Marielle Franco. Crédito: Instituto Marielle Franco, divulgação.

Marielle Franco. Crédito: Instituto Marielle Franco, divulgação.

Marielle Franco: crime e castigo seis anos depois?

A verdade é que a delação e as prisões podem trazer, por fim, a resposta sobre os mandantes do assassinato

11/04/2024 às 16:39 | 4 min de leitura
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 A manhã de domingo, 24 de março, ficará marcada na história do Brasil. O país acordou com a resposta dada pela Polícia Federal sobre quem mandou matar a vereadora Marielle Franco. Desde as primeiras horas da manhã, agentes federais cumpriam três mandados de prisão. 

Dois deles contra os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão. O primeiro, membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e o segundo, deputado federal. A terceira ordem de prisão, porém, foi a que causou mais choque: o ex-chefe de Polícia Civil Rivaldo Barbosa. Há seis anos, o Brasil aguardava essa resposta em um caso que correu o mundo. 

A vereadora foi assassinada na noite do dia 14 de março de 2018 com treze tiros disparados por uma submetralhadora HK MP5 com munição comprada pelas forças de segurança do estado e desviada vários anos antes do crime. Só nisso, estava evidente como o Estado brasileiro era, em alguma medida, também responsável pela morte dela e de seu motorista Anderson Gomes, morto no mesmo episódio por consequência do atentado. 

Irmãos Brazão (à esquerda) e Rivaldo Barbosa, presos suspeitos de planejar assassinato de Marielle. Crédito: Agência Brasil, Alerj.

Mas o que veio à tona é um enredo assustador, mas não surpreendente totalmente. Ao menos não aqueles que há anos acompanhavam a falta de esclarecimentos de certos crimes no Rio de Janeiro. Vou explicar. 

Há cinco anos, em março de 2019, quando ex-policial militar Ronnie Lessa foi preso, ele era visto como um herói pela polícia. Vizinho de Jair Bolsonaro (os dois moravam no mesmo condomínio no Rio de Janeiro), ele foi parar atrás das grades depois de uma meticulosa investigação, liderada por duas promotoras do Ministério Público, que colheram uma série de provas documentais e técnicas que demonstraram que ele não apenas disparou como planejou o crime durante meses. 

Desde que foi preso, Lessa negou o crime. Quando foi apontado como assassino, ele ainda era réu primário apesar de há vários anos acumular participação e liderança em diversos crimes. Ele entrara para o Bope, a tropa de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro, como voluntário, em 1993, depois de dois anos como policial. 

Ao investigá-lo sobre o assassinato de Marielle Franco, o Ministério Público descobriu que, desde o início da carreira policial, Lessa se identificava com a banda podre da polícia. Era integrante da Scuderie Le Cocq, grupo formado principalmente por policiais que defendiam a execução de pessoas que eles consideravam criminosos, uma espécie de esquadrão da morte. 

Lessa tinha a matrícula número 3127 —conforme atesta sua carteirinha de membro, encontrada em sua casa nas investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco. Só após a prisão, acusado de ser o assassino da vereadora, ele foi expulso da corporação e condenado, em 2021, pela ocultação das armas que teriam sido usadas no crime. Pegou quatro anos e meio de prisão. No entanto, ainda aguarda o júri popular para ser julgado pelo homicídio. 

Até o fim do ano passado, ele se declarava inocente e negava a participação no crime. Havia já muitas provas que o colocavam na cena do crime. Faltava, porém, uma testemunha. Nos últimos meses, no entanto, essa realidade foi sendo alterada por outro policial acusado pelo crime: Élcio de Queiroz, o motorista do carro que dirigia para Lessa na noite do assassinato. 

Em agosto do ano passado, Queiroz fechou um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal e admitiu sua participação no homicídio e confirmou que Lessa foi o atirador. Com isso, o ex-policial ficou sem saída. Ele atualmente é réu em dez ações criminais na justiça brasileira, que poderiam lhe condenar ao período máximo permitido no Brasil, trinta anos. Assim, no segundo semestre de 2023, resolveu dar início às negociações com a PF. Ele está preso numa penitenciária de segurança máxima no Mato Grosso do Sul. 

Lá, o ex-PM se encontrou cerca de dez vezes com os investigadores até chegar ao acordo de delação, quando finalmente responderia às perguntas sobre quem   mandou matar a vereadora. Ele admitiu a execução e apontou o nome de dois mandantes, mas disse mais. Contou que teve ajuda do chefe de Polícia do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, para planejar o crime. 

Barbosa, segundo Lessa, orientou o executor a não cometer o assassinato perto da Câmara Municipal para que o crime não parecesse político. Garantiu, porém, que ficassem tranquilos. Não seriam punidos. Deu aval ao assassinato. A crueldade fica por conta da proximidade que Barbosa cultivou durante vários anos com Marielle. Chegou a receber a família dela no dia seguinte ao crime. 

Preso como coautor do assassinato, chocou o Brasil a partir da descoberta. Até porque, apesar da conclusão das investigações sobre a morte de Marielle estar próxima, há todo um flanco de apurações aberto em relação a banda podre da polícia carioca que deve seguir. O acordo feito por Lessa sequer foi informado à sua família ou aos advogados que atuaram em sua defesa nestes cinco anos. Os advogados deixaram a causa assim que souberam da delação. A família rompeu com ele. 

Em carta à esta colunista, revelada pelo portal brasileiro ICL Notícias, Mohana Lessa, filha de Ronnie Lessa, desabafou. Disse que considerava “inadmissível tamanha brutalidade cometida” no assassinato. Lamentou ter passado tanto tempo defendendo o pai como inocente para, ao final, vê-lo confessando o homicídio. “Não aceitamos e não aceitaremos qualquer proteção vinda desse acordo”, escreveu ela. 

A verdade é que a delação e as prisões podem trazer, por fim, a resposta sobre os mandantes do assassinato. O anúncio dela, porém, gerou cizânia em diferentes frentes. Na família, na sociedade, até na viúva de Marielle, Mônica Benício, que criticou o comunicado do ministro da Justiça por encará-lo em tom político. 

Esta colunista sabe que, nos bastidores, os investigadores não queriam que o anúncio fosse feito antes da denúncia dos mandantes delatados por Lessa. Há também certa inconformidade com a motivação para o crime. Para os investigadores, segundo Lessa, Marielle atrapalhava os negócios imobiliários da família Brazão. Essa razão, porém, soa como pouco verossímil para muitos que conheceram a vereadora. 

Marielle e Anderson terão, por fim, justiça? Cena dos próximos capítulos. 

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