O padre Omar Raposo recebeu a BRASIL JÁ para vinte minutos de fotos na capela da Embaixada do Brasil e no breve trajeto de menos de seis quilômetros entre o local e o Aeroporto Internacional Humberto Delgado, em Lisboa. Passava das dez da manhã, e o sacerdote já havia cumprido uma agenda intensa na embaixada. Seguiria para o voo de volta ao Brasil, encerrando uma jornada de sete dias por Portugal. Ao longo daquela semana, percorreu centenas de quilômetros, passando por cidades como Braga e Porto, no Norte, e Cascais, na região de Lisboa.
A rotina acelerada do padre – digna de um CEO de grande companhia ou de um artista em turnê – contrasta com a serenidade com que controla o pouco tempo para o embarque enquanto fala, entusiasmado, sobre sua longa relação com o país. Atual capelão da capela da Embaixada do Brasil em Lisboa, função que concilia com o prestigiado cargo de Reitor do Santuário Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, esteve em Portugal cuidando dos últimos preparativos para os eventos que celebrarão os 525 anos da Primeira Missa no Brasil.
A programação inclui a peregrinação da cruz original – aquela de 1500, em Porto Seguro – por diversas cidades nos dois países. "Será a cruz peregrina da esperança", anuncia o padre, revelando um pouco da agenda: "Nos Jerónimos, a gente vai ter um ato solene, mas de conteúdo mesmo digital. É para fazermos uma foto importante. Ali é muito emblemático. Não é para reunir tantas pessoas como a gente vai fazer em Cascais."
A formação em Marketing — que cursa na Fundação Getúlio Vargas no Rio, uma das mais prestigiosas instituições do país — o ajuda a pensar nessas estratégias. Essa é apenas uma das linhas do extenso currículo do padre que, aos 45 anos, também está cursando pós-graduação em Ciência do Esporte pela Uniube. Tem formações em Empreendedorismo, Sustentabilidade, Logística e Mobilização Nacional, Mediação de Conflitos, Comunicação Institucional e, como era de se esperar, é bacharel em Filosofia e Teologia.
Com a destreza de quem administra uma grande corporação, padre Omar construiu uma carreira marcada pela eficiência e pelo carisma. É uma das figuras mais emblemáticas do Rio de Janeiro. No Instagram, acumula mais de 80 mil seguidores. Sempre com sorriso largo, promove a evangelização pelas redes sociais e através da música — gravou dois CDs e um DVD, com nomes como Jorge Aragão, Xande de Pilares, Fundo de Quintal, Molejo e Elymar Santos. Cultiva uma extensa rede de contatos com políticos, empresários, jornalistas e influenciadores — capital social que o ajuda na missão de divulgar e tornar viáveis projetos assistenciais e ambientais.
"Ele olha para a igreja, para a missão que lhe é dada de um ponto de vista muito empresarial, de um ponto de vista muito sustentável até como negócio, porque toda a infraestrutura requer dinheiro, requer fundos para se manter", analisa Diamantino Martins, empresário português nomeado embaixador do Santuário do Cristo Redentor para a Cultura e o Turismo. "Ele tem toda esta forma de estar como se fosse o CEO de uma empresa, de uma forma muito dinâmica, muito ativa, muito agregadora."
Conectar pessoas, monumentos, cidades e países é um dom evidente do padre, que iniciou sua relação com Portugal há 15 anos, quando foi realizada a geminação entre o Cristo Redentor e o Cristo Rei, de Almada. "Essa geminação corresponde àqueles títulos de Cidades Irmãs. É um convênio entre os grandes santuários mundiais, entre os grandes monumentos que estabelece um conjunto de relações recíprocas e ajuda a fomentar o turismo religioso", explica.
O intercâmbio se fortaleceu em 2013, durante os preparativos para a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Padre Omar foi incumbido de vir a Portugal para um encontro que reuniu 9 mil jovens em Fátima. O objetivo era estimular a inscrição para o evento no Brasil, números que estavam abaixo das expectativas. Deu certo. Anos depois, durante a Jornada da Juventude no Panamá, quando o papa Francisco anunciou que a próxima edição ocorreria em Portugal, o padre foi cercado por portugueses. "Me levaram para cima do palco, enrolaram a bandeira de Portugal em mim", relembra, com um sorriso.
Há cerca de dois anos, Omar esteve no país para outro encontro com jovens. Durante o Circuito Mundial de Surf, realizou uma missa na praia de Peniche, com surfistas, em homenagem a Guido Schäffer, médico e seminarista brasileiro que morreu em 2009 quando surfava numa praia no Rio de Janeiro.
"Temos um combinado com a Confederação Internacional de Surf que no dia em que o Guido for santo, ele vai ser o padroeiro dos surfistas. Foi criada no Rio de Janeiro, por decreto municipal, a Praia do Guido. Ali temos um quiosque, ações pastorais, sustentáveis, esportivas. E agora vamos fazer uma geminação também, entre a Praia de Peniche e a Praia do Guido."
A proximidade com os surfistas é uma das ações que o padre realiza para promover a evangelização e aproximar o esporte e a fé. No Vaticano, a convite do cardeal português José Tolentino Mendonça, atual prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação da Cúria Romana – e que também ostenta um séquito de quase 70 mil seguidores no Instagram –, padre Omar integra um grupo de trabalho sobre esportes.
"Temos toda uma oficialidade na relação com os comitês Olímpico e Paralímpico, e acabamos de criar no Rio de Janeiro uma cátedra de pesquisa na Pontifícia Universidade Católica sobre Esporte, Fé e Cultura", explica Omar, que não deixa de acompanhar o desempenho do Fluminense, seu time de coração. Durante as fotos para esta edição, lamentava com o fotógrafo a derrota para o Flamengo pelo Campeonato Carioca no dia anterior e se desculpava por não estar com a barba perfeitamente feita em função da agenda apertada.
Com a grande migração de cariocas da Zona Sul do Rio de Janeiro para Portugal, especialmente para Cascais, padre Omar sentiu um impacto direto na perda de fiéis frequentadores da Igreja São José, na Lagoa, da qual é pároco.
"Não foram poucas pessoas. Foram famílias inteiras, que ainda estão estabelecidas aqui. Eu sigo a relação pastoral, religiosa e familiar com eles, fazendo um acompanhamento à distância. Eu cheguei numa época a ter um grupo de terços online com as famílias brasileiras que estavam aqui", conta. Ainda hoje, diz ele, o grupo continua. "Eu entro lá de vez em quando, dou uma mensagem, dou uma bênção. Essa relação é muito viva."
Toda essa história – ou storytelling, como diz o padre, evidenciando seu conhecimento sobre comunicação – ajuda a explicar por que foi convidado pela embaixada para o posto de capelão. "Eu venho bastante a Portugal. É um destino importante para mim e que faz parte das relações diplomáticas da igreja também, além da espiritual", afirma, lembrando que os dois países são de maioria católica.
Na ocasião das fotos para esta edição, padre Omar visitava, pela primeira vez, a capela reformada. Toda a construção que abriga a embaixada, conhecida como Quinta de Milflores e adquirida pelo governo brasileiro em 1985, passou por recente revitalização. "Já tivemos bons momentos aqui, de solidariedade e de tristeza", disse o embaixador Raimundo Carreiro, ao lembrar da missa de sétimo dia da jornalista Glória Maria.
A embaixada será uma das paradas da Cruz da Primeira Missa. Na programação estão previstos almoços com empresários, como representantes da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), com quem padre Omar tem uma relação bem próxima. Ele é CEO da Funcex Ação Social. "Através do religioso, é possível também o desenvolvimento de cultura – existe cultura na religião – e de business", reflete.
No Brasil, a Cruz da Primeira Missa passará por diversos marcos emblemáticos, como Aparecida, o Cristo Redentor, Santa Cruz de Cabrália, Maricá, onde há comunidades preservadas de povos originários no Rio de Janeiro, além de sessões solenes no Senado. "A cruz tem duas hastes, horizontal e vertical, assim como o Cristo Redentor, que estende o braço direito e o esquerdo. Em um ambiente polarizado, a cruz representa a mediação. Esse é o ponto. A cruz será o grande símbolo da mediação política."
O padre ainda recorre a uma origem etimológica para avaliar o atual cenário político no Brasil: "A palavra símbolo, no grego, significa 'aquilo que une'. Diferente de diabolos, que é aquilo que separa. O símbolo integra, enquanto o diabo divide. O Brasil precisa de uma grande mediação política." Para Omar, a cruz pode ser esse elo, atraindo políticos de diferentes matizes ideológicas ao diálogo. "A religião é um ponto de contato", reflete, contando que entre os marcos da celebração dos 525 anos da primeira missa no Brasil está o lançamento de um selo oficial dos Correios.
Padre Omar evita polêmica quando o assunto é a relação entre Brasil e Portugal durante o período colonial, embora a cruz seja símbolo de partida – e dominação – entre os dois territórios e culturas existentes no que viria a ser o Brasil. Para os eventos da cruz em Portugal, convocou a indígena Wilza Neves Pataxó, coordenadora do Núcleo de Povos Originários do Cristo Redentor.
"Padre Omar Raposo é uma figura de profunda dedicação e inspiração, cujo trabalho à frente do Santuário Cristo Redentor transcende fronteiras, unindo fé e cultura", afirma Wilza, acrescentando: "Como reitor e capelão da Embaixada do Brasil em Portugal, ele tem se destacado por sua incansável missão de fortalecer os laços espirituais e históricos entre os dois países."
Omar prefere não se posicionar sobre se a cruz deveria ficar permanentemente no Brasil, apesar de sua importância para o marco de chegada dos portugueses. "Pode ser uma iniciativa que parta deles [os portugueses]. Eu adoraria ter a cruz no futuro Museu do Cristo, quando a gente lançar. Mas também fico feliz de ela estar em Braga, que tem uma comunidade brasileira."
A cruz original, feita em ferro, viajou na comitiva de Pedro Álvares Cabral e nada tem a ver com a imagem mais conhecida de sua representação litúrgica, a do quadro "A Primeira Missa no Brasil", pintado em 1861 por Victor Meirelles e que integra o acervo do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. A grande cruz de madeira, como a que aparece no quadro, segundo o relato de Pero Vaz de Caminha, foi construída dois dias após a primeira missa, numa terça-feira, e erguida no dia 1º de maio.
A cruz de ferro, no entanto, não retornou com os portugueses na viagem de volta de Cabral. A relíquia chegou a Braga apenas nos anos 1930, pelas mãos de um português descendente de nobres com relações familiares no Brasil. Nos anos 1960, o governo brasileiro tentou "repatriá-la", mas obteve apenas uma réplica.
A cruz pode não ir para o Brasil, mas vinho, em breve, irá. Será exportado de Portugal para o Brasil com a chancela do padre: "Vamos integrar o turismo religioso, que está super fomentado na região do Douro, com o enoturismo. Em parceria com a Quinta da Pacheca, vamos ter o vinho do Porto do Cristo Redentor", conta ele, completando: "Não dá para pensar, dissociar a questão religiosa da vida social."
Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba no seu email o melhor do jornalismo da BRASIL JÁ
Ao se cadastrar você declara que leu e aceitou nossos Termos e Condições
MENSAGEM AOS LEITORES
Jornalismo brasileiro na Europa
Você, leitor, é a força que mantém viva a BRASIL JÁ. Somos uma revista brasileira de jornalismo em Portugal, comprometida com informação de qualidade, diversidade cultural e inclusão.
O assinante da BRASIL JÁ recebe a revista no conforto de casa, acessa conteúdos exclusivos no site e ganha convites para eventos, além de outros presentes. A entrega da edição impressa é para moradas em Portugal, mas nosso conteúdo digital, em língua portuguesa, está disponível para todos.
Ao assinar a BRASIL JÁ, você participa deste esforço pela produção de informação de qualidade e fica por dentro do que acontece de interessante para os brasileiros na Europa e para todos os portugueses que valorizam a conexão das identidades entre os dois povos.