Diogo Faro fala das dificuldades de se posicionar politicamente - Crédito: Jordan Alves

Diogo Faro fala das dificuldades de se posicionar politicamente - Crédito: Jordan Alves

O humor ativista de Diogo Faro: 'A luta de classe é a base de tudo'

Numa entrevista franca, Faro trata de temas pessoais e sociais, criticando o negacionismo português em relação ao racismo e à xenofobia

13/12/2024 às 13:33 | 5 min de leitura
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O humorista Diogo Faro, de 38 anos, faz da sua arte uma maneira de levantar reflexões sobre temas políticos e sociais. Ele aproveita seu espaço para denunciar injustiças e as dificuldades vividas em Portugal. 

Faro dá nome as coisas em suas produções e aponta para os responsáveis, sejam governos, pessoas ou ideias. Não raro, também é alvo de ataques. Quando deu a entrevista para a BRASIL JÁ, Faro se debatia em meio a uma onda de ódio recebida depois que foi alvo da ironia de uma colega de humor. 

Mas, para além disso, se sente inseguro de frequentar alguns ambientes porque está na lista dos inimigos de um grupo neonazista português. 

Confira parte da entrevista:

O seu público é muito fiel, né?

Sim. Pronto, já sou comediante profissional há 11 anos.

Mas tem gente que odeia.

Pois! Esta semana foi uma semana difícil. Mas chega também [às minhas redes] muita gente que gosta. Esta semana houve dois episódios seguidos sobre mim extremamente desagradáveis [por causa do humor] da Joana Marques*

E acabou tudo descontextualizado por propósito humorístico. Só que aquilo desperta muito ódio. Eu levei como enxurrada de comentários e mensagens, páginas de memes e teve pessoal no Youtube e no TikTok a fazer vídeos sobre mim. Já aconteceu de eu estar em meio a polêmicas por minha culpa, porque fiz alguma merda e disse uma coisa um bocado mais ao lado. 

Neste caso, foi completamente descabida a enxurrada de ódio. Chegou ao ponto de arranjarem o número da minha mãe e ligarem para insultá-la.

Às vezes, lidar com a exposição requer algum amparo emocional. Você já recorreu a terapia?

Já! Noutras fases já fiz terapia. Eu devia fazer mais regularmente, mas por condições financeiras não dá para ir sempre. Eu acho que é fundamental,na verdade. Eu também já fiz detox [das redes sociais], alguns amigos incríveis a me tirar o telemóvel, a me tirar de casa e fomos beber copos, fomos ao bar, jantar, passear. Mas nem tudo é apenas ódio. Também comecei a receber muitas mensagens também de amor. A relembrar-me do trabalho que eu faço e de como gosto do meu trabalho.

Que associação você faz do ódio que você recebe por conta de seu trabalho e posicionamento às posições de extrema direita na sociedade?

[Os últimos ataques] Foram contra o meu caráter, não foram por discordarem de mim sobre a habitação, o SNS [Sistema Nacional de Saúde], os direitos dos imigrantes. Não foi sobre isso.

Mas uma coisa está relacionada a outra, não acha?

Acho. E acho que está a aumentar bastante [as posições extremadas]. Porque está a aumentar a vontade de determinados grupos de atacar imigrantes, pessoas LGBT, de invadir apresentações de livros etc. Eu sou homem branco, cis, hetero etc. Portanto, nunca seria alvo normal disso. Mas sou muito de esquerda, um artista muito focal nestas matérias, portanto, passo a ser um alvo também. 

Noto que há uma legitimação da violência contra mim que se manifesta agora, no dia a dia, e não só na internet, e faz com que eu me sinta inseguro em vários sítios. Há sítios em que eu já não vou ou tento ir disfarçado. Eu sei que estou —e muitas outras pessoas estão— numa lista do Habeas Corpus, aquele grupo neonazista. Sei que isso está identificado pela polícia, mas eu pessoalmente ainda não fiz nada [sobre pedir medida protetiva].

Diogo Faro está com planos profissionais para 2025 e pretende voltar com seu stand up - Crédito: Jordan Alves


Você explora essas temáticas no podcast O Traidor de Classe.

O Traidor de Classe vem do meu crescimento político e de eu representar um bocado uma traição para os comediantes em Portugal. Divirjo bastante do que é normal na comédia. Não estou a dizer que sou melhor ou pior. Divirjo. 

Roda o tipo de temas, especialmente para um homem cis, hétero e branco. Depois nunca respondo aos estereótipos de masculinidade, nem aos de homem cisgênero etc. Para muitas classes em que eu me deveria inserir, sou um bocado a ovelha negra, porque aponto para a masculinidade tóxica.

Há temas que em Portugal ainda é difíceis de abordar.

Aqui desde logo, não é? [Por exemplo] A maneira como os portugueses veem os descobrimentos, entre aspas. É muito difícil para os portugueses olharem aquilo como genocídio. No mínimo dos mínimos, vão chamar de navegações, explorações. Não sei. 

Continuar a chamar de descobrimentos a um projeto colonial que foi para sítios onde havia civilizações inteiras e matá-las, roubá-las, violá-las, é mesmo a epítome de como Portugal é tão estruturalmente racista que nem pelos nomes corretos conseguem chamar. 

É impossível combatermos profundamente o racismo em Portugal, ou a xenofobia, quando nem sequer conseguimos adereçar o nome correto de uma coisa que foi há quinhentos anos.

Quando você começou a elaborar essas discussões na internet?

O meu humor era muito mais simples, do dia a dia. A questão mais política que eu abordava no início —e que já irritava muita gente— era ser contra touradas. Era a parte mais política. Mas, com o tempo, fui tentando ser um aliado feminista, um aliado LGBT, aliado antirracista, todas essas questões.

Falando sobre a sexualidade. Você se identifica com que letra do LGBTQIAPN+? 

Eu sou heterossexual, já estive com homens também, mas nem sei se posso me considerar bissexual. Porque nunca estive nada assim romântico com um homem, só sexualmente. Heteroflexível, ou o que for que queiram chamar. Porque acho que a orientação sexual também pode ser um aspecto. Não tenho que estar numa caixa de eu sou super heterossexual. Acho que não, mas uma questão política considero-me heterossexual porque não me ensino nenhum tipo de opressão. Não sei se seria sequer justo considerar-me politicamente bissexual ou o que for. Sou heterossexual com fluidez.

É o bifestivo? 

(risos) É o bifestivo que é... Ou bi de festa (risos). E, por isso, politicamente, pela questão política, não posso achar que sou bissexual. Porque as pessoas bissexuais também sofrem vários tipos de opressão, às vezes dentro da própria comunidade.

Uma das questões é a não monogamia, que você aborda em “Amor, quero beijar mais pessoas”.

São muitas as causas, mas, mais uma vez, digo que são muitas causas e todas [são] a mesma: a defesa de que as pessoas possam ser livres e ser felizes e viver uma vida boa. É a mesma luta. A luta de classe está por baixo [é a base] de tudo, é a luta contra o patriarcado, pelos direitos LGBT, é a luta feminista, antirracista, até pelos direitos a orientação relacional [não monogamia], se quisermos chamar assim. 

É tudo o mesmo: as pessoas serem livres para ser quem são, principalmente quando isto tudo não afeta os outros. A minha orientação relacional, sexual ou o que for, só me diz respeito. Tenho falado nos últimos anos sobre habitação. [O direito à habitação] É a base, é um direito fundamental.

E o direito ao trabalho, idem. Como estão os seus, aliás?

Espero ter alguns projetos novos. Estou com vários em cima da mesa. Estou a desenvolver um livro para jovens, com base no programa que eu tinha na RTP2, o “Scroll”. Vou voltar com o meu solo de stand-up, fazer um tour pelo país e tentar voltar com o meu podcast, o Desta para Melhor. Estou a tentar arranjar patrocínios. Para mim não é muito fácil, com as opiniões que tenho, ter patrocínios, mas estou na luta.


*Diogo Faro foi alvo de piada da humorista Joana Marques em seu programa de rádio. Marques ironizou o apelo de Faro por contribuição de ao menos um euro em uma plataforma de financiamento coletivo —por onde muitos criadores recebem por seus trabalhos. 

Na ironia, ela lançou uma vaquinha Pray for Diogo Faro. Depois disso, Faro foi alvo de ataques na internet. Ela arrecadou, em seu nome, 160 euros, doados por ele à ONG Save the Children International, que apoia crianças vítimas em Gaza.

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