A cientista da computação Adriana Seidel, 45 anos, partiu com a família de Brasília para Portugal no final de dezembro de 2022. O destino era o Santuário de Fátima, local que atrai peregrinos do mundo inteiro.
Católicos fervorosos, Adriana, o marido e os três filhos já haviam visitado outros santuários dedicados à devoção de Maria: Aparecida, no interior de São Paulo, e Guadalupe, no México.
Fátima, com sua história das aparições a três crianças em 1917, exercia um fascínio particular sobre a família.
"O filme sobre Fátima encantou as crianças e intensificou o desejo de conhecer aquele lugar", contou à reportagem.
Foi na virada do ano, entretanto, que Adriana viveu o que descreve como um momento transcendental. À meia-noite, enquanto fogos de artifício iluminavam o céu português, a família participou de uma procissão de velas até a imagem de Nossa Senhora.
O silêncio dos fiéis, o movimento das chamas ao vento e "uma sensação profunda de paz" marcaram aquele momento. Mais que satisfazer uma curiosidade, a visita fortaleceu, segundo ela, a espiritualidade da família.
"Fátima oferece uma tranquilidade que nunca experimentei em outro lugar", afirma, visivelmente emocionada. Para Adriana, desde a Capelinha das Aparições até a Basílica da Santíssima Trindade, cada elemento do santuário intensifica a sensação de acolhimento. "O pôr do sol visto dali tem uma beleza indescritível."
Portugal recebeu 19 milhões de turistas no ano passado, sendo mais de um milhão de brasileiros, segundo dados oficiais.
Em janeiro de 2025, aproximadamente 78 mil brasileiros se hospedaram em território português, número inferior ao de espanhóis (104 mil) e ingleses (84 mil), mas ainda relevante.
Embora as estatísticas governamentais não separem o turismo religioso das demais categorias, como o ecoturismo, é evidente o número de brasileiros que aproveitam para visitar santuários, igrejas e locais de peregrinação.
José Manuel dos Santos, presidente da Comissão Executiva da Entidade Regional de Turismo, confirma essa tendência.
Para ele, o turismo religioso ganhou impulso entre 2018 e 2019, quando os caminhos de Santiago — algumas dessas trilhas partem do Norte de Portugal em direção à Galícia espanhola — começaram a receber melhorias estruturais.
Em sua avaliação, a sinalização aprimorada e a organização dos percursos foram fundamentais para o crescimento dessa modalidade turística.
A estratégia futura da Entidade Regional de Turismo inclui a gestão cuidadosa dos itinerários certificados para os caminhos de Santiago, além do fortalecimento da infraestrutura de apoio, incluindo hospedagens e restaurantes para atender os peregrinos.
A divulgação internacional desses roteiros é considerada essencial. "Nosso foco está na gestão dos trajetos homologados, na expansão das opções de hospedagem e na promoção internacional desse produto singular", explica José Manuel.
O bancário Ivan Braga, 47 anos, desejava compreender os desafios de uma peregrinação. Ele e seu pai, o aposentado José Ivan Braga, então com quase 70 anos — hoje com 80 —, decidiram percorrer um dos caminhos de Santiago, esse conjunto de rotas que termina na catedral de Santiago de Compostela.
A preparação envolveu estudos, pesquisas e conversas com peregrinos experientes. Anteriormente, pai e filho treinaram com caminhadas em Brasília, preparando-se fisicamente para o desafio.
O itinerário escolhido partia da cidade de Braga — existem rotas com início na França — e poderia ser completado em oito dias. "Esse trajeto era viável para nós. E, por coincidência, Braga é nosso sobrenome familiar", comenta Ivan.
A rotina da peregrinação era rigorosa: "Acordávamos entre cinco e seis da manhã, saíamos até as sete e caminhávamos aproximadamente seis horas por dia."
O maior desafio, surpreendentemente, não foi a distância ou o cansaço físico. "Foi o confronto comigo mesmo", reconhece. Para Ivan, o silêncio representou um dos maiores obstáculos da jornada.
"Passamos longos períodos em introspecção, mesmo acompanhados. E isso leva nossa mente a territórios inexplorados de nosso próprio ser."
Ivan não identifica mudanças específicas em sua espiritualidade, mas se percebe transformado pela experiência. "A peregrinação me ensinou o valor fundamental da confiança — nos outros e em mim mesmo."
Nos albergues, aprendeu a deixar seus pertences sem receio. Em uma das noites, compartilhou dormitório com quarenta desconhecidos. O Caminho de Santiago também proporcionou uma importante lição: "Cada pessoa possui seu próprio ritmo, e respeitar essa individualidade é essencial."
Ao avistar finalmente a majestosa Catedral de Santiago de Compostela, Ivan foi tomado por intensas emoções. "É uma combinação de alegria, admiração e serenidade." A Compostela, documento que certifica a conclusão do percurso, tornou-se o símbolo dessa jornada.
Além do Caminho de Santiago e do complexo de Fátima, celebrações religiosas tradicionais figuram entre as atrações para visitantes, como a romaria de Nossa Senhora de Aipos, entre Moita e Viana do Alentejo.
José Manuel caracteriza o evento como "uma celebração única, de grande valor cultural, que atrai visitantes e contém significativo potencial turístico."
No Norte de Portugal, a região do Douro — reconhecida por seus vinhos — destaca-se também pela riqueza de seu patrimônio religioso. A Comunidade Intermunicipal do Douro, que reúne dezenove municípios, tem investido na valorização de igrejas centenárias, capelas rurais situadas entre vinhedos e celebrações religiosas que persistem através dos séculos.
Luís Machado, presidente da organização, destaca os diversos atrativos do Douro, com ênfase no patrimônio religioso. Ele ressalta a importância arquitetônica e as tradições culturais que fazem da região um lugar onde religiosidade e vida cotidiana se integram naturalmente.
Para Machado, uma única visita ao Douro é insuficiente para absorver completamente a experiência cultural e espiritual disponível. Uma visita isolada não permite apreender a totalidade, diz ele. Pode-se conhecer eventualmente a herança material, mas dificilmente se compreende a cultura e as tradições, reflete.
Para além de Fátima e das rotas de Santiago, Portugal oferece outras possibilidades que combinam fé e turismo, história e cultura. O Santuário de Pandias, construído para cultos politeístas, coexiste com igrejas e romarias cristãs, evidenciando a transição do politeísmo romano para a fé cristã.
Existe também um circuito que percorre as origens de Portugal, conectando mosteiros e igrejas medievais até o Mosteiro de São João de Tarouca.
Em essência, seja na amplitude de uma basílica movimentada ou na solidão de uma trilha remota, o viajante guiado pela fé encontra significado em diversos cenários — na claridade e nas sombras, na aurora e no crepúsculo. A fé, como demonstram os peregrinos nesta reportagem, não costuma falhar.
Com reportagem de Fernanda Baldioti
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