Daniel Alves (esquerda) e Robinho. Crédito: Arquivo

Daniel Alves (esquerda) e Robinho. Crédito: Arquivo

O silêncio dos histéricos

Uma privilegiada elite de jogadores vive protegida dentro de uma redoma

21/05/2024 às 16:12 | 3 min de leitura
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Quando é para se rebelar contra a arbitragem e partir para cima dos adversários dentro de campo, todos são machos alfa. Puros sangues. Dominantes. Histéricos, sim senhor. 

Quando é para se manifestar sobre a constante violência contra as mulheres, muitos deles —para não dizer quase todos— optam pelo silêncio ensurdecedor. 

Em conjunto, numa espécie de seita. O "bom" e velho pacto de masculinidade. É bem verdade que o mundo do futebol é uma bolha por si só. Uma privilegiada elite de jogadores vive protegida dentro de uma redoma de vidro, seja por clubes, empresários, puxa-sacos, parças e às vezes até jornalistas. 

Alguns mais renomados, inclusive, praticamente acreditam estar acima do bem e do mal. Intocáveis. Daniel Alves e Robinho são dois (tristes) exemplos. Neymar, o principal símbolo do esporte brasileiro nos últimos anos, por exemplo, nunca se pronunciou sobre qualquer um dos casos. 

Acabou por fazer pior. Agiu, por meio do pai, para ajudar Daniel Alves ao pagar 150 mil de euros à Justiça Espanhola, livrando assim o amigo de uma condenação de nove anos. 

O aporte financeiro serviu para que a pena por violentar uma jovem em 2022 caísse para apenas quatro anos e meio. 

Foi uma mulher a primeira grande figura do futebol a pôr os pingos nos is. Logo uma mulher, quem diria. E não foi uma personagem qualquer. A mensagem surgiu de Leila Pereira, a presidente de um dos maiores e mais vitoriosos clubes do Brasil. 

Não menos importante, marcou a posição no papel de chefe de delegação da Confederação Brasi leira de Futebol, a CBF, o que tornou o grito (nada histérico!) de revolta ainda mais ruidoso. 

“Ninguém fala nada, mas eu, como mulher, tenho que me posicionar sobre os casos do Robinho e Daniel Alves. Isso é um tapa na cara de todas nós mulheres, especialmente o caso do Daniel Alves, que pagou pela liberdade. Acho importante me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte", desabafou a líder do Palmeiras. 

O necessário desabafo de Leila, que é frequentemente perseguida única e exclusivamente por ser uma mulher (de sucesso) no esporte mais apaixonante (e preconceituoso) do Brasil, serviu para destapar o bueiro do esgoto. 

O que se viu logo a seguir foi uma (pequena) onda de discursos forçados e industrializados, alguns deles lamentavelmente com toques de proteção. Muitos dedos daqui e dali para criticar o óbvio. 

Dorival Júnior, novo técnico da seleção brasileira, teve a proeza de chamar Robinho de “pessoa fantástica”, mesmo com o ex-atacante de Santos e Real Madrid tendo sido condenado na Itália a nove anos de prisão pelo estupro coletivo de uma mulher em 2013. 

Depois, precisou incluir a frase “se aconteceu realmente o crime” na história envolvendo o ex-lateral do Barcelona.

Tite, técnico da seleção brasileira nas duas últimas Copas do Mundo (2018 e 2022) e hoje no Flamengo, preferiu o famoso “eu não posso fazer julgamento não tendo todos os fatos e informações verdadeiras”, quando perguntado especificamente sobre Daniel Alves, que, vale lembrar, durante todo o julgamento na Espanha, mudou de versão cinco vez (!) e acabou por ser condenado com base numa lista significativa de provas. 

Danilo, eleito capitão da seleção brasileira nos últimos amistosos contra Inglaterra e Espanha, também resolveu se pronunciar. Enfim, um jogador. Louvável. Teve um discurso mais crítico, justiça seja feita, tendo falado em “reflexo da sociedade que espelha no futebol”. Porém, foi outro que deslizou. 

Tudo isso porque é —mas não deveria ser— nitidamente sensível e praticamente impossível (?) apontar o dedo àqueles que outrora foram parceiros. Na vida ou no futebol, tanto faz. 

"Na amplitude do tema, é necessário passar por uma conscientização que parte de dentro da Seleção brasileira, desde as categorias de base do futebol brasileiro, como um todo", afirmou o lateral. 

Pergunto diretamente: ainda estamos no estágio, em pleno 2024, de precisarmos conscientizar marmanjos crescidos e com barba na cara de que o não é não? De que invadir um banheiro feminino e forçar uma mulher a ter relações sexuais ou, sei lá, colocar o pênis na boca de mulher alcoolizada e inconsciente são atos criminosos? 

Porque, senhoras e senhores, foi essencialmente por esses motivos que Daniel Alves e Robinho foram condenados. Enquanto no patriarcal e machista Brasil uns passam a mão na cabeça dos outros, uns cometem crimes ao mesmo tempo que outros oferecem ombro amigo e silêncio, milhares de mulheres continuam a ser agredidas e desrespeitadas. 

Aliás, enquanto você lia este texto, uma delas seguramente passou por tudo isso, visto que, de acordo com estudos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada oito minutos uma menina ou mulher é estuprada no país. 

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