer a não ser música?" 

"No início, eu morava na Cova da Moura com meus pais. Depois conheci Basil [da Cunha, diretor de cinema], que sugeriu fazer um filme aqui na Reboleira", acrescentou. O filme, contou, teve início a partir de duas músicas compostas por Eliana durante a pandemia. 

"Escrevi 'Mornabeza' quando estava com muita saudade de casa, e outra que diz 'o meu marido morreu e tenho dois filhos para criar'. A partir dessas músicas, Basil desenvolveu o filme e, dentro disso, nós fizemos as outras temáticas, como a violência policial no bairro, o assédio sexual, a força das mulheres", disse a atriz.

Segundo ela, há uma profunda influência de cultura cabo-verdiana em sua atuação e interpretação musical no filme. Eliana detalhou que as músicas são cantadas em crioulo, a língua materna de Cabo Verde, trazendo autenticidade e conexão cultural à sua performance. 

Eliana lembrou que, embora os cabo-verdianos tenham sido colonizados por portugueses e precisem falar português em locais públicos, o filme apresenta músicas tradicionais cantadas em crioulo. Na opinião dela, isso proporciona uma representação autêntica da cultura de Cabo Verde.

Cantora Eliana Rosa solta a voz em musical "Manga D'Terra" Foto: Divulgaçāo

Assédio constante

Além do idioma, há outras semelhanças entre ela e sua personagem Rosinha. "Eliana Rosa e Rosinha são 60% parecidas: eu não sou mãe como Rosinha, mas nós duas compartilhamos da ingenuidade e enfrentamos o assédio", comparou. 

"A nível de violência policial, só ouvi histórias dos moradores aqui da Reboleira, mas a nível de assédio é o pão nosso de cada dia", afirmou. 

"Sou preta, com 'rabão'. Não é de ficar contente, não é fácil, e é desde Cabo Verde. Desde criança, sempre. Em qualquer lugar era normal. Desde sempre eu senti isso na minha vida. Há pessoas que são muito ignorantes. É muito desconfortável."

Eliana vem de um contexto familiar onde a presença feminina é predominante. Consequentemente, as experiências são compartilhadas —e o apoio também. 

"Minha família é constituída por mais mulheres que homens. Hoje em dia eu e minha mãe somos melhores amigas, ela está sempre à frente para me ajudar em tudo", disse. 

Quando criança, a atriz disse que morava com outras nove pessoas, mas a mãe dela, Isabel, e as tias Adélia e Diolinda, foram as principais fontes de inspiração. 

"Tenho uma mãe muito forte, que passou por coisas muito duras. Tenho muito apoio das mulheres, principalmente da minha família, sempre me põem pra cima." 

E esse espírito de comunidade é representado no filme. 

"O longa é tipo um abraço de carinho porque fala muito da imigração também. É uma personagem que nunca foi representada em outros filmes. É uma mulher preta que tem ajuda de outras mulheres, embora também tenha sido abandonada. Acho que vai ter um sentimento de identificação."

Eliana criticou o recrudescimento da xenofobia em Portugal e fez um apelo para que as pessoas tenham mais empatia e amor.

"É muito feio dizer para todos voltarem para sua terra. Toda gente no mundo é migrante. Queria que as pessoas tivessem mais empatia, mais calma. Se tudo fosse respondido com amor, as pessoas que falam mal iam sentir vergonha", afirmou.

Filme "Manga D'Terra" aborda violência policial no bairro da Reboleira. Foto: Divulgação

Saudade de casa, de Cabo Verde

A vinda para Portugal trouxe para Eliana Rosa uma nova perspectiva sobre imigração e identidade cultural. Perguntada sobre o que sentia falta em Cabo Verde, ela responde imediatamente: "do sol". E não é só no sentido mais poético, como ela explica: "Aqui tenho falta de vitamina D, tenho que tomar remédio para repor".

"Também sinto falta do vento, da brisa. Sou uma pessoa que tem muitas saudades. Sentiu esse ventinho que passou? Essa brisa lembra Cabo Verde. Sinto falta do 'bom dia' das pessoas, sem mal nenhum. A 'morabeza', que é uma palavra que nós dizemos para a hospitalidade, o carinho, a forma como as pessoas te recebem lá", descreveu. 

Esta repórter, também imigrante, enche os olhos d'água ao se identificar com a saudade de uma certa "morabeza" do Brasil.


Meu lugar preferido

A saudade é grande, mas Eliana (como não) se orgulha de sua trajetória em Portugal, onde fez grandes amigos e coleciona histórias para contar. 

"Eu gosto de mudanças. Eu amo Portugal, é minha primeira ou segunda casa. Mas também amo Cabo Verde, lá é especial, tu renovas a saúde, tem mais tempo de vida. Cabo Verde é minha casa, meu lugar preferido no mundo."

E é em Portugal, lugar pelo qual ela também declara amor, que Eliana enxerga a oportunidade de crescer artísticamente. 

"A música é tudo para mim. É o que me faz acordar. Meu sonho é chegar cada vez mais longe e representar minha terra, Cabo Verde", afirmou. 

Um de seus exemplos na arte é Cesária Évora, cantora da música popular cabo-verdiana que alcançou reconhecimento internacional. "Vejo o que ela fez e gostaria muito de fazer —não igual, mas perto. É uma cantora que levou Cabo Verde para o mundo."

Rosa também manifestou um desejo de continuar no cinema, lembrando da importância de histórias que refletem a realidade e a cultura cabo-verdiana. 

“Cabo Verde tem uma cultura de música tão gigante. É incrível. Todas as pessoas ou cantam ou tocam, mas não nenhuma tem formação na área, ninguém estuda música. É muito sensitivo", disse.

Já na despedida, a cantora deixou um convite para que todos assistam o filme. 

"Espero, de coração, que as pessoas vão ver o filme. Não teve patrocínio, fizemos sem dinheiro. Não era pra ser uma longa-metragem e foi. É um musical com cinco músicas. Foi um filme feito com muito amor. Muito poético."

Instagram: (@eliana_rosa_official)

Jornalismo verdadeiramente brasileiro dedicado aos brasileiros mundo afora


Os assinantes e os leitores da BRASIL JÁ são a força que mantém vivo o único veículo brasileiro de jornalismo profissional na Europa, feito por brasileiros para brasileiros e demais falantes de língua portuguesa.


Em tempos de desinformação e crescimento da xenofobia no continente europeu, a BRASIL JÁ se mantém firme, contribuindo para as democracias, o fortalecimento dos direitos humanos e para a promoção da diversidade cultural e de opinião.


Seja você um financiador do nosso trabalho. Assine a BRASIL JÁ.


Ao apoiar a BRASIL JÁ, você contribui para que vozes silenciadas sejam ouvidas, imigrantes tenham acesso pleno à cidadania e diferentes visões de mundo sejam evidenciadas.


Além disso, o assinante da BRASIL JÁ recebe a revista todo mês no conforto de sua casa em Portugal, tem acesso a conteúdos exclusivos no site e convites para eventos, além de outros mimos e presentes.


A entrega da edição impressa é exclusiva para moradas em Portugal, mas o conteúdo digital está disponível em todo o mundo e em língua portuguesa.


Apoie a BRASIL JÁ

Últimas Postagens