Camiseta da Seleção brasileira. Crédito: Lívia Villas Boas, CBF

Camiseta da Seleção brasileira. Crédito: Lívia Villas Boas, CBF

Não é o futebol: é o poder que faz o estuprador

O grande problema é o poder que sobrevém da impunidade machista

27/05/2024 às 10:18 | 4 min de leitura
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O Brasil é conhecido internacionalmente por sua história no futebol, um dos esportes mais populares do planeta, sendo o único país a ser cinco vezes campeão da Copa do Mundo da Fifa, motivo de orgulho dos brasileiros. 

A associação do Brasil com o futebol é tão grande que é comum ouvir histórias de brasileiros que conseguiram sair de alguma situação ruim no exterior citando o nome de algum jogador conhecido. Ronaldo, Romário, Ronaldinho são nomes que ganharam o mundo pelo brilhantismo de suas jogadas e gols. 

Mas se alguns nomes trazem orgulho, outros estão marcando a imagem internacional do país pela violência. Conhecido em grande parte do mundo por suas pedaladas, o ex-atacante da seleção brasileira Robinho hoje é um condenado que cumpre pena por estupro coletivo dentro de uma penitenciária brasileira. 

Em 20 de março, o Superior Tribunal de Justiça do Brasil homologou a transferência da sua pena da Itália para o país. Ele fora condenado a nove anos de prisão. O estupro coletivo de uma mulher albanesa ocorreu no dia 22 de janeiro de 2013, na boate Sio Cafe, em Milão, na Itália. 

Até a véspera da prisão, Robinho negou as acusações de violência sexual. Em 2014, porém, admitiu ter mantido relações sexuais com a vítima. Um comportamento muito semelhante ao de outro colega dele na seleção brasileira. 

O ex-lateral-direito Daniel Alves foi condenado a quatro anos e meio de prisão, também em março deste ano, na Justiça espanhola, por estuprar uma mulher de 23 anos no banheiro de uma boate, daquele país, em dezembro de 2022. 

O Ministério Público espanhol, no entanto, queria uma condenação de nove anos de prisão. Já a vítima, por meio de sua equipe jurídica, solicitou pena máxima para o delito, de doze anos. Alves mudou cinco vezes a sua versão sobre o crime ocorrido em dezembro de 2022, em Barcelona. 

E uma delas também foi, justamente, que o ato sexual tinha sido consentido. Não bastasse a pena ter sido baixa, outras agressões à vítima, e a nós mulheres no geral, ainda se tornariam públicas deste caso. 

Preso preventivamente em janeiro de 2023, Daniel conseguiu deixar a cadeia após pagar uma fiança de um milhão de euros para poder aguardar os recursos contra sua condenação em liberdade. 

Um estupro ganhou preço na Espanha: um milhão de euros. Daniel Alves ainda deixou a prisão de cabeça erguida e, não satisfeito, fez uma festa naquele mesmo dia. Um deboche indescritível. 

Tanto as defesas de Robinho como a de Daniel Alves trabalharam para atacar a imagem da vítima e usaram o álcool como desculpa, um clássico. Nesses casos, a criatividade sequer é necessária porque o machismo faz sempre muito bem o seu trabalho e traz empatia... para o agressor. 

Uma demonstração disso é o fato de Daniel ter contado com a ajuda de Neymar, o atual dono da camisa dez da seleção brasileira, ao longo do processo. Neymar doou 150 mil euros para que Daniel pudesse fazer um depósito que funcionasse como uma espécie de "reparação de danos à vítima" independente do resultado do processo. 

A vítima, porém, nunca pediu pagamento. Inclusive Neymar se viu às voltas com uma acusação desse tipo por ter feito sexo sem camisinha com uma brasileira em 2019. No Brasil, obrigar alguém a fazer sexo sem preservativo é estupro. O controverso caso foi, posteriormente, arquivado por falta de provas. 

Robinho e Daniel sequer são os únicos jogadores condenados por crimes assim. Em 1987, o técnico Cuca, então jogador, e mais dois atletas do Grêmio foram condenados por atentado ao pudor com uso de violência. Como os atletas voltaram ao Brasil, eles nunca cumpriram pena —o Brasil não extradita seus cidadãos. 

Por vários anos, Cuca negou as agressões. Só recentemente, quando o caso motivou sua saída do Corinthians, ele voltou ao Judiciário suíço e questionou a condução do processo que acabou anulado no ano passado. Em 2021, o então vice-jurídico do Grêmio, Luiz Carlos Martins, o Cacalo, afirmou que apenas um dos jogadores teve relação sexual com a jovem, de maneira consentida. 

Porém, a lei previa que a relação seria estupro presumido, pela idade da menina. A jovem acabou cometendo suicídio um pouco depois do crime. É no acúmulo de casos que reside um questionamento sobre a repetição e sobre o silêncio. É muito raro ver uma ação concreta de clubes contra o machismo. 

A Confederação Brasileira de Futebol sequer ia se pronunciar sobre os casos de Daniel e Robinho. 

Foi necessário ter uma mulher, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, atualmente na chefia da delegação da seleção brasileira, para que se dissesse o óbvio: que a liberdade de Daniel após o pagamento de fiança era como um tapa na cara das mulheres. Leila externou a fúria com a impunidade, mas nos falta a ação preventiva. 

Infelizmente é provável que Daniel e Robinho não sejam os últimos agressores de mulheres no mundo do futebol. O grande problema é o poder que sobrevém da impunidade machista. Meninos viram homens acreditando que devem usar mulheres. Com dinheiro e fama, o céu é o limite. 

Esse roteiro não muda porque não há interesse. Robinho talvez seja apenas o primeiro desses casos a conhecer efetivamente o exercício da Justiça pelo cumprimento da pena. Só não sei até quando. Daniel mostrou que um estupro pode custar um milhão de euros. 

No Brasil, não há previsão no ordenamento jurídico para esse tipo de pagamento após a condenação, mas há muita retórica jurídica e brecha em cada linha e vírgula interpretada do Código Penal, material sempre potente para impunidade dependendo da conveniência do momento. 

O machismo nunca está desatualizado. Ele sempre se renova. 

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