Maria da Conceição Tavares teve uma das alunas presidente da República, a ex-presidente Dilma RousseffCrédito: Fernando Frazão, Agência Brasil

Maria da Conceição Tavares teve uma das alunas presidente da República, a ex-presidente Dilma RousseffCrédito: Fernando Frazão, Agência Brasil

Morre, aos 94 anos, a economista Maria da Conceição Tavares

Brasileira nascida em Aveiro, a economista era referência do pensamento desenvolvimentista no Brasil. Ela formou uma geração de economistas que têm decidido o destino econômico do Brasil nas últimas décadas

08/06/2024 às 17:06

A economista Maria da Conceição Tavares morreu neste sábado (8) em Nova Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro, aos 94 anos.

Brasileira nascida em Aveiro, a economista era referência do pensamento desenvolvimentista no país. Ela formou uma geração de economistas que têm decidido o destino econômico do Brasil nas últimas décadas.

Maria da Conceição Tavares deixou dois filhos, Laura e Bruno, dois netos, Ivan e Leon e o bisneto Théo. A família não divulgou a causa da morte.

O presidente Lula lamentou a sua morte. Disse que "Maria da Conceição de Almeida Tavares uma das maiores [personagens] da nossa história. Nascida em Portugal, adotou o Brasil e nosso povo com o seu coração e paixão pelo debate público e pelas causas populares."

"Foi uma economista que nunca esqueceu a política e a defesa de um desenvolvimento econômico com justiça social. (...) Tive o prazer e a honra de conviver e conversar muito com minha amiga ao longo dos anos, debatendo o Brasil e os nossos desafios sociais e econômicos no Instituto Cidadania, em conversas no Rio de Janeiro ou em viagens pelo Brasil", escreveu em suas redes sociais.

"Nesse momento de despedida, meus sentimentos aos familiares, em especial aos filhos, aos muitos amigos, alunos e admiradores de Maria da Conceição Tavares."

Crédito: Ricardo Stuckert

Na sua festa de 80 anos, em 2010, na Casa do Minho, exatamente em frente ao prédio onde morava no Cosme Velho, no Rio, reuniu os dois então candidados a Presidência da República, a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra.

Na homenagem à professora, José Luís Fiori, da UFRJ, escreveu: "Poucos professores no mundo, ao chegar aos 80 anos, poderão assistir a uma eleição da importância da que ocorrerá no Brasil, em 2010, e saber que os dois principais candidatos foram seus alunos, e se consideram, até hoje, seus discípulos”.

Crédito: Antonio Cruz, Wikimedia Commons

O respeito pelo conhecimento da mais provocativa economista brasileira se soma ao carisma da professora da Unicamp e da UFRJ, que conseguia hipnotizar plateias de jovens, entrantes na faculdade de Economia, por mais de uma hora, como na aula magna que lotou o auditório Pedro Calmon, no campus da UFRJ na Urca. O ano era 2009, e há vídeos pela internet.

Maria da Conceição Tavares nasceu em 24 de abril de 1930, em plena Grande Depressão. Vinte e quatro anos depois chegou ao Brasil, em 1954. Levou três anos para se tornar cidadã brasileira.

Combateu ferozmente a política econômica da ditadura militar e os planos liberais dos governos de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.  

Por falar em ditadura militar, ela se exilou no Chile, trabalhando na Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), sendo a principal defensora e estudiosa do modelo nacional desenvolvimentista, com substituição de importações.

Antes de exílio, a professora fora presa sem saber muito bem o motivo. Era 1974, e ela passou 48 horas nos porões do DOI-Codi (a polícia política da ditadura), no Rio de Janeiro.

Os enviados do então presidente brasileiro Ernesto Geisel demoraram a encontrá-la. Foi vítima de uma briga de poder na ditadura entre Geisel e os aparelhos de repressão. 

“Foi desagradável, celas muito nojentas, geladas, pintadas de branco, um frio desgraçado. Não fui torturada nem nada, mas fui ameaçada. Pelo menos não sumiram comigo”, ela contou em muitas ocasiões.

Em 2004, Aloízio Mercadante, do PT, disse que a professora “é uma referência obrigatória. Pode-se divergir, mas não há como não respeitá-la. Ela é a matriarca, e Celso Furtado, o patriarca, de uma geração. São pessoas que se dedicaram ao Brasil e se mantiveram íntegras.”

Os seus livros foram mais de uma dezena, ganhou o Prêmio jabuti de Economia em 1998.

Conceição Tavares comprou brigas. Contra o Real e o achatamento salarial e contra o primeiro governo do PT. Chegou a chamar de débeis mentais assessores do então ministro da Fazenda Antonio Palocci. Eles defendiam a focalização da política social. Conceição defendia a universalização como está na Constituição: saúde, assistência social e educação para todos.

“Não sou da área social e estou histérica. Temos políticas universais há mais de 30 anos. Somos o único país da América Latina que tem políticas universais. A focalização foi experimentada e empurrada pelo Banco Mundial na goela de todos os países e deu uma cagada. Não funciona nada”, disse a economista em 2003 ao jornal Folha de S.Paulo. 

A amiga e vizinha Hildete Pereira de Mello, que organizou um livro sobre ela, escreveu: “Conceição cientista e mulher política se confundem; ela rompeu todas as barreiras que ainda hoje relegam às mulheres tanto no cenário político como no científico do mundo atual, e que a jovem Conceição dos anos cinquenta enfrentou com tanta garra e destemor”.

Nos 88 anos da economista, o cineasta José Mariani lançou filme sobre ela, que começa com a análise de Conceição sobre o livre pensar, que dá título ao documentário: “O livre pensar, de todos os direitos, tem sido o mais recorrentemente violado, sempre provoca, desde a antiguidade, horror nas sociedades estabelecidas”.

O sonho que nunca realizou, segundo ela no filme de Mariani: “Continuo querendo uma democracia multirracial nos trópicos, que era a tese de Darcy Ribeiro. Isso era realmente o que eu queria ver, mas por enquanto não tem.”

Assista

A seguir uma entrevista concedida pela professora à UFRJ em 2009 em que fala sobre o salazarismo, sua ida ao Brasil, desenvolvimentismo econômico, crises anteriores e crise econômica de 2008.

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