Influenciadores brasileiros fazem sucesso ao mostrar vida em Portugal nas redes sociais. Crédito: Arquivo Pessoal

Influenciadores brasileiros fazem sucesso ao mostrar vida em Portugal nas redes sociais. Crédito: Arquivo Pessoal

Influenciadores ponto BR: os brasileiros que produzem conteúdo em Portugal

As múltiplas facetas e abordagens para apresentar um país a conterrâneos

28/11/2024 às 09:49 | 5 min de leitura
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“Veja tudo o que comprei com dez euros” e “paguei trezentos euros no meu carro” são abordagens clássicas, mas exaustivas e pouco fiéis à realidade de vídeos que viralizam nas redes sociais de brasileiros em Portugal. Alguns conteúdos transmitem a falsa ideia de que a vida fora do Brasil é perfeita — e não é.

E foi expondo justamente “o outro lado” da perfeição retratada por seus colegas produtores de conteúdo que Kelvy Albuquerque, de 32 anos, conseguiu notoriedade. 

“Eu gravei um vídeo capinando, simplesmente. Estava no auge da vinda dos brasileiros e todo mundo iludido com as coisas que vê na internet. Aí eu falei: ‘Olha, vocês que querem vir para cá, para Portugal, venham’... E nisso eu estava capinando um campo de futebol.” 

Para bons entendedores, Kelvy mostrou que a vida até poderia ser melhor que a no Brasil, mas não significava que o processo seria indolor. Os vídeos casuais e francos de Kelvy exibem uma realidade que contrasta com a visão glamurosa do que é morar na Europa.

Produzir conteúdo autêntico e com humor foi o caminho escolhido por ele e pelo marido, Mayuri Sousa, para conquistar visibilidade. 

O casal divide a titularidade do perfil @colonizados_br_pt, que até o fim de outubro somava mais de 84 mil seguidores. “A gente nem tinha seguidores além dos nossos amigos e, de repente, vimos o número subir: duzentos, trezentos, 1 mil...”

Kelvy Albuquerque e Mayuri Sousa levam as dificuldades da vida de imigrante com bom humor nas redes sociais. Crédito: Arquivo Pessoal

O jeito espontâneo e engraçado com que Kelvy expõe a luta diária de imigrantes foi uma aposta pessoal do influenciador. “O meu público principal gosta dessa forma mais leve de levar a vida. Eles querem uma internet mais leve, menos tóxica, em que a gente lida com o problema de uma forma natural”, afirmou.

Ainda assim, ele não se esquiva de temas mais densos, como a xenofobia e o racismo. Kelvy disse à reportagem que, em Portugal, nunca sofreu preconceito por ser gay, mas o fato de ser brasileiro o fez ser alvo de atos xenofóbicos. O preconceito, afirmou, foi mais evidente no local de trabalho. 

Para ele, os ataques sofridos estão associados a uma visão estereotipada que portugueses têm dos brasileiros e, segundo o influenciador, são agravados pelo crescimento da extrema direita.

MAIS: Por que influenciadores digitais estão na mira das autoridades em Portugal

“A Europa passa por esse cenário de transformação, de um movimento de direita com fala mais agressiva contra os imigrantes. E isso reflete em nós”, afirmou. Durante as eleições do Brasil de 2022, ele disse que perdeu quase dez mil seguidores por expor em seu perfil o apoio à eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Entretanto, Kelvy disse que pouco se importou. Ter crescido numa região periférica do Rio de Janeiro, disse, fez com que achasse mais importante se posicionar do que angariar seguidores.

No mundo maior que o quintal

A abordagem da publicitária Angla Gomes, de 29 anos, é diferente daquela proposta por Kelvy. Ela optou por focar seu conteúdo nas viagens de baixo custo que faz e nas vantagens de se viver fora. Antes de cruzar o Atlântico, a vida de Angla tinha sido em Itaocara, no interior do Rio de Janeiro.

Com 23 mil habitantes, a cidade é pequena e pacata — nada parecido com o ritmo frenético da capital, que Kelvy conhece. Em 2017, Angla decidiu realizar o sonho de viajar e conhecer novos lugares. 

“Eu queria mais do que ouvir histórias. Eu queria viver e ver com os meus próprios olhos que o mundo era muito maior que o meu quintal. Eu sabia que não seria fácil e não tinha nenhuma referência”, disse. Nisso ela e Kelvy coincidem: ambos deixam claro aos seguidores que o começo é difícil.

Angla Gomes conta que passou por muitas dificuldades no início da vida de imigrante e hoje pode realizar o sonho de fazer muitas viagens. Crédito: Arquivo Pessoal

Sem dinheiro e rede de apoio, Angla e o marido enfrentaram dificuldades comuns aos que emigram, como dormir num colchão no chão durante meses e lidar com a burocracia. “Passamos por muitos perrengues por falta de grana e por não termos aquela maldade boa de quem vem de uma cidade maior", disse Angla, referindo-se à sua origem no interior do Rio. 

A vida começou a mudar quando, em Portugal, a brasileira se formou em Publicidade e Propaganda e investiu num curso de programação. Mesmo assim, nas contas dela, foram 23 empregos ao longo dos sete anos vivendo por aqui.

Atualmente, Angla trabalha numa multinacional, é sócia de uma agência de viagens e cria conteúdo nas redes sociais. "Eu brinco que sou publicitária por formação, profissional de tecnologia por necessidade, criadora de conteúdo por amor e empreendo porque sinto que é um propósito poder mostrar para outras mulheres que elas podem e devem conhecer o mundo." 

O começo do perfil @angla.gomes no Instagram foi despretensioso. Em 2021, a influenciadora decidiu compartilhar a rotina e viagens de baixo custo.

Angla criou uma espécie de bordão para as andanças, afirmando ser “jovem, imigrante e não-herdeira”. “Quis mostrar as viagens que eu fazia, dormindo em hostel, passando a noite no aeroporto, comendo comida de mercado, vivendo da forma que eu podia, mas viajando", detalhou. A abordagem deu certo, e um público fiel começou a segui-la. Até o fechamento desta reportagem, Angela reunia 49 mil pessoas no perfil.

“Aos poucos, as pessoas foram me reconhecendo pelas viagens, e foi algo que, sinceramente, não foi planejado, foi orgânico. E isso foi trazendo um novo nicho, até que comecei a levar seguidoras, inclusive, para viajar comigo. Inicialmente, por companhia mesmo, e depois se tornou um trabalho." 

E foi no “uma coisa puxa a outra” que Angla fez do perfil um trampolim para abrir, com duas amigas, a agência de viagens Acolá, focada no turismo para falantes da língua portuguesa. Os sonhos de viagem se cumpriram, algo que antes parecia um luxo inacessível.

Entre a comédia e a influência

O veterano de Kelvy e Angla é o humorista Felipe Wesley, de 28 anos, que se mudou para Portugal quando tinha apenas 12. O maranhense foca na comédia e explora as diferenças culturais entre Brasil e Portugal para arrancar gargalhadas dos seguidores. 

Apesar das centenas de milhares de visualizações no perfil @eufelipewesley no Instagram, o rapaz não se considera um influenciador digital. Para ele, o foco é fazer comédia, e não influenciar comportamentos.

"Eu amo muito esse país. É um país incrível, Portugal", disse o infuenciador Felipe Wesley. Crédito: Arquivo Pessoal

“Eu não quero que as pessoas façam nada a partir dos meus vídeos. É só pra rir, absorver e seguir com a vida”, comentou. Nas redes sociais, Felipe aposta em vídeos curtos e fáceis de produzir, com o objetivo, segundo ele, de atrair público para seus shows de stand-up, onde sente que pode expressar melhor seu estilo de comédia. 

A exposição nas redes também lhe rendeu críticas e até processos na Justiça. Ele foi acusado por portugueses de atacar a pátria e de ofender costumes e tradições, o que ele nega, argumentando que seu objetivo é só satirizar e entreter.

“O maior desafio é fazer as pessoas entenderem que aquilo é uma grande sátira. E que, na verdade, eu amo muito esse país. É um país incrível, Portugal. E tudo que eu faço é mesmo explorar estereótipos, porque a comédia trabalha com isso”, contou à BRASIL JÁ

Um dilema comum aos influenciadores ouvidos pela reportagem é a necessidade de adaptar o trabalho ao algoritmo das plataformas, sempre com o objetivo de alcançar novos públicos. No caso de Felipe, o jovem acredita que os vídeos com piadas mais elaboradas raramente têm bom desempenho. 

“Tem a ver com a dinâmica da plataforma. Toda vez que eu faço vídeos mais trabalhados, eles têm um desempenho muito bom dentro do meu nicho, tem muitos comentários e curtidas. Mas quando analiso os dados, 90% são pessoas que já me seguem e só 10% são novas pessoas”, explicou.

Por outro lado, os vídeos que ele chamou de “padronizados”, repetindo temas de outras gravações, acabam chegando a um público novo. “Então, eu tenho que fazer esses vídeos para que eles cheguem nessas outras bolhas, fora do meu conteúdo.” 

Com 37 mil seguidores até a conclusão deste texto, Felipe não ganha dinheiro com a criação de conteúdo, mas enxerga o trabalho nas redes sociais como um negócio em potencial a longo prazo.

Por ora, o foco de Felipe é consolidar uma base de seguidores que o aprecie “pelo que ele realmente é”. Segundo ele, o seu maior alcance é em Portugal, seguido pelo Brasil e, em terceiro, os países africanos de língua oficial portuguesa, sendo 60% mulheres e 40% homens.

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