Empresário Lucas Atanazio Vetorasso. Crédito: Reprodução

Empresário Lucas Atanazio Vetorasso. Crédito: Reprodução

Embaixada em Portugal divulgou negócio de investigado por suspeita de estelionato no Brasil

Possíveis vítimas cobram na Justiça 5 milhões de reais de Lucas Atanazio Vetorasso, cuja defesa diz que todos os negócios conduzidos por ele são 'estritamente regulados pela lei'

15/06/2024 às 10:13

Ao entrar na sala do Leap Sete Rios, Lucas Atanazio Vetorasso calçava um sapato desgastado, vestia uma roupa social preta apertada e ostentava, no bolso do blazer, um lenço rosa claro. No local funciona um centro de negócios que fica numa área empresarial privilegiada de Lisboa. 

Ao todo, o espaço tem quase 3 mil metros quadrados de escritórios privados e salas de coworking. Naquela tarde de 17 de abril, uma quarta-feira, a maioria das salas estava fechada, mas a de número 21 ficou reservada para a palestra do empresário. O evento estava vazio. 

O espaço comportaria confortavelmente vinte pessoas, mas havia três espectadores no encontro com Lucas Atanazio, como é conhecido no mundo empresarial. A expectativa era de que houvesse mais gente — considerando o apoio institucional da Embaixada do Brasil em Lisboa. 

Dias antes, a embaixada compartilhou um banner do evento em seu perfil oficial no Instagram. A foto contava com a logo do órgão e a palavra “apoio”. É anunciada na imagem a palestra gratuita de Lucas Atanazio Vetorasso, quando teoricamente ele apresentaria sua “história, estratégias e segredos”. 

O nome Lucas Atanazio está em letras garrafais na publicação, seguido da afirmação insustentável de que ele seria o maior nome do setor de franchising. 

O apoio da embaixada não gerou os resultados esperados em termos de público, mas o Grupo Atnzo demonstrou gratidão na mesma rede social fazendo eco da postagem da representação brasileira: “Nós, da equipe Atnzo e senhor Lucas Atanazio, agradecemos imensamente o apoio da embaixada”

Publicação da embaixada do Brasil em Portugal dando suporte a evento de Lucas Atanazio. Crédito: Reprodução

A palestra durou duas horas, e Atanazio manteve o script do banner na rede social. O empresário falou sobre liderança, marketing e empreendedorismo. Lucas Atanazio escolheu ficar de pé, fixo, no mesmo lugar, para discursar. Enquanto olhava nos olhos das três pessoas que o assistiam, o empresário gesticulava muito. 

Antes de entrar no tema do encontro, ele contou aos presentes que não tem formação acadêmica tradicional. Disse ter abandonado a faculdade de Letras. Apesar disso, o empresário afirmou ter registro de jornalista, alegando que conseguiu a carteira profissional por ter livros publicados no Brasil — o registro de jornalista não é concedido somente por se publicar livros. 

Ao tratar de negócios, Atanazio se arriscou a fazer uma analogia com a política brasileira para criticar a polarização ideológica. Mencionando a última eleição presidencial, ocorrida em 2022, ele afirmou que as pessoas tendem a levantar bandeiras sem aceitar o contraditório. 

“Vamos lá: Brasil. Lula e [Jair] Bolsonaro nessa eleição. Deus me livre. Os dois podem ser dois crápulas. Vocês podem amar, não me importo, porque não estou aqui para falar de política. As pessoas brigavam com os entes que amavam por conta dessa polarização”, disse. 

Em linhas gerais, durante as duas horas de fala o empresário defendeu a “neutralidade” no ambiente de negócios para atender clientes de forma indistinta. Atanazio disse que estava em Portugal para participar da internacionalização de uma de suas marcas, a Poppys, cuja inauguração da primeira lanchonete ocorreria dali cinco dias. 

Ao fim da palestra, ele contou que pretende, nos próximos cinco anos, ter cinquenta unidades da marca de fast food em Portugal. Segundo ele, essa é a sua porta de entrada na Europa, já que sua intenção também é expandir seus negócios para outros países no continente. 

Mas há mais sobre o empresário Lucas Atanazio Vetorasso, que se apresenta na Internet como o "grande nome da franchising" (franquia, em português). 

Franquias no Brasil

Em seu site, ele afirma ter intermediado a implementação de mais de 3 mil lojas franqueadas só no Brasil. O que não é informado na página, contudo, é que Atanazio está à frente de um grupo empresarial com processos na Justiça brasileira e que, só em São Paulo, somam pedidos de indenizações que passam de 5 milhões de reais (cerca de 930 mil euros), além de pedidos de rescisão de contratos e aluguéis atrasados. 

Também não é dito que ele e a companhia da qual é CEO (Chief Executive Officer) são alvos de uma investigação da Polícia Civil de São Paulo por estelionato. Sua defesa, no entanto, diz que os negócios são “estritamente regulados pela lei” e que as ações e a investigação seguem “o devido processo legal”. 

Apesar disso, enquanto esteve em Portugal, sua recepção não poderia ter sido melhor. Por onde passou, o empresário teve estendido o tapete vermelho, o que talvez não tivesse ocorrido se empresas e órgãos públicos, incluindo a Embaixada do Brasil, tivessem feito uma busca simples no site da Justiça brasileira, onde é possível obter informações públicas. 

Expansão para a Europa é anunciada em página de franqueadora. Crédito: Reprodução

Em seu périplo pelo país, o empresário deu palestras, foi entrevistado em um podcast como caso de sucesso e participou do lançamento de uma lanchonete numa das principais zonas comerciais da capital. Lucas Atanazio também contou com o apoio da própria embaixada brasileira para repercutir a sua presença no país. 

O perfil institucional do órgão emprestou sua cre dibilidade de instituição oficial para divulgar um evento promovido pelo empresário. Procurada, a embaixada não respondeu às perguntas da reportagem sobre o caso — ficou sem resposta, por exemplo, quais os critérios de seleção para o empréstimo de sua credibilidade. 

O empresário também esteve no podcast Podvir Portugal para falar sobre atendimento ao cliente e palestrou para alunos do Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa, o Isec, sendo exaltado pela instituição como “um dos mais conceituados profissionais no setor de franquias ".

Os alunos da Licenciatura em Gestão Hoteleira tiveram a oportunidade de assistir a uma palestra ministrada por Lucas Atanázio Vetorasso, conceituado empresário e CEO da Atnzo Franchising Co”, compartilhou em publicação no Instagram o instituto. Em nota enviada à BRASIL JÁ, a faculdade afirmou desconhecer os processos contra seu convidado e que a presença do empresário foi pontual. 

Isec Lisboa exaltou a visita de Lucas Atanazio. Crédito: Reprodução/Instagram

“O Isec Lisboa não identificou qualquer questão de cariz legal que envolva Lucas Vetorasso, não tem qualquer relação contratual (ou outra) com a pessoa em questão e teve acesso exclusivamente ao seu percurso e experiência profissional, bem como ao anunciado investimento direcionado para Lisboa”, informou a instituição, que poderia ter confirmado o histórico do empresário no site da Justiça de São Paulo. Tudo informação pública. 

Na página, está visível a existência de 38 processos na esfera cível contra ele ou sua empresa justamente por conta de sua atuação profissional. Os processos identificados contra a Atanazio Investimentos Eireli tratam de pedidos de indenização, rescisão de contrato e perdas e danos. Algumas ações já passaram à fase de execução. Significa dizer que a Justiça o sentenciou a pagar os valores determinados nas ações.

'Amarra as carça'

“No Brasil, nós temos a expressão amarra as carça [calças]. Segura que nós vamos voar!” Assim o empresário anunciou o lançamento da primeira lanchonete Poppys em Lisboa, uma das marcas que o empresário investigado por estelionato no Brasil representa e comercializa. 

A unidade foi inaugurada no Shopping Saldanha Residence, na Avenida Fontes Pereira de Melo, um grande centro comercial de Lisboa. A abertura ocorreu no dia 22 de abril e foi alardeada por Atanazio, além de ser turbinada no Instagram pelo DJ Bruno Garcia, escolhido para divulgar a abertura da lanchonete. 

“Muito obrigado @grupoatnzo pela oportunidade e @poppyslisboa sucesso, vocês são nota 10!”, escreveu Garcia na legenda de um vídeo publicado e marcado com a hashtag “publi”, de publicidade. À reportagem, o DJ disse que foi procurado por uma mulher para participar da promoção da lanchonete ao lado do empresário. 

Bruno Garcia afirmou não se lembrar quem foi a pessoa. De todo modo, as belas histórias contadas nas redes sociais costumam deixar de fora os litígios e os problemas da vida real, como a ação que o médico Victor Alexandrino Milfont move contra o empreendimento de Lucas Atanazio. 

Entre junho de 2020 e abril de 2021, Victor Milfont fechou contratos com o empresário e com Carla Roberto Tavares Atanazio Vetorasso —apontados pela polícia civil de São Paulo como donos da empresa Atanazio Investimentos LTDA— para pôr de pé duas franquias de lanchonetes: uma unidade Poppys Smash Burger e outra do Galo Zé, em São Paulo. 

Portaria registrando a abertura de inquérito contra Lucas Atanazio Vetorasso. Crédito: Reprodução


Obtida pela BRASIL JÁ, a abertura do inquérito da Polícia Civil de São Paulo informa que Victor Milfont fez repasses ao Grupo Atanazio que somam 575 mil reais. Os valores reclamados pelo médico na Justiça paulista, no entanto, chegam a 650 mil. 

A frustração com o investimento que a polícia apura como possível golpe financeiro deixou marcas em Victor Milfont. 

À BRASIL JÁ, o médico afirmou: “Tive e tenho muitos problemas com a empresa. Eles me devem muito dinheiro, além de ter afetado meu emocional e meu relacionamento familiar. Então, procuro nem falar muito sobre o assunto e deixar com os advogados”. 

O advogado Henrique Lourenço, que representa o médico na ação criminal movida contra Lucas Atanazio, disse que a situação não se trata de “mera inadimplência”, de um não pagamento por parte da empresa Atanazio Investimentos e seus representantes. Ele explica: 

“A primeira postura do cliente [Victor Milfont] foi procurar um advogado para cobrar a dívida, na boa-fé de que era um contrato inadimplido [não cumprido], um contrato que deu errado. Mas se percebe que pelo modus operandi [da empresa de Atanazio], passa de um negócio que não foi bem-feito para um esquema em que você manteve uma pessoa em erro, fazendo ela acreditar que teria algum tipo de negócio acontecendo”. 

O advogado se refere aos pagamentos feitos pelo médico e à promessa de que as franquias de lanchonetes estavam saindo do papel —o que nunca aconteceu. A investigação por estelionato está sendo tocada pela 16° Delegacia de Polícia, em Vila Clementino, em São Paulo. 

A investigação dos negócios de Atanazio pode eventualmente se tornar uma denúncia do Ministério Público de São Paulo. Segundo Lourenço, o crime neste caso “está exposto”, mas ele pondera que atualmente a Justiça brasileira permite encaixar o crime de estelionato em um acordo de não persecução penal. 

Lucas Atanazio é investigado por suspeita de estelionato no Brasil. Crédito: Reprodução

Significa dizer que, se for indiciado pelo crime, Lucas Atanazio poderá admitir a culpa e se comprometer a devolver o dinheiro ao médico. Assim, fica resguardado da denúncia e pode seguir em liberdade. 

“Se ele [Lucas Atanazio] não aceitar [o acordo], o processo segue e vira denúncia. E se o MP [Ministério Público] não propor o acordo [de não persecução penal], quer dizer que ele tem todos os motivos para oferecer a denúncia”, afirmou o advogado. 

De qualquer forma, na internet e, agora, na Europa, o empresário segue tentando atrair clientes. No portfólio da empresa, disponível no site do Grupo Atnzo, a companhia registra ser a representante de várias marcas como: Poppys, Merilú, Kofi, Cantinaria, Café Quemel, O Porco Loco e outras. 

Afora as dezenas de processos na Justiça em São Paulo, há queixas contra o Grupo Atnzo também no site Reclame Aqui —plataforma online brasileira em que se pode tornar públicas reclamações e avaliações de serviços ruins. 

Um dos relatos contra a empresa é de uma pessoa de São Francisco do Sul, Santa Catarina, que descreve ter fechado acordo com o grupo para abrir uma lanchonete. O texto afirma que o interessado fez um adiantamento de 10 mil reais como “taxa de franquia”, em agosto do ano passado. 

Entretanto, a pessoa relatou ter se arrependido do empreendimento depois de conhecer mais detalhes da Atnzo. Ao pedir a devolução da taxa, o que se conta é que o dinheiro foi negado e a pessoa ainda teve o nome incluído no Serviço de Proteção ao Crédito brasileiro. Quer dizer, ficou com o “nome sujo”. 

“Quero meu nome limpo, minha dignidade”, consta na reclamação. Em outra queixa, um interessado em montar uma franquia em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, afirma que investiu 40 mil reais em 2021. O acordo previa a devolução dos valores em quinze meses, o que nunca aconteceu. 

“Realizei inúmeras tentativas de ressarcimento. E em contato com os diretores, sempre me davam alguma desculpa. Depois de um tempo, nunca mais me responderam.” 

O que diz a defesa de Lucas Atanazio

Em nome de Lucas Atanazio Vetorasso, o advogado Marcelo Pimenta afirmou, em resposta à BRASIL JÁ, que todos os negócios conduzidos pelo cliente são “estritamente regulados pela lei, com transparência e equidade nas relações entre franqueadores, franqueados, parceiros e outrem”. 

E acrescenta, também, que todos os empreendimentos estão em conformidade total com as leis aplicáveis, “garantindo que todos os contratos e acordos sejam justos e transparentes”. 

O advogado afirma, ainda, que “o sucesso de uma franquia ou de outros negócios é um esforço conjunto, e não pode ser visto apenas sob a ótica do franqueador nem isento de quaisquer fatores externos”. 

O texto menciona que Lucas Atanazio e a defesa estão “cientes de que existem alegações e processos em andamento”, e acrescenta que cada caso está sendo tratado de acordo com o devido processo legal.

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