Nos últimos meses, Moçambique viu intensificados velhos conflitos e dificuldades: por um lado, política em ebulição após os resultados da última eleição presidencial. De outro, a natureza implacável e, mais preocupante, a falta de preparo para lidar com desastres naturais recorrentes no país.
Crise política e a volta de Mondlane
Venâncio Mondlane, candidato presidencial e figura central na oposição moçambicana, voltou ao país após dois meses e meio afastado, marcando sua chegada com declarações em que prometeu ir até as últimas consequências para ser reconhecido como vencedor das eleições.
“Irei até as últimas consequências pela reposição da verdade eleitoral”, afirmou ao desembarcar em Maputo, na manhã de quinta (9).
A cena seguinte foi um retrato da tensão que domina o país: um comício improvisado próximo ao Mercado Estrela, no Centro de Maputo, culminou em tiros e gás lacrimogêneo disparados pela polícia contra os manifestantes.
Durante o discurso, Mondlane fez um juramento simbólico, em que se autoproclamou presidente, contrariando decisão do Conselho Constitucional que, em dezembro, confirmou Daniel Chapo, candidato da Frelimo, como vencedor das eleições com 65,17% dos votos.
A oposição não reconheceu os resultados anunciados. Mondlane, candidato do Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique, o Podemos; Ossufo Momade, da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo); e Lutero Simango, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), questionaram a transparência do processo.
Mondlane, que ficou em segundo lugar, com 20,32% dos votos, convocou uma série de protestos contra o que ele considera fraudes e irregularidades.
À BRASIL JÁ, Camila Uachave, imigrante moçambicana em Portugal há sete anos, afirmou que fraudes eleitorais em Moçambique são evidentes e recorrentes. Ainda assim, por enquanto não há provas de que o processo foi fraudado.
Uachave citou casos em que locais de votação ficaram tiveram a energia cortada ou apresentaram editais com resultados discrepantes. “Desde que eu nasci, nunca vi eleições justas em Moçambique. Sempre há alguma confusão”, disse.
Para ela, as duas últimas eleições foram marcantes por, segundo ela, o volume de votos que acredita terem sido conquistados pelo candidato Venâncio Mondlane. Para ela, isso evidencia manipulação no processo.
Foi nesse contexto que, desde 21 de outubro, os confrontos entre polícia e apoiadores da oposição se intensificaram e já deixaram quase trezentos mortos e mais de quinhentos baleados, conforme organizações da sociedade civil.
A tensão crescente fez com que o ministro da Defesa Nacional de Moçambique, Cristóvão Chume, cogitasse o envolvimento das Forças Armadas para fazer frente aos protestos contra os resultados das eleições gerais no país.
As forças policiais, com frequência, disparam gás lacrimogênio para dispersar os manifestantes.
A dispersão do comício que marcou a volta de Mondlane foi caótica. Testemunhas relataram pânico e disparos. “Quando chegamos aqui, a polícia veio com rajadas. Mataram um, dois, três. A bala está aqui”, disse Nélson Fumo à Agência Lusa.
O Ministério Público do país acusa Mondlane de ser o autor moral de manifestações que destruíram infraestruturas e causaram prejuízos superiores a 2 milhões de euros. Mondlane, por sua vez, critica o que chama de “massacre ao povo moçambicano”.
Ciclones frequentes
Enquanto a política fervilha, a natureza não dá trégua. O Instituto Nacional de Meteorologia, o Inam, anunciou nesta sexta (10) que a tempestade tropical Dikeledi, formada a Nordeste de Madagascar, deve se transformar em ciclone no próximo sábado, entrando no canal de Moçambique no domingo.
Embora o Inam ressalte que o fenômeno ainda não constitui perigo imediato para o continente, o alerta vem menos de um mês após o ciclone Chido devastar o país.
Classificado como ciclone tropical intenso de nível 3, Chido atingiu a região Norte na madrugada de 14 de dezembro, deixando um rastro de destruição. As chuvas ultrapassaram 250 milímetros em 24 horas, acompanhadas de ventos violentos.
O desastre causou pelo menos 120 mortes, feriu 868 pessoas, afetando 687 630 indivíduos no total, principalmente nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula, além de Tete e Sofala.
Entre os óbitos, 110 ocorreram em Cabo Delgado, a província mais afetada, reforçando a vulnerabilidade de uma região que já enfrenta o impacto de insurgências armadas.
Moçambique é um dos países mais severamente afetados pelas mudanças climáticas no mundo, enfrentando, regularmente, ciclones e cheias entre outubro e abril.
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