Marcelo D2 se renova no samba depois da busca por sua ancestralidade Crédito: Reprodução

Marcelo D2 se renova no samba depois da busca por sua ancestralidade Crédito: Reprodução

O recomeço de Marcelo D2

Marcelo D2 conversou com a BRASIL JÁ sobre o seu último disco, Iboru, projeto batizado pelo músico como “o novo samba tradicional”. O rapper —ou sambista— inicia sua turnê pela Europa com um show inédito no Mimo Festival

12/07/2024 às 08:02 | 5 min de leitura
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Prestes a desembarcar em Portugal, Marcelo D2 conversou com a BRASIL JÁ sobre o seu último disco, Iboru, projeto batizado pelo músico como “o novo samba tradicional”. O rapper brasileiro —ou sambista— inicia sua turnê pela Europa com um show inédito no Mimo Festival, na cidade de Amarante entre os dias 19 e 21 de julho. A entrada é gratuita.

Antes de gravar o seu último álbum, D2 disse estar cansado de fazer música. Ele vinha de perdas pessoais. A nova produção, no entanto, mostra que ele reencontrou o caminho da própria arte. O processo, afirmou, ocorreu depois de imergir na busca por sua ancestralidade e na história dos seus antepassados. 

“Sou um cara que se preocupa muito com a personalidade da minha música, sabe?”

Iboru é uma mistura de clássicos dos tempos de Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, de onde saíram Jorge Aragão, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho, com batidas graves propostas pelos grupos de rap lá dos anos de 1970, presentes, aponta D2, músicas de gigantes da indústria pop, como Billie Eilish e Taylor Swift. 

O batuque dos tambores também define o ritmo da poesia carregada pela sua própria história e pela história do povo brasileiro através da diáspora africana.

Além de Marcelo D2, estão confirmados nomes como Fatoumata Diawara, Arnaldo Antunes e Vitor Araújo, Dino D’Santiago, Femi Kuti e The Positive Force, Leyla McCalla, Ilê Aiyê, General Levy, Newen Afrobeat com Dele Sosimi e A Cor do Som com Carminho como convidada. 

O Mimo também promove novos talentos da música urbana brasileira, como Rita Benneditto, Simone Mazzer, Vitrolab e Quinteto Nova Orquestra, além de Puta da Silva, Flávia Bittencourt, Andrea Ernest Dias Quarteto e os DJs Tahira, Farofa e Marise Cardoso. 

Da periferia de Joanesburgo, África do Sul, o público vai poder conferir o som do coletivo Kebra Ethiopia Sound System. Do Mali, Bassekou Kouyate & Band vão apresentar o ritmo das harpas tradicionais típicas de países da África Ocidental.

A seguir, trechos da entrevista com Marcelo D2. A entrevista completa, você lê na edição da BRASIL JÁ de agosto.

O que é o samba do Marcelo D2?

Nesses 30 anos de cultura hip-hop, venho propondo essa junção do rap com o samba. Na verdade, o Jorge Aragão me falou que isso era samba. O samba lá do Cacique de Ramos, do Zeca Pagodinho e de todo mundo que passou por lá. No começo, ele [samba] não era chamado de “tradicional”, mas agora é. 

E, talvez, seja o [samba] que mais me inspira. Por isso que estou chamando o meu samba de um “novo samba tradicional”, pois esse ritmo faz parte dessa cidade. Claro, tem o samba da Bahia, de São Paulo, mas, com o samba carioca, é possível contar a história do Rio de Janeiro.

De onde vem esse “novo samba tradicional”?

Para te falar a verdade, eu estava cansado de fazer música. O rap já não me fascinava mais. Acho que tem um pessoal novo que está fazendo coisas muito interessantes. Eu sou um cara que se preocupa muito com a personalidade da minha música. Eu tinha que achar uma coisa que fosse minha, algo novo. Vi que a saída era o samba e que o encontro com rap podia gerar outra coisa. 

Eu vinha percebendo que música pop se apropriou desse grave que o rap propôs lá nos anos setenta. Você vê cantoras como a Billie Eilish, a Taylor Swift… todo mundo tem aquele grave que o rap propôs. E, quando eu decidi fazer esse rap com samba e com esse grave, abriu uma porta. Então é um samba de colagem, como a gente faz no rap. Samba sampleando. Estou só começando, e o Iboru é o início disso tudo.

Vi uma fala sua sobre como o nascimento deste álbum tem a ver com uma busca por sua ancestralidade. Nos fale um pouco mais a respeito.

Perdi a minha mãe há dois anos. Depois que ela fez a passagem, eu percebi que precisava ter uma conexão com os meus orixás de novo. Ter uma conexão com os meus antepassados, com os meus ancestrais. Fui procurar por isso e encontrei um lugar muito interessante para mim, onde também dava para fazer samba, um samba que viesse dos tambores que tocaram a história do povo, da diáspora do povo negro que vem da África para o Brasil. 

A nossa história passa muito por esses tambores. E esse processo me ajudou muito, ao trazer a calma e a paz que eu precisava por conta dessa passagem da minha mãe. Estar com os meus ancestrais foi muito importante. Tudo isso está muito presente no disco. Tenho usado a metáfora do arco e flecha que o Luiz Antônio Simas fala sobre o Iboru: quanto mais puxa lá atrás, mais para frente vai. Eu tenho olhado para a minha vida pelo retrovisor, para a história do meu povo, do meu país, da minha filha e da minha arte. Quanto mais eu vou lá atrás, mais para frente vou levando a minha música.

Falando ainda sobre história do nosso povo: neste momento, a comunidade brasileira tem sofrido muita discriminação por aqui. Acha que a mensagem da sua música pode ajudar de alguma forma? 

Nós estamos passando por um momento de muita intolerância no mundo. A ignorância da história e sobre o que foi feito na nossa história é um problema. Aqui, no Brasil, a gente tem muito dessa briga sobre cotas [raciais]. Parte do país é contra, mas as pessoas que não aceitam esquecem que, em algum momento, no passado, receberam cotas através da imigração de italianos, alemães, enfim, os descendentes de europeus.

A ignorância da história de que fala faz pensar: até que ponto ela é origem e o resultado da ascensão na extrema direita.

A ascensão e este pensamento da extrema direita de massacrar minorias e de faltar com a empatia com as causas [de direitos humanos] são retrocessos para o ser humano. Nós estamos indo ao encontro do ódio. Imagino o quanto deve ser ruim ser maltratado fora do país, quando você sai para tentar uma vida melhor. Eu já sofri racismo em outros países.

Em Portugal?

Em Portugal, não. Mas já sofri racismo em outros países. É muito triste. Para mim, que sou apenas um passante, já foi lamentável, imagina quando você mora nesse lugar e sofre esse tipo de preconceito por ser negro ou brasileiro. Acredito que a arte tem um poder muito grande sobre ouvir pensamentos [coletivos] e ajudar a direcioná-los. Acho que esse é o meu papel, [é] a minha ideia de fazer música, de continuar fazendo música. 

A missão de tentar fazer disto um mundo melhor. A arte é para isso, para gerar pensamentos, algum tipo de conforto e, às vezes, desconforto também.

A última vez que nós nos falamos em Portugal, em 2019, você veio com o Planet Hemp, e o Brasil estava sob o governo Jair Bolsonaro. Agora, em 2024, é Portugal e a Europa que acompanham a ascensão da extrema direita. O que está acontecendo?

Tem uma frase que eu adoro que fala que “a gente tem recursos para alimentar todos os seres humanos que estão na Terra, mas não para alimentar a ganância do homem”. A ganância do homem é gigante. Essa ganância gera desequilíbrio. A extrema direita e o fascismo atrelado a ela crescem muito nesses momentos. Desemprego, por exemplo, é criado por eles [com a ganância]. Eles geram um ambiente de caos para depois se aproveitarem dele. 

É meio assustador isso. Em pleno 2024 e, de novo, temos que lidar com o fascismo, algo que a gente esperava que não aconteceria nunca mais. Mas o fascismo sempre esteve aí. Não podemos dar mole que ele sai do armário. A ideia de que essa onda está varrendo a Europa é assustadora para a gente aqui na América do Sul. Eu achei que isso já tinha passado. É assustador, pois sempre tem consequências no mundo todo.

A entrevista completa você lê na próxima edição da BRASIL JÁ de agosto.

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