Grupos de extrema-direita dizem que há um risco de islamização dos países europeus —e que Portugal, consequentemente, seria um deles. Com base no falso argumento, extremistas anunciaram que pretendem desafiar as autoridades portuguesas —que proibiram o protesto ilegal marcado para o próximo sábado (3)— e dizem que irão fazer uma marcha islamofóbica em Lisboa, antes marcada para ocorrer no Martim Moniz.
Para entender a realidade do islamismo em Portugal, a BRASIL JÁ foi atrás de dados sobre a presença muçulmana no país. O estudo A Islamofobia e as suas narrativas em Portugal (2019), da pesquisadora Marta Araújo, da Universidade de Coimbra, indica que, em 2011, 0,2% da população que vivia em Portugal se autodeclarava muçulmana. Os dados são do Censo feito naquele ano.
Na época, o país contava com quase 9 milhões de habitantes, uma população que atualmente passa de 10,3 milhões. Em 2017, segundo o estudo, a Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL) estimou que viviam 50 mil muçulmanos no país. E, mais recentemente, no ano passado, segundo Khalid Jamal, membro-diretor da CIL, o número dobrou.
De acordo com o representante da comunidade, em seis anos, o número de muçulmanos em Portugal passou para mais de 100 mil.
A análise de Jamal ao jornal Nascer do Sol rebate as mentiras da extrema-direita sobre o processo de islamização da Europa. Para ele, acreditar que o continente vai se converter ao Islã é um "disparate". Em resumo, Jamal deu duas razões para que essa hipótese seja refutável.
A primeira é que, embora a presença de imigrantes autodeclarados muçulmanos tenha ganhado força, na prática se trata de uma minoria com baixa expressão.
Cruzando os dados do Censo de 2021 (o mais recente) com a estimativa de Jamal, o resultado é que os muçulmanos não representam nem 1% da população portuguesa.
Outro argumento do diretor da CIL é de que as pessoas que chegam a Portugal necessariamente se adaptam ao país ou, então, têm de mudar para outro local.
Ele mesmo explicou:
"(...) Não quero dizer que estamos a expulsar alguém ou que estamos a dizer que são desavindos ou que não são bem-vindos ao nosso país. Acho que todos são bem-vindos. Contudo, acho que há uma tendência natural para que as pessoas que chegam a Portugal, e quando perceberem que este modus vivendi é, porventura, mais igualitário, mais justo, e que de alguma forma permite a redução das assimetrias e permite que a minha condição de nascença não determine o lugar que almejo, chegar ficam absolutamente fãs desta forma de viver, e acabam por se assimilar, e não o contrário".
Islamofobia, sim, está em alta
O estudo da pesquisadora Marta Araújo, da Universidade de Coimbra, também traz dados do Relatório Europeu da Islamofobia de 2016. Os números indicam uma perspectiva ruim em relação ao Islã por pessoas que participaram do levantamento. Segundo os dados, mais de um terço dos entrevistados descreveu a sua atitude pessoal em relação aos muçulmanos como “negativa” ou “muito negativa”.
Além disso, 57,9% associaram o Islã à discriminação das mulheres; 54,3% ao fanatismo; 39,4% à propensão para a violência; e 42,9% à intolerância.
Ao mesmo tempo em que foi bem menor a percepção positiva do Islã. O estudo mostrou que, na Europa, 19,8% associaram a religião à tranquilidade, tolerância (17,6%), respeito pelos direitos humanos (17,1%) e solidariedade (27,4%).
Portugueses são mais tolerantes que o resto da Europa
Os dados de 2016 também demonstraram que os portugueses, em comparação com o restante dos europeus, eram mais favoráveis à aprovação da construção de mesquitas e minaretes em Portugal, 73,5% e 53,4% respectivamente.
Enquanto 39,4% consideravam outras culturas e religiões como uma ameaça ao seu país, 81,1% também avaliavam que o aumento da diversidade cultural significava uma forma de enriquecimento da sociedade.
Além disso, 89,2% consideravam que todas as afiliações religiosas em Portugal deveriam ter os mesmos direitos; 41,6% concordaram que meninas devem ser autorizadas a usar um véu na escola; e 36,5% consideravam que o Islã se adapta bem ao mundo ocidental.
LEIA MAIS:
Coletivos celebram proibição de marcha xenofóbica em Lisboa
Marcelo: Discurso de ódio contra minorias não desapareceu das sociedades